Por que viajar de avião está tão caro no Brasil


O primeiro trimestre deste ano teve a maior média de preço em mais de uma década. Especialistas afirmam que o valor do combustível, alta do dólar e os impactos da pandemia estão entre as principais dificuldades do setor. Preço médio das passagens aéreas em viagens nacionais entre janeiro e março de 2023 foi o maior para o período em mais de uma década
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O preço médio das passagens aéreas em viagens nacionais entre janeiro e março deste ano foi o maior em um primeiro trimestre em mais de uma década: R$ 592,95.
O dado é o mais atualizado do levantamento feito pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Esse valor, segundo a Anac, é o maior desde o primeiro trimestre de 2010, quando a média foi de R$ 629,16, já corrigida pela inflação.
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Na comparação anual, 2022 já havia entrado para a série histórica da agência como o ano em que os bilhetes custaram mais caro em muito tempo.
O preço médio foi R$ 649,14 — o maior valor desde 2009, quando o bilhete custou em média R$ 742,89.
“Ao menos desde 2019, as companhias aéreas têm subido os valores das passagens acima da inflação. Isso indica que as companhias estão elevando os preços mais do que a capacidade de renda da população, que tem enfrentado mais dificuldade para comprar passagens”, diz o economista Alexandre Jorge Chaia, do Insper.
Mas por que viajar de avião no Brasil está tão caro?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que o preço das passagens subiu por uma combinação de fatores, como a pandemia de covid-19, a alta do dólar nos últimos anos e o aumento do preço do combustível das aeronaves.
O setor afirma ainda que atravessa uma crise e tenta se reestruturar.
Enquanto isso, o governo federal estuda lançar um programa para vender passagens a preços populares, além de outras medidas para tentar reduzir o valor dos bilhetes.
Ao mesmo tempo, além do valor das passagens, viajar de avião ficou mais caro porque muitos consumidores têm agora que arcar com cobranças extras, como a tarifa para despachar bagagens, em vigor desde 2017, que se tornou parte importante da receita das empresas aéreas.
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O avanço das viagens de avião no Brasil
Até o início dos anos 2000, o valor das passagens aéreas era regulado pelo governo federal. O controle de preços gerava ineficiências, reduzindo o investimento das empresas e a oferta de voos, o que mantinha o valor das passagens elevado.
Desde 2001, as empresas aéreas passaram a ter liberdade para determinar as tarifas cobradas nas rotas domésticas.
A concorrência ganhou força a partir de 2005, com a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), estimulando investimentos e a expansão do setor, com crescimento da malha aérea, aumento da oferta de trechos e da quantidade de voos.
Essa expansão fez o valor das passagens cair bastante, segundo analistas, o que levou muito mais brasileiros a viajar de avião.
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O efeito dessa mudança pode ser medido pelo chamado RPK (Revenue Passenger‐Kilometers, em inglês, ou Passageiros‐Quilômetros Pagos transportados).
Essa medida, usada pelo setor para apontar a demanda por voos, é calculada ao se multiplicar o número de passageiros pagantes por quilômetros voados.
Em 2000, o índice foi de 25,2 bilhões de quilômetros. Uma década depois, quando o avião se tornou oficialmente o meio de transporte mais usado por brasileiros para viagens longas em vez do ônibus, já eram 69,8 bilhões.
O RPK continuou a crescer na década seguinte, até sofrer uma queda vertiginosa na pandemia de covid-19 por causa das restrições de circulação.
Em 2019, ano imediatamente anterior à pandemia, eram 96,4 bilhões de quilômetros. No ano seguinte, caiu para quase a metade: 49,5 bilhões.
A aviação comercial doméstica começou a se recuperar desde então. Em 2022, o RPK subiu para 89,3 bilhões de quilômetros.
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Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), que representa companhias do setor, o índice do ano passado foi correspondente a 86,5% do registrado em 2019.
Essa recuperação foi melhor do que as de viagens internacionais, de acordo com a Abear, que estão hoje em 64,7% do registrado no ano anterior à pandemia.
Apesar da recente recuperação, a Abear avalia que as empresas aéreas brasileiras ainda enfrentam uma situação difícil.
