Dois irmãos gêmeos do interior de São Paulo, que nadavam há três décadas contra correntes do sertanejo, viram uma grande maré virar finalmente a favor deles. Ao juntarem arranjos dos anos 90 com um jeito de hino religioso eles pegaram em cheio na cultura brasileira de 2022.
O podcast g1 ouviu conta duas histórias: do dono de uma pequena banda de arrocha na Bahia e de dois irmãos que batalhavam no sertanejo no interior de SP. Eles fizeram apostas para o embate que viria nas eleições – um do lado de Lula (PT); os outros, de Bolsonaro (PL).
Longe do glamour de celebridades, são as criações destes artistas menos conhecidos que ganham as duas multidões – seja em um carnaval lotado de vermelho por ruas do Nordeste ou em uma triunfante volta de cavalo pela arena lotada na festa de Barretos. Elas também entram nas paradas de streaming.
- Juliano Maderada quebrou a pompa de jingles antigos a golpes de lambadão e arrochadeira, com batidas feitas para caixas de som de rua exaltarem Lula. Clique aqui para ler a história dele.
- Do outro lado, Mateus e Cristiano acharam a medida da mistura entre gospel e sertanejo para transformar em hino a ode ao “capitão”. Leia a história deles a seguir:
Mateus e Cristiano na TV Aparecida — Foto: Arquivo da dupla / Instagram oficial
Aos 40 anos de idade e 26 de carreira, os irmãos gêmeos Lucas e Mateus Vieira Gomes, de Taquarituba (SP) sempre ficaram “no quase”. A dupla admite que não conseguiu embarcar em vários bondes anteriores da música sertaneja.
Filhos de uma família de torrefadores de café de SP, cresceram apaixonados por sertanejo dos anos 90 e incentivados a cantar. Tiveram tanta sorte quanto azar: gravaram nos melhores estúdios, ganharam concurso na TV, foram processados, perderam o nome, entraram em novela, saíram da moda…
Desiludidos e deslocados no mercado, Mateus e Cristiano fizeram trabalhos de publicidade e depois arriscaram a composição de uma música religiosa que mudou tudo: “Maria passa na frente” foi um sucesso estrondoso em 2020 nas vozes de Padre Marcelo Rossi e Gusttavo Lima.
Revigorados pelo hit cristão, fizeram uma mistura de gospel e sertanejo um “gospelnejo”, quando foram chamados apresentar uma música para a campanha de Jair Bolsonaro. “Capitão do povo” foi escolhida como jingle e entrou em alta rotação dentro e fora do horário político.
Pequenos fãs dos anos 90
Mateus e Cristiano quando eram uma dupla mirim, ainda chamados Lucas e Mateus — Foto: Arquivo pessoal
Os irmãos começaram a cantar aos seis anos em um coral de igreja. A família viu neles uma duplinha sertaneja. “Nossa primeira fita demonstração foi gravada em um estúdio de Londrina onde meu avô gravava propagandas do café”, lembra Cristiano. Eram só versões de Zezé di Camargo e Luciano.
“O sertanejo anos 90 tinha muito conteúdo. Era mais conteúdo nas letras e nas harmonias, que eram mais difíceis”, diz Mateus. A primeira produção profissional deles foi em 1996, no estúdio Mosh, em São Paulo, onde todos os grandes sertanejos da época gravavam, ainda com o nome Lucas e Mateus.
Como os primeiros CDs debaixo do braço, viajaram pelo interior de São Paulo, cantaram em leilões no Canal Rural e foram fazendo o nome da dupla até que foram convidados para o quadro “Pistolão”, do “Domingão do Faustão”, da TV Globo. Foi aí que deu tudo certo e tudo errado ao mesmo tempo.
Eles ganharam o quadro, mas com a visibilidade, veio uma notificação judicial. “Já existia uma dupla de Presidente Prudente chamada Lucas e Mateus. Quando a gente apareceu no Faustão, eles acionaram o advogado”, conta Mateus.
A solução foi até criativa: como tinham ganhado o “Pistolão”, pediram para Faustão fazer um concurso para escolher o novo nome em votação popular no programa. Lucas virou Cristiano. A dupla pelo menos teve um impulso para refazer o nome no mercado.
Recorte do jornal ‘Agora’ sobre a gravação do CD de Mateus e Cristiano, logo após mudarem o nome artístico — Foto: Arquivo pessoal
Dois anos depois, em 2008, emplacaram a música “Se é pra falar de amor” na novela “A favorita”. Mas basta ouvir o romantismo e a melodia derramada para notar que eles estavam longe da moda do sertanejo festivo de “pegação” da época, marcada pelo “Ai se eu te pego” de Michel Teló.
