‘Crítica construtiva nas empresas é uma mentira’: autor defende que chefes deem atenção, e não ‘feedback’, a funcionários | Mundo

Dentre estas ferramentas, uma das mais difundidas é o chamado feedback – que também pode ser compreendido como crítica construtiva ou retroalimentação. Por muito tempo, o feedback foi considerado um método eficaz para melhorar o ambiente de trabalho. Até que, nos últimos anos, alguns especialistas começaram a questionar sua eficácia.

Marcus Buckingham trabalhou no estudo de ambientes de trabalho nos EUA. — Foto: MARCUS BUCKINGHAM/BBC

Um dos principais críticos é Marcus Buckingham, autor do artigo Why Feedback Rarely Does What It’s Meant to (“Por que o feedback raramente faz o que deveria fazer”, em tradução livre), publicado na Harvard Business Review.

No artigo, o autor se refere ao feedback como uma “falácia”. “Você acredita que deve ser cada dia melhor no que faz porque outra pessoa diz que sim e isso, clara e simplesmente, é uma falácia. Uma mentira”, afirmou Buckingham à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Buckingham trabalhou como chefe de pesquisa no Instituto ADP, nos Estados Unidos, especializado no estudo de recursos humanos e ambientes de trabalho. Ele escreveu vários livros sobre o assunto.

E o artigo, co-escrito com outro pesquisador, Ashley Godall, foi recentemente escolhido como um dos mais influentes e inovadores publicados nos cem anos de existência da Harvard Business Review. Ele foi incluído em uma edição especial para celebrar o centenário da revista americana.

A BBC News Mundo conversou com Buckingham para saber mais sobre as razões pelas quais ele acredita que o feedback não deve ser usado nas organizações. Confira abaixo a entrevista.

Para Buckingham, fornecer feedback adequado é humanamente impossível — Foto: GETTY IMAGES/BBC

BBC News Mundo – O que você define como “falácia do feedback”?

Marcus Buckingham – É acreditar que alguém pode vir a ser melhor se outra pessoa disser a ela o que está fazendo bem ou mal e ainda orientar como pode melhorar o seu trabalho. Isso é uma falácia.

BBC – E como chegou a esta conclusão?

Buckingham – Eu comecei a me interessar por isso depois de trabalhar por anos em diferentes empresas em vários lugares do mundo e perceber o enorme investimento em dinheiro, tempo e recursos humanos gasto pelas empresas, não só projetando ferramentas e sistemas para permitir que os gerentes, líderes de equipes ou até os colegas avaliem os atributos e pontos fortes e fracos, mas também para gerar espaços para destacar o que as pessoas precisam mudar ou fazer diferente para melhorar seu desempenho no trabalho.

O que vi foi que isso funciona dentro de um modelo de competência, no qual as empresas geram um padrão ideal. Dou um exemplo: uma empresa estabelece que as pessoas do setor de vendas devem ter certas qualidades, certos atributos. Eles então analisam as pessoas com base nesses atributos incluídos no modelo. Depois, eles procuram as pessoas de vendas e dizem a elas o que devem fazer, sob a premissa de aproximar-se desse modelo estabelecido anteriormente. Como uma receita médica, com indicações e ações que devem ser tomadas.

Isso que estou dizendo se aplica igualmente a todos os tipos de trabalho: modelos de competência para líderes, para gerentes, para enfermeiros, para engenheiros…

Então, acredita-se que todo mundo esteja ansioso por isso: para que lhes digam o que precisam fazer para que sejam melhores, para que possam crescer. E aí reside a falácia, porque todo este processo é subjetivo, cercado de parcialidade. Algo que vários especialistas em psicologia e em assuntos de recursos humanos chamaram de “efeito qualificador idiossincrático”.

BBC – Pode explicar essa expressão e o que ela tem a ver com a subjetividade quando se fornece feedback?

Buckingham – Veja, cabe esclarecer que esta é uma conclusão científica de diversos especialistas no assunto, não é uma conclusão a que cheguei sozinho. E basicamente consiste em olhar para o que acontece quando alguém qualifica em outra pessoa atributos que essa pessoa nem sequer tem.

Um exemplo do que estamos falando: um gerente ou coordenador faz uma avaliação de uma pessoa com base em um padrão que podemos chamar, por exemplo, de pensamento crítico. Quando eu, como gerente, qualifico cinco ou seis aspectos de uma pessoa sobre este tema, dois terços deles refletem a mim e não à pessoa que estou qualificando. Por isso, chama-se efeito qualificador idiossincrático. Ou seja, o que essas pesquisas indicam é que qualificar a outra pessoa não só é algo totalmente subjetivo, mas também é possível que eu esteja refletindo os meus pontos fracos e fortes sobre o atributo que estou avaliando.

