Meu tio ensinou violão a Pelé: o luto é mais profundo em uma cidade

Em todo o mundo, torcedores lamentaram a perda de Pelé, cujo domínio incomparável do belo jogo o catapultou a um nível de celebridade alcançado por poucos atletas.

No entanto, em Santos, Brasil, onde Pelé alcançou o estrelato e passou grande parte de sua carreira, sua morte o atingiu como em nenhum outro lugar, a perda mais pessoal e íntima.

Ele chegou à cidade portuária do sul de São Paulo ainda adolescente esquelético na década de 1950 e, de certa forma, nunca mais saiu. Para alguns, era um vizinho ou amigo que, mesmo depois de ter se tornado celebridade mundial, sempre parava para bater um papo ali perto da esquina da Vila Belmiro, já que é popularmente conhecido o estádio do Santos FC, onde Pelé iniciou sua ascensão . Para quem nunca o conheceu, sua alma parece permear o lugar, representando um espírito unificador no Brasil apesar, ou talvez por causa, da desigualdade.

Com seu funeral marcado para segunda-feira em Santos, torcedores lotaram locais da cidade para relembrar o legado de Pelé, dentro e fora do campo, e se despedir.

Marcos Martins, 48 ​​anos, engenheiro civil

Eu nasci aqui — sempre fui santista. Meu tio também foi jogador de futebol do Santos. Ele foi o 10º artilheiro do Santos, então estava no time do Pelé, jogava bola com o Pelé.

Meu tio sempre contou muitas histórias sobre ele. Quando Pelé chegou à Vila Belmiro, já tinha 28 anos; Pelé tinha apenas 17 anos.

Praticamente elevou a fasquia do futebol no Brasil. Com a chegada de Pelé, tudo mudou.

Ele transformou o Brasil, e também o Santos, em uma referência mundial do futebol. Santos é uma cidade pequena, mas tinha um time de futebol equivalente, senão melhor, a alguns times europeus.

E o Pelé aprendeu a tocar violão com meu tio. Meu tio o ensinou. Meu tio gostava de tocar violão. E Pelé também gostava de música.

Fernando Perez Jr., 65 anos, advogado

Espere, preciso de um minuto. É muito emocionante. É realmente difícil.

Já o vi jogar aqui. Vi o jogo de despedida dele em 1974. Mas também o vi jogar em 1968, em 1970. Eu tinha uns 13 ou 14 anos quando o via jogar.

Todos os meus irmãos eram do Corinthians (time rival). Eu nasci aqui, mas eles vieram de São Paulo. Então meus irmãos e meu pai odiavam o Pelé porque ele sempre destruía o time deles. Ele os eliminaria. E eu tinha que fugir de casa para ouvir os jogos, para ouvir o Pelé jogar.

Pelé elevou a autoestima do povo brasileiro. O Brasil é um país que sofre muito. E Pelé nos deu essa dignidade. Ele nos fez sentir que também podemos ser grandes. E foi além do futebol. É essa sensação de “eu sou e posso ser”.

Manuel Messias dos Santos, 83, retired dock worker

Conheci o Pelé quando eu era militar, na época em que ele servia como soldado. Seu time no quartel ganhava muito.

Aí quando eu trabalhava como balconista no bairro do Gonzaga, onde ele andava muito, ele estava sempre na calçada, conversando com alguém, conversando com outro. Ele era muito parecido conosco, era um homem do povo. Ele falou com todos. Todo o mundo. Com crianças, com velhos, com quem quer que seja. Ele falava com todo mundo – ele era um homem popular.

Teófilo de Freitas, 68, retired city hall worker

Aqui no Santos, sou titular desde 1975. Torço pelo time desde moleque. Dentro do estádio, até joguei bola com o Pelé. Foi durante um treino do Santos em 1972.

Todo brasileiro gosta de futebol, então Pelé é um ídolo para nós. Ele é o ídolo do futebol. Então, para nós, é de partir o coração – é muito triste vê-lo partir. Claro, todos nós vamos morrer um dia. Mas esta é uma perda que traz profunda tristeza ao Brasil.

