Religião, rapidez das urnas, fake news e resultado apertado: jornalistas estrangeiros apontam o que mais chama atenção na eleição brasileira


Para correspondentes de diferentes continentes ouvidos pelo g1, cobertura do processo eleitoral do Brasil serve de espelho para a América Latina e para o mundo. Jornalistas acompanham coletiva de imprensa de Luiz Inácio Lula da Silva durante campanha eleitoral para o 2º turno, em 14 outubro de 2022.
Augusto César/TV Globo
Fake news, urnas rápidas, protagonismo das redes sociais e da religião, bolsonarismo assentado, resultado incerto até o último momento. Esses são alguns dos aspectos que mais chamaram a atenção de correspondentes estrangeiros que cobriram a campanha eleitoral de 2022 no Brasil.
A velocidade da contagem dos votos através das urnas eletrônicas impressionou todos os jornalistas ouvidos pelo g1, que concordam em que o processo eleitoral do Brasil servirá de espelho para o mundo.
Apuração veloz
“Sigo maravilhada com o fato de que, em uma eleição com dezenas de milhões de eleitores, as autoridades sejam capazes de contar os votos em três horas, ainda mais em um país que tem lugares tão remotos”, disse a correspondente do espanhol “El País”, Naiara Galarraga Gortázar.
Para ela, um aspecto “bastante brasileiro” na campanha foi o peso das redes sociais em todo o processo eleitoral.
“É impressionante o protagonismo que as redes sociais têm aqui, e também as campanhas brutais de desinformação e fake news. Na Espanha também temos esse problema, mas não nesse nível. Acho assustador o que as campanhas fazem para destruir a reputação dos rivais”, avaliou a jornalista espanhola.
A jornalista espanhola Naiara Galarraga Gortázar, correspondente do “El País”, durante cobertura das eleições no Brasil.
Arquivo pessoal
A velocidade na contagem das urnas também impressionou o correspondente Travis Waldron, repórter senior do “Huffington Post”.
“Nossas eleições nos Estados Unidos são destiladas em dois anos, entre as primárias e as eleições gerais. Depois, temos uma contagem demorada. Aqui, a velocidade de todo esse processo é incrível”, disse.
Contagem de votos manual no estado da Geórgia, nos EUA, em 2020.
Tami Chappell / AFP
Outra diferença observada por Waldron, que cobriu eleições brasileiras in loco pela primeira vez este ano, são os jingles produzidos no Brasil.
“Nos EUA as campanhas costumam ter slogans, como o ‘Yes, We Can (da campanha de Barack Obama)’ e o ‘Make America Great Again (da campanha de Donald Trump)’, mas não com músicas”.
O jornalista norte-americano também se surpreendeu com a “atmosfera de celebração” após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.
“Em Washington (capital dos EUA), é comum as pessoas irem à entrada da Casa Branca para celebrar após o resultado das eleições, mas nem se compara com o que eu vi na avenida Paulista na noite de domingo (30). Além da festa, o fato de o Lula aparecer de repente para um discurso, isso não é comum para nós”, observou.
“Eu já sabia que era assim, mas, vendo em primeira pessoa, é tudo mais intenso”.
Apoiadores de Lula comemoram vitória na Avenida Paulista
Invasão ao Capitólio como alerta
Sobre a demora de Jair Bolsonaro em se pronunciar após as eleições, Waldron, que cobriu a recusa de Donald Trump à derrota nas urnas e a invasão de seus apoiadores ao Capitólio em janeiro de 2020, disse já esperar reações similares.
Ele acha, no entanto, que o que ocorreu em seu país deixou líderes e eleitores em alerta. “Talvez por isso a resposta internacional (após os resultados das eleições no Brasil) tenha sido tão rápida. O (presidente dos Estados Unidos) Joe Biden parabenizou Lula pouco mais de uma hora depois”.
Foto de 6 de janeiro de 2021, dia da invasão ao Capitólio dos EUA, mostra policiais conversando com apoiadores do então presidente americano, Donald Trump, incluindo Jacob Chansley (à direita), do lado de fora do plenário do Senado
Manuel Balce Ceneta/AP
Já para o sul-africano Benjamin Fogel, do “Daily African”, a competitividade é o que mais lhe chamou a atenção.
“A África do Sul tem muitos aspectos similares ao Brasil, como a desigualdade mesmo em um país com muito dinheiro, as discriminações, as acusação de corrupção a políticos. Mas lá sempre sabemos quem vai ganhar as eleições, no contexto atual. Ver uma eleição tão competitiva foi uma experiência muito intensa”.
Já a velocidade com que uma notícia se sobrepõe à outra no Brasil não impressionou Fogel, que diz haver um ritmo similar em seus país, ao contrário de jornalistas europeus.
“É impressionante como há uma sede de novidades no Brasil. Não há uma pausa entre uma notícia grande e outra”, opina a espanhola Naiara Galarraga Gortázar.
Termômetro para a América Latina
O peruano Isaac Risco, do serviço em espanhol da rede alemã Deustche Welle, que esteve no Brasil na campanha de 2018 e voltou para a de 2022, disse ter achado o bolsonarismo mais “assentado” no país.
“Em 2018, o bolsonarismo era uma ideia, agora achei que está mais assentado, assim como a violência política”, opinou Risco, que disse ter se impressionado também com a força política que Lula segue tendo e a falta de alternativa aos dois.
O peruano disse que deixa agora o país com uma sensação de “preocupação”. “Acho que o Lula terá condições muito difíceis para governar. Vai ser um termômetro para América Latina. O Brasil tem uma força de irradiação muito grande no resto do continente”.
Por votos em Bolsonaro, líderes religiosos ameaçam com castigo divino ou punição dentro da própria igreja aqueles que discordam da fusão entre política e religião que tem marcado estas eleições
Getty Images
Os últimos quatro anos no Brasil também serviram de “laboratório” para os países latino-americanos, na avaliação do argentino Pablo Giuliano, correspondente da agência de notícias estatal Telám.
“Acho que o Brasil serviu de laboratório nesses quatro anos para ver o que acontecia com mistura de religião, ajustes neoliberais. Um Brasil com desejos de hegemonia, e não de liderança, é algo visto com desconfiança na América Latina, porque o país é muito poderoso dentro do continente”, avaliou Giuliano, que se disse ainda impressionado com a quantidade de debates sobre religiosidade.
“Na Argentina, que é um país católico, nunca houve uma pauta política desse tipo, tão focada na religião, com campanha dentro de igrejas”.

Fonte

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