A associação estima que as companhias tiveram prejuízo de R$ 46,39 bilhões, acumulados de 2016 até o terceiro trimestre do ano passado.
Diante desse cenário, um dos reflexos para o consumidor foram passagens cada vez mais caras.
Como é calculado o preço da passagem
O valor de uma passagem leva em consideração fatores como a oscilação de preço internacional do barril de petróleo (a partir do qual é produzido o combustível para as aeronaves), a taxa de câmbio, as estratégias de concorrência entre as empresas, a distância que será percorrida e a demanda por um determinado trecho.
Há outros fatores também, segundo a Anac, como a antecedência da compra da passagem, o dia da semana em que isso é feito, se é um trecho com escalas e conexões, se serão oferecidas refeições a bordo, a posição do assento na aeronave e o meio pelo qual a passagem é vendida.
Há casos inclusive em que bilhetes nacionais custam mais do que viagens para outros países, principalmente aqueles que são vizinhos do Brasil.
Isso ocorre, segundo especialistas, por causa da dimensão continental do Brasil, o que torna algumas viagens bem longas, e também em razão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo cobrado pelos Estados sobre vários setores econômicos, como o de combustível – o que encarece os custos em alguns pontos do país.
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Além disso, o preço de uma passagem aérea é dinâmico, ou seja, ele varia de acordo com esses fatores a qualquer momento.
Isso significa que, em um mesmo voo, passageiros podem pagar diferentes valores por assentos semelhantes.
Em fevereiro deste ano, por exemplo, segundo a Anac, 30% dos bilhetes de viagens no Brasil foram vendidos abaixo de R$ 300.
Já a média geral do valor da passagem nacional nesse período foi bem maior, de R$ 576,19 – o maior desde fevereiro de 2014, quando ficou em R$ 598,53.
“Muitos outros serviços também têm preços dinâmicos, como atrações culturais, transportes e hotelaria”, argumenta Jurema Monteiro, presidente da Abear.
Monteiro reconhece que as passagens ficaram mais caras nos últimos anos no Brasil, mas ela diz que isso que ocorreu com outros serviços e setores no pós-pandemia, com inflação em alta e um aumento de custos em geral.
Ela acrescenta que o valor do dólar mais que dobrou nos últimos dez anos e que isso impactou diretamente os preços das passagens no Brasil.
“O preço [das passagens] já foi menor, mas em condições nas quais os custos eram diferentes. O dólar era mais baixo e o preço do combustível era mais competitivo. 60% dos custos estão atrelados ao dólar, como o combustível, o arrendamento de aeronave, a manutenção… tudo isso é dolarizado”, diz.
Valor das passagens no 1º trimestre de cada ano
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Ex-diretor da Anac, o advogado Ricardo Fenelon Júnior, especialista em Direito Aeronáutico, afirma que as companhias aéreas continuam tendo dificuldades mesmo com o aumento do preço das passagens aplicado para compensar os prejuízos dos últimos anos e a alta dos custos de produção.
“Os custos das empresas aéreas no Brasil subiram de forma exponencial. As companhias só não sobem mais os preços porque não conseguem, porque há liberdade tarifária no Brasil e precisa aumentar o preço e regular a oferta conforme concorrência e demanda”, diz.
“Essas empresas ainda continuam tendo prejuízo porque não podem cobrar o máximo que poderiam, porque o consumidor é sensível a preço. Esses prejuízos dos últimos anos, como as dívidas criadas na pandemia, continuam gerando aumento de custos hoje. Mesmo com o preço das passagens mais alto, essas companhias não conseguem cobrir os prejuízos dos últimos anos”, acrescenta.
Outro problema que prejudica o segmento, avalia Fenelon, é relacionado ao alto número de processos contra empresas aéreas no Brasil.
“Isso faz parte dos custos estruturais de uma empresa. O Brasil é o país com o maior número de passageiros contra companhias aéreas”, diz o advogado.