Ele era uma pessoa única, um jogador extraordinário. Pelé fez tanta gente feliz. Ele era um gênio do futebol.

Onofra Alves Costa Rovai, 91, retired seamstress

Estou aqui desde 1949. Vim do interior. Eu vim para Santos. E logo vim morar em frente ao estádio. Sou torcedor inveterado do Santos!

Da minha casa, eu podia ver o campo. Então costumávamos assistir aos jogos da minha sala. Quando ele jogava, o estádio ficava sempre lotado. Todos queriam vê-lo jogar.

Ele tinha algo diferente sobre ele. Quando ele pegou a bola, ele correu e correu. Ele jogou futebol com o coração.

Eu já o conheci. Ele costumava passar por aqui o tempo todo, para dizer olá. Minha mãe o adorava — ele sempre conversava com minha mãe aqui na porta da frente.

Mario Mazieri, 66, banqueiro aposentado

Eu vim do campo. Mudei para cá com 14 anos por causa do Santos.

Na década de 1960, quando eu ainda morava na fazenda, eu e meus irmãos ouvíamos o jogo do Santos pelo rádio. Não havia televisão naquela época, apenas o rádio. Então ouvíamos os jogos, as jogadas que o Pelé fazia, os gols dele.

E decidi que precisava ver isso com meus próprios olhos. Quando cheguei na Vila Belmiro pela primeira vez, tremia da cabeça aos pés.

Tô sempre nesse boteco aqui, aqui é tudo santista. A gente via o Pelé por aqui também. Um dia, bem ali, pude apertar a mão dele. Era 2012.

Luiz Fernando Tomasinho, 31 anos, mecânico de ar condicionado

O Santos sempre foi meu time, e era o time do meu pai. Mudei para cá há dois anos por causa do Santos.

A vida foi difícil para muitas pessoas quando eu era criança. E assistir Santos trouxe muito prazer para a comunidade.

Minha primeira camisa de futebol foi Pelé, nº 10. Eu tinha 7 anos. E com meus filhos é a mesma coisa. Ambos têm 7 anos. E eu já comprei as camisas para eles.

Eu os levei ao estádio hoje, para que pudessem prestar suas homenagens. É muito triste – é de partir o coração.

Nunca cheguei a ver o Pelé jogar. Só vi as fotos e os vídeos. Ele tinha essa magia, ele era diferente de todos os outros.

As crianças hoje em dia fazem a mesma coisa; eles assistem suas jogadas no YouTube e se apaixonam pelo esporte. Seu legado é enorme.

Lucia Good, 25, gerente de projetos

Sou da Vila Belmiro. Muitas das minhas memórias do bairro têm a ver com ouvir o jogo e ouvir o golo, antes de aparecer na televisão. E era sempre um momento de reunir a família, para assistir aos jogos.

Acho que ele marcou muita gente pela excelência como atleta, mas também tem a história dele vir de uma família muito pobre.

Sempre estive muito envolvida com os movimentos sociais negros. E passei a entender o que Pelé significava para as pessoas, como esse modelo realmente forte.

Ele desempenhou esse papel na vida de tantas pessoas, dando o exemplo. Ele era um atleta extraordinário, mas também era um negro que era o melhor do mundo.

Gabriel Silva Paulino dos Santos, 20, app developer

Eu pessoalmente nunca o vi jogar. Mas meu pai assistia aos jogos dele e via o Pelé andando na rua. Como se ele fosse apenas uma pessoa normal.

Hoje já é muito difícil para os pobres se transformarem em jogadores de sucesso. E na época dele acho que era ainda mais difícil porque havia mais barreiras e era mais difícil de jogar. Os jogadores cometeram faltas fortes e não foram chamados por isso. Essas coisas eram mais difíceis naquela época.

Então ele se dedicou muito, treinou muito. Tem a história que ele treinou aqui na praia. Ele treinou no clube e depois treinou aqui na praia. Ele era muito dedicado.

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