As pessoas pensam que, quando fazem feedback, é como se estivessem diante de uma vidraça olhando como a outra pessoa se comporta, mas, na realidade, elas estão diante de um espelho, onde parte do que se vê são elas mesmas. Por isso, destaco que é humanamente impossível fazer uma crítica construtiva, retroalimentação ou feedback, como você quiser chamar.

BBC – Mas, embora seja humanamente impossível, isso funciona segundo um modelo bem estabelecido – o de dar e aprender a receber “bom feedback” -, e as empresas baseiam seus modelos de desenvolvimento humano, em grande parte, nessa retroalimentação.

Buckingham – A grande conclusão a que chegamos, eu e meu colega, é que claramente não se pode confiar a seres humanos uma tarefa como a de dar feedback. Para começar, eu, como gerente, tenho um viés sobre a pessoa que vou qualificar. E isso me torna uma pessoa pouco confiável para levar a cabo essa tarefa.

O que podemos fazer é expressar nossas sensações, relatar nossas experiências. Por isso é que funcionam tão bem as resenhas ou qualificações de restaurantes, hotéis, lojas etc.: “gostei do restaurante, gostei do lugar, gostei da comida”. Ali, a nossa experiência funciona. Nossos sentimentos.

BBC – Uma das ideias que destaca no seu artigo é que a falácia começa quando se parte da premissa de que o cérebro é como um “recipiente vazio”.

Buckingham – Nesta experiência que comento, de ver como se trabalha a retroalimentação ou a melhoria do pessoal, uma das grandes conclusões a que cheguei é que essas ferramentas foram criadas totalmente com base na ideia de que os cérebros dos funcionários são recipientes vazios, prontos para serem preenchidos com todas essas avaliações. E sabemos muito bem que isso não é assim. O pior é que esta é a ideia usada como base para o projeto das escolas, para a estruturação dos nossos ambientes de trabalho.

A ideia imposta desde que somos crianças é que podemos ser o que queremos ser. Algo que uma professora da Universidade de Stanford [Carol Dweck] chamou de “mentalidade do crescimento”, que destaca que podemos aprender tudo o que precisamos aprender. Que podemos ser qualquer coisa que queiramos ser.

E esta ideia traz dois problemas: primeiro, é possível ensinar a uma pessoa as exigências mínimas para desempenhar um trabalho. Por exemplo, ensinar uma enfermeira a aplicar uma injeção com segurança ou ensinar a um vendedor os benefícios de um produto para que depois ele possa vendê-lo. Ou seja, podemos esclarecer o mínimo que é esperado. O problema é que não exigimos isso, mas sim o “desempenho máximo”: o que queremos ser. E o desempenho máximo não pode ser ensinado. Não pode ser mostrado. Como mostramos um modelo de desempenho excelente?

O segundo problema é que o desempenho excelente não é algo homogêneo. Se colocarmos como exemplo de desempenho excelente o melhor jogador de futebol do planeta, é impossível para os demais poder acompanhá-lo, exatamente porque esse jogador é único. Mas, mesmo assim, quando fazemos a crítica construtiva, quando usamos o feedback, exigimos o “desempenho máximo”.

Porque acreditamos que as pessoas podem ser moldadas a partir de um modelo de competência, sem considerar que o cérebro humano já é uma rede complexa de neurônios que estabeleceram muitas coisas nas pessoas desde que elas eram pequenas. Não somos embalagens vazias.

BBC – Então, como encher algo que não está vazio?

Buckingham – Não sei se existe uma resposta totalmente adequada. O que é certo é que, dentro desse estudo que conduzimos, observamos que, se o nosso cérebro não é uma “embalagem vazia”, temos que pensar como podemos melhorar o que já existe incorporado. Por isso, esse tema é tão complexo, pois precisamos identificar como vem essa embalagem, o que ela tem, como ela funciona.

E já dissemos: não se trata de algo homogêneo. É heterogêneo, o que exige não apenas saber como funciona cada pessoa, mas também identificar qual é a melhor forma para que essa pessoa possa melhorar o que está fazendo. Tudo isso em termos de como você pensa, como constrói suas relações, como interpreta as coisas, como é o seu processo criativo. Então, voltamos àquilo que falamos antes: se você quiser o desempenho máximo, primeiro precisa ver o que é que a pessoa tem.

BBC – Agora, a partir destas noções, como sugere que podemos conseguir com que as pessoas sejam melhores no que fazem?

Buckingham – Vamos partir de uma ideia. Se quisermos que os funcionários cumpram com um trabalho, simplesmente isso, pode-se estabelecer padrões mínimos que o gerente pode fazer com que seus funcionários atinjam. Agora, se falarmos em querer o desempenho máximo, acredito que existam três coisas que podem ser aplicadas.

