Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação mostram ainda que a Secretaria Estadual da Educação prevê gastar R$ 900 mil por mês pela ferramenta de ‘assistente de correção virtual’ da plataforma Redação Paulista. Inteligência artificial está sendo testada para produzir material didático
Implementada em 30 de novembro de 2023, uma ferramenta de assistência virtual de correção de redações criada pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (Seduc-SP) já corrigiu, até 25 de março, 405.410 redações escritas por estudantes da rede e inseridas na plataforma Redação Paulista.
Pelo menos 23.375 professores em 4.210 escolas estaduais usaram a ferramenta no mínimo uma vez.
Os dados foram obtidos pelo SP2 via Lei de Acesso à Informação (LAI), e mostram que o governo prevê gastar uma média de R$ 900 mil por mês pelo uso do “assistente de correção virtual”, ou cerca de R$ 10 mil em todo o ano de 2024.
Em dezembro de 2023, primeiro mês de operação da ferramenta, foram gastos R$ 350 mil.
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IA da Seduc corrige, professor revisa
A ferramenta funciona na plataforma Redação Paulista, que já existia antes da adoção de inteligência artificial. Segundo dados da própria secretaria, “mais de 2,4 milhões de estudantes submeteram 3,5 milhões de redações” apenas no segundo semestre de 2023.
Com a assistente virtual, a pasta afirmou, em dezembro, que a ideia é agilizar e facilitar essas revisões.
A Seduc-SP informou, via LAI, que a “correção é apresentada apenas para o professor, que pode editar os comentários e a nota apresentada”.
A TV Globo procurou a Seduc para saber se a revisão é obrigatória para todas as redações. Por meio da assessoria de imprensa, a secretaria atualizou os números informados via Lei de Acesso à Informação e disse que “com o encerramento do 1º bimestre, 1,9 milhão redações foram corrigidas com o apoio do assistente”.
A pasta disse ainda que “realizou formações virtuais e presenciais com os professores” e que a plataforma Redação Paulista realiza automaticamente uma correção ortográfica e gramatical do texto de cada estudante antes que ele seja enviado, “que servem para alertar o aluno a forma correta da escrita”.
“Para fazer as mudanças necessárias no texto, o estudante precisa reescrever a palavra e, só aí, fica liberada a função de envio do texto para o professor. Quando o docente recebe o texto, a plataforma aponta automaticamente se foram seguidos os critérios avaliativos obrigatórios, como coerência, argumentação e adesão ao tema. Cada um desses tópicos deve ser validado pelo professor, a quem cabe, após o uso do recurso, a avaliação final quanto a intepretação textual e a correta adesão ao tema da redação, até atingir a completa correção e nota”, explicou a Seduc.
Professora de ‘redações nota mil’ ainda não adotou IA
Sharlene Leite, professora que se especializou em aulas de redação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), afirmou ao SP2 que está estudando como usar tecnologias como a inteligência artificial no processo pedagógico de corrigir e avaliar os textos de seus alunos, mas ainda não adotou nenhuma delas.
“Não nós estamos usando a inteligência artificial, embora já estejamos estudando todos esses processos”, afirmou ela, que atualmente é diretora de Redação do Grupo Fleming Educação, um curso pré-vestibular com unidades em Brasília, Curitiba, Santa Catarina e Porto Alegre.
Atualmente, ela coordena uma equipe de 100 professores que corrigem uma média de 4 mil redações por semana. E já deu aulas para cinco estudantes que obtiveram a nota mil na redação do Enem.
De professora de redação a candidata do Enem: após ter duas alunas com nota mil na redação do Enem, Sharlene Leite, de Brasília, decidiu fazer a prova para se colocar no lugar de seus alunos
Arquivo pessoal/Sharlene Leite
Os motivos para essas revisões ainda serem feitas manualmente envolvem o próprio estado atual da tecnologia, que ainda não atingiram um grau de autonomia suficiente para economizar o tempo dos corretores, mas garantir o aprimoramento específico dos estudantes nessa habilidade.
“A inteligência artificial ainda apresenta muitas inconsistências, principalmente na interpretação mais fina. Ela já tem sido muito eficiente no que diz respeito a questões objetivas, cujas respostas estão fechadas”, explica a especialista.
