Roberta Sá se expande na roda coletiva do samba ao gravar show no Rio | Blog do Mauro Ferreira

Local: Circo Voador (Rio de Janeiro, RJ)

Data: 24 de setembro de 2022

Cotação: ★ ★ ★ ★

“E vai girar girar girar no fundo de quintal / Nos becos, calçadas, num canto de bar / A roda é a forma ancestral / É a marca que fica no chão / O samba é a nata, é o topo da evolução”.

♪ Foi com os versos do refrão do samba A roda (Wanderley Monteiro e Deco Romani, 2020) que Roberta Sá, grávida de seis meses da filha Lina, pisou no palco do Circo Voador, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), nos últimos minutos da noite de ontem, 24 de setembro, para fazer o registro audiovisual do show SambaSá.

Os versos de A roda soaram como carta de boas intenções de show calcado no espírito coletivo do samba, gênero musical com o qual a cantora potiguar – de vivência carioca desde a adolescência – se apresentou ao Brasil há 20 anos ao entrar no reality show Fama (TV Globo, 2002).

Decorridas duas décadas, com carreira consolidada a partir de 2005, ano do álbum Braseiro, Roberta Sá continua primordialmente associada ao samba. Mesmo quando a cantora tentou se afastar momentaneamente do gênero no álbum Segunda pele (2012), o samba mandou chamá-la com a inclusão imprevista de O nego e eu (João Cavalcanti, 2012) no repertório do disco.

Apresentado após álbum e show dedicados ao cancioneiro de Gilberto Gil, Giro (2019), o show SambaSá veio ao mundo na forma de roda de samba, em dezembro de 2021. Ao longo do primeiro semestre de 2022, o show adquiriu molde convencional, mas o espírito de coletividade permaneceu e regeu a gravação do álbum ao vivo que será editado pela gravadora Deck, possivelmente já em novembro.

A comunhão se estabeleceu logo no primeiro número, com a adesão já habitualmente calorosa do público do Circo Voador ao repertório – e não podia haver palco e ambiente mais adequados na cidade do Rio de Janeiro (RJ) para abrigar o show SambaSá no momento do registro oficial para a posteridade. Todo show se engrandece com a receptividade da plateia do Circo.

Havia também um sentido de coletividade, de grupo, na banda arregimentada sob direção musical de Alaan Monteiro e formada pelo próprio Alaan (no cavaquinho) com André Manhães (bateria), Bruno Gama (percussão), Gabriel de Aquino (violão), Jéssica Araújo (surdo, tantã, pandeiro, tamborim e efeitos), João Rafael (baixo) e Thiaguinho Castro (pandeiro, congas, caixa, repique de anel, tamborim e efeitos), além de Camila Monteiro no vocal.

É como se todo mundo estivesse numa roda, inclusive a solista, dona de voz suave, que soou mais expansiva na gravação que entrou pela madrugada deste domingo, 25 de setembro, com as devidas repetições de músicas por questões técnicas e o bis político em que a cantora improvisou versos no refrão de Tá escrito (Xande de Pilares, Carlinhos Madureira e Gilson Bernini, 2009) para marcar posição nas eleições do próximo domingo.

Roberta Sá canta dois sambas inéditos na gravação do show ‘SambaSá’ — Foto: Alice Venturi / Divulgação

Na apresentação do roteiro já previamente divulgado por Roberta Sá em redes sociais, o samba Sem avisar (Wanderley Monteiro, 2022) – inédito em disco, mas já gravado em estúdio pela cantora para o EP também intitulado SambaSá – se insinuou como obra-prima pela beleza da melodia, levada em cadência mais serena, afinada com a letra que versa sobre a chegada do amor.

Nesse roteiro que incluiu outro samba inédito em disco, Antes tarde (Nego Alvaro e Marcos Maia, 2021), a recorrência de músicas já conhecidas facilitou a total empatia entre cantora e público. Só que Roberta Sá sabe pescar pérolas no baú do samba, sem cair na obviedade.

Se ao gravar o álbum Que belo estranho dia para se ter alegria (2007), a cantora resgatou grandes sambas então esquecidos dos repertórios das cantoras Doris Monteiro e Linda Batista (1919 – 1988) – respectivamente, Alô fevereiro (Sidney Miller, 1971) e Interessa? (Carvalhinho, 1951), ambos revividos no show – o registro de SambaSá trouxe à tona um samba animado de cadência ágil, Não tá nem aí (Moisés Santiago, Carlos Caetano e Flavinho Silva, 2003), saboroso fruto do Fundo de Quintal que poderá até soar inédito para quem não for seguidor do grupo.

