Criador de ‘Vai dar PT’ escreveu funk quando era garçom sem imaginar que viraria hit pró-Lula | Música

Em 2017 “Vai dar PT” mudou a vida de Lucas Rafael Santos Lima, o MC Rahell. Ele largou o trabalho de garçom em Belo Horizonte e assinou contrato com uma agência de funk em São Paulo. Cinco anos depois, o sucesso ganhou um inesperado 2º turno, impulsionado por apoiadores de Lula (PT).

Na eleição de 2022, os apoiadores de Lula e Bolsonaro fizeram voltar às paradas dois funks antigos que não foram escritos com sentido político, mas acabaram sendo adotados por cada lado. O g1 fez reportagens para contar a história das duas faixas:

  • “Baile de favela”, do MC João, ganhou uma paródia com xingamentos contra a esquerda em 2018, escrita pelo falecido MC Reaça. Em 2022, uma versão instrumental viralizou em perfis bolsonaristas no TikTok. Clique aqui para ler mais sobre a música.
  • “Vai dar PT”, do MC Rahell, foi lançada em 2017 sem nenhuma relação partidária (o “PT” da letra é uma “perda total”, gíria para falar de bebedeira). Mas ela acabou sendo adotada por simpatizantes de Lula e do Partido dos Trabalhadores. Leia mais sobre ela abaixo.

MC Rahell — Foto: Divulgação

“Vai dar PT” começa com uma pergunta: “Foi pro baile muito louca, a fim de se envolver / Só tem 18 anos, o que vai acontecer?“. Aconteceu muita coisa:

  • O funk que ele tinha escrito em 2015 ganhou a base de um amigo de BH, o DJ Gbeatz, em 2016. Foi sucesso em Minas Gerais e se espalhou pelo Brasil.
  • Ele diz que nem passou pela cabeça dele na época a associação do “PT” com o Partido dos Trabalhadores. Ele cantava sobre a “perda total” depois de uma noite de bebida.
  • Rahell assinou contrato com a RW, uma das maiores produtoras do funk paulista na época, e se mudou para São Paulo.
  • A RW pagou um clipe no canal do Kondzilla, a grande vitrine do funk. Eles também bancaram uma nova versão do funk produzida pelo MC Fioti.
  • O clipe foi gravado na mesma semana de outro do Fioti, “Bum bum tam tam” (que, curiosamente, também virou hit involuntário da esquerda anos depois em apoio ao Butantan).
  • “Vai dar PT” estourou de vez com o clipe e ainda atingiu o público do pagodão baiano: Léo Santana gravou uma versão no ritmo, o que popularizou mais a música.
  • Rahell viajou o Brasil e até fez shows no exterior no embalo de “Vai dar PT”. Mas nunca mais teve um sucesso tão grande.
  • Ele diz que no ano passado, quando Lula voltou a ser elegível, amigos avisaram a ele que a música, já cantada por apoiadores do PT, ia estourar de novo. Foi o que aconteceu.
  • Agora, ele comemora o segundo turno de sucesso da música, mas lamenta a divisão política: Rahell diz que tem dois shows marcados em Chapecó (SC). No primeiro, para um público de comunidade, os promotores estão usando muito “Vai dar PT” para divulgar. O segundo show é em uma boate de classe alta, e o contratante pediu para ele não tocar “Vai dar PT”.

MC Fioti no clipe de ‘Vai dar PT’, música produzida por ele e composta e cantada por MC Rahell — Foto: Divulgação

Voz despertada na igreja evangélica

Rahell cresceu na comunidade do Morro das Pedras, na Zona Oeste de BH, e aprendeu a cantar no coro de uma igreja evangélica aos 9 anos. Depois, se encantou pelo funk. “Quando criei ‘Vai dar PT’, sabia que ia explodir. Eu tenho noção dessa coisa de música e melodia por causa da igreja”, ele diz.

Ele trabalhava como garçom no Rancho do Boi do Anchieta, bairro de classe alta na Zona Sul de Belo Horizonte. O sonho dele era cantar no Chalezinho, boate famosa entre o público jovem e rico da capital mineira.

