“Baile de favela” foi lançada em 2015 e se tornou um marco do funk paulista, com uma ode à periferia. O funk também embalou a ginasta Rebeca Andrade, filha de uma comunidade paulista, na Olimpíada de Tóquio. Mas uma paródia em 2018 deu novo sentido à música: apoio a Jair Bolsonaro.
Na eleição de 2022, os apoiadores de Lula e Bolsonaro fizeram voltar às paradas dois funks antigos que não foram escritos com sentido político, mas acabaram sendo adotados por cada lado. O g1 fez reportagens para contar a história das duas faixas:
- Vai dar PT”, do MC Rahell, foi lançada em 2017 sem nenhuma relação partidária (o “PT” da letra é uma “perda total”, gíria para falar de bebedeira). Mas ela acabou sendo adotada por simpatizantes de Lula e do Partido dos Trabalhadores. Clique aqui para ler a reportagem.
- “Baile de favela”, do MC João, ganhou uma paródia com xingamentos contra a esquerda em 2018, escrita pelo falecido MC Reaça. Em 2022, uma versão instrumental viralizou em perfis bolsonaristas no TikTok. Leia mais sobre ela abaixo.
A letra original de “Baile de favela” passa longe de Bolsonaro. Ela exalta os bailes do Helipa, Marconi, Eliza Maria, Rua Sete, São Rafael e outros fluxos de “quebrada” famosos. Ela foi o grande hit do réveillon no Brasil de 2015 para 2016, época em que o funk de SP se expandia.
O sucesso mudou a vida de MC João. Ele cresceu na periferia da Zona Norte de SP, na Jova Rural, comunidade próxima à de Rebeca Andrade, Vila Fátima, em Guarulhos. João perdeu o pai e sustentava a família desde os 17 anos.
A letra também causou polêmica pelo verso “vai voltar com a x… ardendo”. O MC negou que fosse um incentivo à violência contra a mulher. “No funk digo que ‘ela veio quente’. A gente está no clima, ela quer”, disse, defendendo o consentimento da personagem da letra.
MC João, voz de ‘Baile de favela’, e R7, produtor da faixa, na casa da empresa GR6 — Foto: Rodrigo Ortega / G1
O que Bolsonaro tem a ver com isso?
Tales Volpi, que ficou conhecido entre os defensores de Bolsonaro como MC Reaça, criou uma paródia de “Baile de favela”, que se espalhou em atos de apoio na eleição de 2018.
A letra tem xingamentos contra a esquerda, em especial contra feministas, chamadas de “cadelas”: “Dou pra CUT pão com mortadela / E pras feministas ração na tigela / As mina de direita são as top, mais bela / Enquanto as de esquerda tem mais pelo que cadela”, ele canta.
Ele ataca mulheres parlamentares de esquerda na letra: “Maria do Rosário não sabe lavar panela / Jandira Feghali nunca morou na favela”.
O músico também critica Paulo Freire e exalta Olavo de Carvalho: “Essa juventude só se degenera / Pega o Paulo Freire e manda pra estratosfera / Um Brasil pra frente é o que o povo espera / Vamo distribuir livro do Olavo pra galera”.
Tales Volpi participou de manifestações em apoio ao governo — Foto: Reprodução/Facebook
Tales Volpi, o MC Reaça, morreu no dia 1º de junho de 2019, aos 25 anos. O corpo dele foi encontrado na Rodovia Dom Pedro I (SP-065) em Valinhos (SP). A morte foi registrada como suicídio.
Jair Bolsonaro postou uma nota de pesar: “Tinha o sonho de mudar o país e apostou em meu nome por meio de seu grande talento. Será lembrado pelo dom, pela humildade e por seu amor pelo Brasil”.
No dia da morte, a namorada de Tales, então aos 28 anos, registrou boletim de ocorrência de agressão contra o músico. O caso foi registrado como lesão corporal e violência doméstica. A jovem deu entrada no hospital com edemas na face e no olho, além de fraturas no maxilar.
Vídeo banido do Youtube, faixa ausente do Spotify
Vídeo do MC Reaça, apoiador de Bolsonaro, foi banido do YouTube por violar a política sobre discurso de ódio — Foto: Reprodução
Um dos vídeos postados por MC Reaça com a música foi removido do YouTube por violar a política contra discurso de ódio no site. Há outra versão, postada por um canal não oficial, que tem 2,5 milhões de visualizações.
A paródia com a letra de MC Reaça não aparece no Spotify, principal plataforma de streaming do mundo, nem no app popular de vídeos TikTok. Mesmo assim, um fenômeno aconteceu durante a campanha de 2022: versões instrumentais de “Baile de favela” viralizaram nestes apps.
Renascimento instrumental no TikTok
No Spotify, um remix sem vocais de “Baile de favela”, lançado em 2016 pelos DJs Piero da Vinci e Fr4nk Cr4nk (também sem conotação política indicada nos vídeos e material político de remix dos DJs), chegou às paradas virais na véspera da votação do primeiro turno de 2022.
No TikTok o motivo da faixa ter viralizado fica mais claro: todos os vídeos em que ela é compartilhada são de apoiadores de Jair Bolsonaro. São ao menos 20 mil vídeos recentes, alguns deles com mais de 100 mil visualizações, exaltando o candidato do PL. A letra do MC Reaça fica implícita.
O g1 procurou MC João para falar sobre a faixa, e ele disse que essa versão remix não teve o lançamento autorizado por ele, como autor original. Ele disse que iria procurar a gravadora para resolver a situação. Ele não quis comentar o uso político da sua música.
Vídeos no TikTok em apoio a Bolsonaro com trilha instrumental de ‘Baile de favela’ — Foto: Reprodução