O show SambaSá simboliza a pisada de Roberta Sá em terreno mais popular, fincado nas tradições dos pagodes cariocas. Só que em nenhum momento houve apelação mercadológica.

No que diz respeito à receptividade do público, a cantora conseguiu irmanar um sucesso inicial do grupo de pagode Só pra Contrariar, Domingo (Alexandre Pires e Fernando Pires, 1993), com hits do repertório de Jovelina Pérola Negra (1944 – 1998), partideira de alta estirpe, saudada com as lembranças de No mesmo manto (Beto Correia e Lúcio Curvello, 1991) e, no bis, Sorriso aberto (Guaracy Sant’anna, o Guará, 1988), samba em que Roberta alterou graciosamente o verso “Samba aqui, samba ali, samba lá” para “Samba aqui, samba ali, samba Sá”.

Dentre as 24 músicas do roteiro (ou 25, se incluído o samba adicional do bis), somente Fala baixinho (Aurélio Goncalves Nunes, Claudemir da Silva e Edinei Moreira da Silva, 2012) – sucesso do Grupo Revelação – pareceu ter surtido menor efeito na plateia.

Única convidada da gravação, Áurea Martins foi reverenciada ao entrar no palco do Circo Voador para dividir com Roberta Sá o canto de Nos braços da batucada (Arlindo Cruz, Junior Dom e Babi, 2005).

Pela simples presença nobre, Áurea driblou o fato de ser (grande) intérprete mais vocacionada para o intimismo do samba-canção entoado no ambiente esfumaçado de uma boate do que para efusivo show de samba que incluiu reverência de Roberta Sá à eterna madrinha do gênero, Beth Carvalho (1946 – 2018), lembrada com dois sambas de tom feminista, Colabora (Serginho Meriti, 2011) e Chega (Rafael dos Santos e Leandro Fregonesi, 2011).

No excelente saldo final, sob direção artística de Pedro Seiler, Roberta Sá protagonizou show memorável, fazendo a roda do SambaSá girar com evocações do melhor samba cantado coletivamente nos becos, bares, calçadas e quintais cariocas.

Áurea Martins é saudada por Roberta Sá na gravação do show ‘SambaSá’, no palco do Circo Voador — Foto: Alice Venturi / Divulgação

♪ Eis as 25 músicas do roteiro seguido em 24 e 25 de setembro de 2022 por Roberta Sá na gravação do show SambaSá no Circo Voador, na cidade do Rio de Janeiro (RJ):

1. A roda (Wanderley Monteiro e Deco Romani, 2020)

2. Alguém me avisou (Ivone Lara, 1980)

3. Alô fevereiro (Sidney Miller, 1971)

4. Água da minha sede (Dudu Nobre e Roque Ferreira, 2000)

5. Luz da minha vida (Toninho Geraes e Chico Alves, 2020)

6. Ah, se eu vou (Lula Queiroga, 2001)

7. Interessa? (Carvalhinho, 1951)

8. Sem avisar (Wanderley Monteiro, 2022)

9. Amanhã é sábado (Martinho da Vila, 2015)

10. Samba de um minuto (Rodrigo Maranhão, 2004)

11. Me erra (Adriana Calcanhotto, 2015)

12. Nos braços da batucada (Arlindo Cruz, Junior Dom e Babi, 2005) – com Áurea Martins

13. Maneiras (Silvio da Silva, 1987)

14. Nossos planos (Fred Camacho, Carlos Caetano e Leandro Fab, 2022)

15. Não tá nem aí (Moisés Santiago, Carlos Caetano e Flavinho Silva, 2003)

16. No mesmo manto (Beto Correia e Lúcio Curvello, 1991)

17. Antes tarde (Nego Alvaro e Marcos Maia, 2021)

18. Colabora (Serginho Meriti, 2011)

19. Chega (Rafael dos Santos e Leandro Fregonesi, 2011)

20. Trilha do amor (Xande de Pilares, André Renato e Gilson Bernini, 2012)

21. Fala baixinho (Aurélio Goncalves Nunes, Claudemir da Silva e Edinei Moreira da Silva, 2012)

22. Domingo (Alexandre Pires e Fernando Pires, 1993)

23. Samba de Arerê (Xande de Pilares, Arlindo Cruz e Mauro Júnior, 1999)

24. Sorriso aberto (Guaracy Sant’anna, o Guará, 1988)

❀ Repetições de números do show por questões técnicas

25. Tá escrito (Xande de Pilares, Carlinhos Madureira e Gilson Bernini, 2009)

Roberta Sá, grávida de seis meses da filha Lina, grava o show ‘SambaSá’ no Rio de Janeiro para álbum previsto para novembro — Foto: Alice Venturi / Divulgação

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