“Eu falava para os meus clientes no restaurante: ‘eu fiz essa música e tenho certeza que vai estourar’. E ficava cantando para eles”, lembra Rahell. “Eles rachavam (riam) e diziam que música era ‘top’.”

Rahell gravou a música com produção do amigo Gbeatz e a previsão para os clientes se confirmou “A música foi andando, e dali a pouco explodiu tanto que eu tive que vir para São Paulo”, ele conta.

A agência que o contratou pediu uma nova versão feita pela sua grande aposta da época, o MC Fioti. Mas Rahell queria que o clipe saísse com a produção original, de Gbeatz.

Por isso o sucesso se espalhou com duas bases até hoje: no YouTube ficou a primeira versão. No Spotify e outras plataformas de streaming, ficou a produção refeita pelo MC Fioti – com estilo bem semelhante ao do megahit “Bum bum tam tam”, lançada só duas semanas depois.

Na época, a RW tinha uma geração de artistas prestes a despontarem: “Quando cheguei na empresa, tinha eu, Fioti, Lan, Mirella, estava todo mundo tentar estourar ali, começando a engatinhar. Todo mundo com sua musiquinha batendo”, ele lembra.

“Aí eu fui e gravei ‘Vai dar PT’. Mas eu gravei e logo depois voltei pra BH para trabalhar de garçom. Porque a música já estava estourada, mas ainda não estava me dando dinheiro”, ele conta.

O sucesso o levou de vez para SP, onde ele mora até hoje, aos 32 anos com um filho e a esposa, grávida do segundo.

A demanda por shows foi tão grande na época que o jogo virou: ele teve que recusar uma data proposta pela sonhada boate Chalezinho. Ele foi bem mais longe: fez shows em Portugal, Reino Unido, França, Alemanha e Japão.

Rahel na sua cidade natal, Belo Horizonte, antes de estourar e se mudar para SP — Foto: Arquivo Pessoal

Rahell teve outros sucessos menores em 2018, como “Noite passada” e “Vai com o bundão”. Em 2020, lançou a música “Vai dar PT 2”. O clipe tem 600 mil visualizações no YouTube, bem longe das 60 milhões do hit de 2017.

Ele não conseguiu ficar tão conhecido quanto a própria música. Tanto que, entre quem não acompanha muito funk, tem gente que acha que a música é do Léo Santana. “Eu sou fã do Léo e muito grato a ele, que ajudou a minha música a chegar mais longe ainda”, diz, sem ressentimento.

“Mas eu acho que na época que eu estourei faltou uma assessoria, para o pessoal saber quem eu era, quem cantava aquela música”, avalia Rahell.

Ele quer aproveitar melhor a nova chance. No domingo (2), as eleições fizeram “Vai dar PT” voltar às paradas nacionais do Spotify, feito raro para uma música de cinco anos atrás: a versão de Léo Santana ficou em 152º lugar e a de Rahell em 154º.

As duas versões também estão na parada viral, das músicas que se espalham mais rápido no Spotify: a versão de Rahell em 20º e a de Léo Santana em 51º.

Junto com o sucesso, o cantor também colhe os resultados do ressentimento político. “Eu vou cantar em duas baladas em Chapecó: uma mais ‘playboy’ e outra da ‘quebrada’, ele conta.

“Na festa da ‘quebrada’, o promotor divulga só com ‘Vai dar PT’, posta o clipe o tempo inteiro. Na outra, o cara pediu para eu fazer um vídeo e disse que eu não podia cantar ‘Vai dar PT”, diz Rahell. “Eu falei: ‘Mas tá estourada’. E ele falou: ‘Não, aqui o pessoal é Bolsonaro'”, diz o músico.

“Para você ver aonde as coisas estão chegando”, MC Rahell comenta. “Eu gosto mais do Lula do que do Bolsonaro. Mas eu respeito os outros. O Neymar gosta do Bolsonaro. Eu não vou deixar de seguir ele por causa disso. Não tem lógica, entendeu?”

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