“A redação é a única parte da prova [de vestibulares como o Enem] na qual o aluno consegue colocar alguma subjetividade. Então, a inteligência artificial ainda não está apta a interpretar com tanta acurácia as especificidades da nota, principalmente considerando que a redação pode equivaler até 33% da aprovação de um estudante pelo Enem”, avalia Sharlene Leite, professora especialista em redação.
E completa: “Uma correção mais genérica pode ser eficiente em larga escala, de repente. Mas uma correção com aprimoramento específico a inteligência artificial ainda não entrega”.
A conclusão da professora vem de várias ferramentas que ela tem testado. “Várias plataformas já oferecem, a gente já fez vários testes. Mas, para a alta performance, nós não conseguimos substituir a correção de um professor pela correção do robô”, disse Sharlene.
“E outro ponto relevante é que, se o professor tem de fazer uma revisão, ele precisa ler esse texto. Então acaba ficando um retrabalho dentro desse contexto de revisão.”
IA para produzir material didático
O governo estadual também pretende adotar ferramentas de inteligência artificial na produção do material didático digital, as aulas em slides introduzidas em 2023 pela gestão de Renato Feder à frente da pasta.
A informação foi revelada nesta quarta-feira (17) pelo jornal Folha de S. Paulo. A TV Globo teve acesso, na tarde desta quarta, ao documento que, segundo fontes ouvidas pela reportagem, ainda tinha circulação restrita à coordenação pedagógica, e ainda não havia sido distribuída para as diretorias regionais de ensino e às escolas.
Uma captura de tela do documento mostra que se trata da produção de aulas digitais com “em torno de 18 slides de conteúdo, excetuando slides padrão (capa, referências etc.)”. O trabalho deve ser feito por cerca de 90 professores chamados de “curriculistas”, que elaboram o material posteriormente distribuído aos docentes que atuam em sala de aula.
Ainda de acordo com o documento, o processo de trabalho seria feito em cinco etapas:
A primeira etapa é a “versão original” da aula. Segundo o documento, uma “ferramenta de IA gera a primeira versão da aula com base nos temas pré-definidos e referências concedidas pela Secretaria”.
Depois há uma etapa de “edição”. O texto diz ao professor que ele é “responsável por avaliar a aula gerada e realizar todos os ajustes necessários para que ela se adeque aos padrões pedagógicos e de qualidade definidos no Guia de premissas pedagógicas e de padronização”.
O processo não termina aí. Uma terceira etapa é a “revisão técnica”, na qual outra equipe interna da Secretaria “revisa o material e realiza os ajustes necessários”, podendo devolver ao professor curriculista para que ele adeque o conteúdo.
A quarta etapa é de “pré-produção”: uma vez que o conteúdo seja considerado adequado, ele passa por “revisão linguística, formatação e produção de recursos didáticos inéditos (como gráficos, tabelas, infográficos entre outros)”.
Por fim, vem a etapa final, de “aprovação”, realizada mais uma vez pelo “time interno da Secretaria, que valida a aula para ser divulgada para a rede de escolas estaduais”.
O projeto-piloto, ainda de acordo com o documento, tem previsão de início na próxima segunda-feira (22), com uma semana de formações e treinamentos on-line. E a previsão é que os professores participantes entreguem três aulas a cada dois dias úteis, e sejam contratados como prestadores de serviço à secretaria.
Em nota ao g1, a Seduc negou que substituiria os professores por inteligência artificial. “É o professor que vai transmitir esse conhecimento para o aluno”, explicou, no fim da tarde, o secretário-executivo da pasta, Vinicius Neiva, em informações encaminhadas à TV Globo.
“O que a gente pretende com isso é simplesmente aperfeiçoar esse processo, e trazer um processo mais interativo, um processo mais ágil, mais eficiente e que seja voltado para o aprendizado do aluno, de uma forma mais interessante e mais estimulante para ele.” (Vinicius Neiva, secretário-executivo da Seduc-SP)
*Sob supervisão de Ana Carolina Moreno
*Com supervisão de Ana Carolina Moreno.
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