“Nossa carreira foi um pouco cruel, musicalmente falando”, diz Mateus. “A gente não soube lidar com toda evolução no sertanejo. Fomos lançados como um produto praticamente anos 90. Quando fomos entender já era tarde”.
“Não entendemos o mercado, foi bem complicado. Nós estamos começando a entender agora depois de velhos, né?”, brinca o cantor.
Eles não se encaixaram nem quando o sertanejo deu outra virada, parou de falar de pegação e virou romântico arrependido na década passada. As letras dramáticas sobre idas e vindas do amor não eram para eles. “A gente não fala essa língua, somos casados há muito tempo“, diz Mateus.
Mateus e Cristiano — Foto: Divulgação / Instagram da dupla
Eles não pararam de fazer shows e lançar álbuns, mas chegaram a gravar jingles publicitários além da carreira autoral. “Foi o que nos salvou. Porque nós perdemos durante algum tempo o investimento e ficamos sem empresário. A gente mesmo foi correndo atrás das oportunidades”, conta Cristiano.
A corrida finalmente compensou: eles conseguiram mostrar “Maria passa na frente” para o Padre Marcelo Rossi, que gravou com participação de Gusttavo Lima. “A gente se emocionou lendo os comentários dela. Foram mais de 100 milhões de plays no YouTube. Ela salvou vidas”, diz Cristiano.
“Aí nós pensamos: ‘agora temos que partir para cima de novo, estamos de volta ‘ao game'”, diz Mateus. “Foi um combustível para a gente, tanto financeiramente quanto para mostrar que a gente tem mercado, tem vida. Porque a gente sempre foi um pouco revoltado com o mercado”.
Nesse clima reanimado, veio a proposta de fazer uma música para Bolsonaro. “O pedido veio através do publicitário da campanha que a gente conheceu na casa da Hebe Camargo, o Sérgio Lima. A gente era amigo do sobrinho da Hebe, o Claudinho, que infelizmente morreu de Covid”, conta Cristiano.
“(Sérgio Lima) sabia que a gente trabalhava na parte de publicidade”, explica Cristiano. “E a gente se identificou com essa história. Porque quando vamos criar uma música, a gente tem que se identificar”, completa o irmão.
“Nossa primeira ideia foi mais na linha gospel mesmo. E os tópicos que ele mandou foram certeiros, mexeram com a gente. Porque o intuito é você mexer com as pessoas”, diz o cantor.
Os publicitários aprovaram a música, mas depois ficaram um bom tempo sem falar com eles. “Ficamos muito tempo atrás, mas ninguém mais ligou para a gente, sumiram”, diz Cristiano.
Mesmo assim, enquanto faziam o novo DVD, mostraram ‘Capitão do povo’ ao produtor e decidiram gravar em estúdio. “Eu falei: ‘A única coisa que a gente quer é as guitarras com uma pegada dos anos 90. E aí ficou muito com a cara com as coisas que o Zezé (di Camargo) cantava”. diz Mateus.
Mateus e Cristiano — Foto: Divulgação
A resolução da história envolve o empresário Elon Musk, que visitou o Brasil em maio de 2022 e se encontrou com Bolsonaro no interior de São Paulo. Eles foram chamados para cantar no hotel para os convidados do evento. Bolsonaro aproveitou para mostrar a música em uma “live” no Facebook.
“Capitão do povo” começou a viralizar na mesma hora, com um corte da versão ao vivo mesmo, com Mateus e Cristiano cantando em voz e violão ao lado de Jair Bolsonaro, o candidato a vice, Braga Netto, e o empresário Luciano Hang.
A música foi adotada na campanha, em versão de estúdio. Ela entrou nas paradas virais do Spotify e do TikTok logo após o primeiro turno da eleição. “Foi uma loucura, a gente recebeu pedido de deputado do Brasil inteiro, até de senador, para gravar vídeo, mas não tinha nem tempo”, diz Cristiano.
Eles não fizeram outros jingles. Agora, a dupla não está focada na política, mas no projeto do novo DVD ao vivo. Eles também vão lançar um EP com músicas religiosas, aproveitando o potencial que descobriram na interseção entre o gospel e o sertanejo.
Mateus e Cristiano mostram jingle ‘Capitão do povo’ em live de Jair Bolsonaro — Foto: Reprodução