Nem mesmo as novas cobranças como pelo despacho de bagagens, marcação de assentos e serviço de bordo, que hoje representam cerca de 20% da receita das companhias com as tarifas cobradas, amenizou a crise do setor, diz Marcus Quintella, diretor do centro de estudos da área de Transporte da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“No mundo, essa cobrança já é uma prática de muitos anos e no Brasil acontece desde 2017. Hoje é uma receita acessória muito importante, e tudo isso faz parte dessa estratégia das empresas”, afirma Quintella.
O especialista diz que essas novas cobranças não foram suficientes para reverter os prejuízos do setor nos últimos anos. E avalia que, se esses valores voltassem a ser incluídos no preço da passagem, os bilhetes ficariam ainda mais caros.
“Muita gente começaria a levar bagagem desnecessariamente e isso interfere no custo do voo, no peso da aeronave, no combustível e na ocupação”, acrescenta Quintella, que frisa que essas novas cobranças são permitidas pela Anac.
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O combustível
Uma das principais dificuldades alegadas pelas empresas aéreas é o preço do querosene de aviação (QAV), o maior custo de operação das aeronaves.
O valor do produto é tabelado pela Petrobras, que define sua política de preços.
Segundo a Abear, o preço do QAV começou a pressionar os custos das passagens aéreas no país por volta de 2018, e a situação piorou em meio à pandemia.
De acordo com a estimativa da associação, o preço do produto aumentou 129% de 2020 a 2022, ajustado pela inflação.
“O QAV oscilou muito para cima em 20 anos, especialmente nos últimos quatro anos”, diz Jurema, da Abear.
“Isso faz com que o preço da passagem também oscile como um todo. Mas a tarifa média do bilhete aéreo oscilou muito menos do que o aumento de custos no último período: enquanto o bilhete aéreo aumentou 26% de 2019 a 2023, o QAV aumentou mais de 120% [valores ajustados pela inflação].”
O conflito causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, segundo os especialistas, também elevou o valor do querosene de aviação.
Nos primeiros meses deste ano, segundo o governo federal, o preço do QAV teve uma redução de 35%. O setor, porém, cobra uma redução ainda maior, em razão dos aumentos consecutivos nos últimos anos.
Para a Abear, uma das medidas mais urgentes para reduzir os custos dos bilhetes aéreos é reavaliar a forma que o QAV é cobrado no Brasil.
“Hoje, mesmo que 90% da produção do combustível seja nacional, o item é cobrado como se viesse do exterior. Além disso, o Brasil é o único país que tributa o QAV (com ICMS, por exemplo), tornando o preço efetivo pago nas refinarias brasileiras um terço superior ao valor cobrado das aéreas nos Estados Unidos”, aponta a associação em um comunicado enviado à BBC News Brasil.
Variação do preço das passagens aéreas
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O Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) diz em nota à BBC News Brasil que reduzir ainda mais o preço do combustível é um dos principais caminhos para diminuir os custos das passagens.
Em razão disso, afirma que mantém diálogo frequente sobre o tema com os órgãos competentes para “encontrar soluções para a redução dos preços”.
O MPor afirma ainda que há outras alterações estruturais na aviação civil que também são importantes para baratear as passagens, como “a diminuição do excesso de judicialização das relações de consumo; a redução da tributação incidente sobre a aviação civil e a atração de mais empresas aéreas para aumento da concorrência”.
As medidas do governo federal
O setor aéreo pede mais apoio do poder público. A Abear aponta que enquanto outros países deram suporte ao segmento no auge da pandemia, o governo brasileiro não concedeu nenhum tipo de ajuda financeira no período.
“Mesmo com uma parada quase total dos voos, o setor brasileiro se manteve de pé sem nenhum subsídio público, diferentemente do que aconteceu em países como Estados Unidos (US$ 50 bi), França (US$ 16,4 bi), Alemanha (US$ 9,8 bi) e Holanda (US$ 3,8 bi)”, diz comunicado da Abear.
“Isso faz com o que o custo financeiro dessa recuperação seja mais intenso e duradouro do que em outros setores e países. Fora este cenário atípico, impactos do Custo Brasil, de R$ 1,7 tri para todos os setores brasileiros em 2022, mostram o quanto o modal aéreo é impactado pela alta carga tributária. Somente o setor aéreo pagou R$ 20,5 bi em tributos em 2021”, acrescenta a associação.