Uma delas é ficar atento ao que as pessoas fazem e como elas fazem. Preocupar-se com o que elas fazem no dia-a-dia. Se existe algo que observei ao longo destes anos estudando essa dinâmica é que, na escola ou no mundo do trabalho, as pessoas realmente se sentem mal se forem ignoradas na sua individualidade. As pessoas gostam de atenção.

Já se afirmou que as pessoas ficam ansiosas pelo feedback, que o pedem e tentam recebê-lo. Eu não concordo, acredito que o que as pessoas querem é atenção. Nietzsche já dizia: somos uma besta com bochechas vermelhas que quer a atenção dos outros.

Em segundo lugar, dedique muita atenção à pessoa que está fazendo bem as coisas, para que ela faça muito melhor. No casamento, por exemplo: concentre-se nos momentos mais felizes e, se quiser melhorar, é preciso analisar o que funcionou naqueles momentos. O mesmo no trabalho: o que foi bem feito? Concentre-se nos detalhes, como os objetivos foram alcançados.

Porque ficou claro para mim que o cimento das coisas boas que acontecem no futuro são as coisas boas feitas no presente. Agora, não se trata de enaltecer alguém. Trata-se de concentrar-nos no que pode servir para que nós façamos bem feito.

E o terceiro ponto: prestar atenção no que uma pessoa adora fazer. Pergunte a ela: o que você adora fazer? Instintivamente, o que você faria voluntariamente? Dizemos isso porque sabemos que as emoções e o aprendizado estão realmente relacionados quando estamos fazendo algo que adoramos.

BBC – O senhor deixou clara a questão do desempenho máximo, mas seu texto também afirma que “a excelência e o fracasso não são termos opostos”. Por quê?

Buckingham – Tendemos a pensar que a excelência é o oposto do fracasso, de forma que avaliamos nossos fracassos para aprender sobre a excelência. Vemos isso todo o tempo nos jornais: a história dos empresários de sucesso que falharam muitas vezes até serem bem-sucedidos. E a história se repete, com essa máxima que está na moda, de que somente através do fracasso é possível atingir a excelência. E isso não é verdade no mundo real. O mundo real funciona de outra forma.

Um exemplo: quando falamos em casamentos fracassados ou relações que não funcionam, uma das coisas que se afirma repetidamente é que as pessoas discutem muito. Mas as pesquisas demonstram que não é assim.

Existe um estudo da Universidade de Buffalo [Estados Unidos], dedicado a pesquisar os casamentos felizes e os considerados infelizes. Eles contaram a quantidade de discussões (não brigas físicas) e chegou-se à conclusão de que não havia muita diferença no número de discussões entre os felizes e os infelizes. A grande diferença era o que acontecia no período entre cada discussão.

Nos casamentos considerados infelizes, tratava-se mais de tomar medidas para proteger-se da outra pessoa. Mas, nos felizes, as discussões levavam a momentos de intimidade, de curiosidade, de abertura a novas coisas. Segundo o modelo geralmente aceito de que falarmos, nós deveríamos certamente concentrar-nos no casamento infeliz: em resolver esses problemas. Diríamos que a excelência no casamento é totalmente o oposto e estaríamos fazendo um diagnóstico totalmente equivocado da situação.

É com essa mesma lógica que chegamos à conclusão de que não é possível considerar que o fracasso ensine algo sobre a excelência.

BBC – Então, se é preciso redefinir a forma em que se fornece feedback, também seria preciso exigir que se ensine como recebê-lo?

Buckingham – Não, porque não se trata de capacitação. É um tema fundamental. Não importa a capacitação de uma pessoa para fornecer feedback, tudo fica nas boas intenções. E o mesmo ocorre se fizermos o processo inverso – capacitar as pessoas a receber o feedback. Simplesmente, não é possível. O problema é o processo. O processo está corrompido, a forma como ele é feito, os resultados que são buscados. Aqui reside a dificuldade deste modelo, que precisa ser totalmente repensado.

BBC – O senhor comenta a falácia de atingir a excelência. O que é para você a excelência e como podemos aspirar a ela?

Buckingham – A excelência é um resultado. Por isso, dizemos que, quando algo funciona, é preciso identificar como se atingiu esse resultado e conduzir a atenção das pessoas para o processo bem sucedido por trás dele. Agora, como a excelência não pode ser aprendida estudando o fracasso, nunca poderemos ajudar a outra pessoa a ter sucesso comparando seu desempenho com um modelo de excelência pré-fabricado, fornecendo retroalimentação sobre o que não atende a esse modelo pré-estabelecido e dizendo a ela que preencha as lacunas. Isso nunca irá funcionar.

Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63176626

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