Já o governo federal afirma que foram tomadas medidas para auxiliar o segmento durante o auge da pandemia. O Ministério do Turismo diz, em nota, que apoiou uma série de ações para fortalecer o setor aéreo no período.
Entre as medidas, a pasta cita medida provisória que flexibilizou a jornada e permitiu suspensão dos contratos de trabalho; regulamentação da remarcação e do cancelamento de voos em função da pandemia; introdução do combustível JET-A; e diminuição do imposto sobre arrendamento de aeronaves.
A pasta afirma ainda que foram feitas reuniões com as empresas aéreas e associações do setor para discutir ações que possam ajudar a reduzir custos operacionais e “dar oportunidade de mais brasileiros voarem”.
Programa ‘Voa Brasil’
Uma das medidas mais recentes do governo federal em relação ao barateamento de passagens foi o anúncio do programa “Voa Brasil”.
A iniciativa promete abaixar os custos das passagens aéreas nacionais para alguns públicos específicos para cerca de R$ 200 por trecho voado.
De acordo com o que foi divulgado até agora pelo governo, servidores públicos com salário de até R$ 6,8 mil, aposentados, pensionistas e estudantes do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) podem estar entre os beneficiados.
Segundo as informações iniciais, cada pessoa deve ter direito a duas passagens por ano, além de um acompanhante por trecho. Essas passagens devem ser vendidas em períodos fora da alta temporada.
Azul, Gol e Latam, as três principais empresas do setor, anunciaram que aceitam participar do projeto.
A previsão é de que o programa comece no segundo semestre deste ano.
No fim de maio, o presidente Lula sancionou uma Lei que concede isenção de tributos às empresas aéreas. O texto zera as alíquotas do PIS e da Cofins (impostos federais) sobre a receitas obtidas pelas empress de transporte aéreo pelo período de 1º de janeiro deste ano a 31 de dezembro de 2026.
O governo federal estima que essa medida deve reduzir em cerca de R$ 500 milhões nos custos operacionais da aviação civil brasileira nos próximos anos.
Apesar de representar alívio, o setor aéreo tem argumentado que dificilmente a medida irá impactar de modo imediato em uma possível redução nos preços das passagens, em razão dos prejuízos enfrentados nos últimos anos.
Preços das passagens podem cair?
No mês passado, houve queda de 17,73% nos preços das passagens aéreas, segundo a inflação calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas no acumulado dos últimos 12 meses, conforme o IBGE, os preços das passagens subiram 4,31% – em comparação, a inflação no mesmo período foi de 3,94%.
“Isso indica que em maio talvez houvesse mais oferta de passagens e também o preço do combustível de aviação caiu no período recente. Talvez a tendência seja estabilizar nesse preço (atual) das passagens, mas uma redução muito grande neste momento acho difícil”, avalia Alexandre Jorge Chaia, do Insper.
“As empresas ainda estão desequilibradas financeiramente e acabam tendo que repor esse prejuízo. Então as passagens devem continuar caras, ao menos até que as empresas equilibrem as contas”, acrescenta.
Os especialistas afirmam que não há, ao menos por ora, como prever de modo geral quando as passagens aéreas terão queda de preço considerável no país.
“É um cenário muito complexo. A aviação depende da macroeconomia. Se analisarmos, desde 2014, a gente anda de lado porque não tem crescimento significativo no país. Infelizmente, os últimos dez anos não foram fáceis para o Brasil”, aponta Fenelon, ex-diretor da Anac.
“O cenário deve continuar complexo enquanto o dólar estiver em alta e o combustível nesse valor”, acrescenta.
Segundo especialistas, a melhor forma de comprar passagens aéreas mais baratas no atual momento é se planejar.
“Essa é a grande diferença, porque as empresas concorrem muito entre si. Não existe outra dica além da antecedência”, afirma Jurema Monteiro, da Abear.
Mas quanto tempo seria o suficiente?
“Até três meses de antecedência é um bom período”, diz Marcus Quintella.
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