‘Tá na hora do Jair já ir embora’: Como Juliano Maderada criou ‘jingles de paredão’ e renovou política com festa nordestina | Música

Um ex-professor de matemática baiano de 48 anos mudou a cara dos jingles políticos em 2022. Com ritmos dançantes do Nordeste e letras provocativas, ele quebrou a pompa dessas músicas. Assim, elas foram parar no TikTok e nos “paredões”, as caixas de som automotivas para festas de rua.

O podcast g1 ouviu conta duas histórias: a do dono de uma pequena banda de arrocha na Bahia e a dos irmãos que batalhavam no sertanejo no interior de SP. Eles fizeram apostas para o embate que viria nas eleições – um do lado de Lula (PT); os outros, de Bolsonaro (PL).

Longe do glamour de celebridades, são as criações destes artistas menos conhecidos, “outsiders”, que ganham as duas multidões – seja em um carnaval lotado de vermelho por ruas do Nordeste ou em uma triunfante volta de cavalo pela arena lotada na festa de Barretos. Elas também entram nas paradas de streaming.

  • Mateus e Cristiano acharam a medida da mistura entre gospel e sertanejo para transformar em um hino a canção para Bolsonaro. Clique aqui para ler a história deles.
  • Juliano Maderada quebrou a formalidade de jingles antigos a golpes de lambadão e arrochadeira, com batidas para festas de rua exaltarem Lula. Leia a história dele a seguir:

Juliano Maderada — Foto: Divulgação

A trajetória de Juliano Maderada foi alterada por dois fatos históricos: a pandemia de coronavírus em 2020 e a decisão do STF que tornou Lula elegível de novo, em 2021. Sem o trabalho com shows, ele teve a ideia de fazer músicas e postar vídeos de apoio o ex-presidente.

Júlio Hermínio Luz tem 48 anos, nasceu em Araguapaz (GO) e se mudou aos sete anos para Iguaí (BA). Estudou Agronomia e dava aulas de matemática enquanto tocava forró na noite. Ele largou as salas de aula quando a carreira musical engatou ao formar a banda de arrocha Maderada.

Ele também compunha para outros artistas. Conseguiu um sucesso regional em 2016 com “Passinho do Peter Pan”, arrochadeira gravada por Neto LX, Raí Saia Rodada, Gabriel Diniz e outros famosos. Mas suas composições estouraram mesmo quando miraram outra figura do Nordeste.

“A primeira música que eu postei sobre o Lula em 2011 foi ‘Volta meu guerreiro”. Teve 7 mil views em um dia, muito bom para um canal sem notoriedade”, ele conta. “Já que funcionou, eu resolvi fazer outra criticando o Bolsonaro. Deu mais certo ainda”, diz.

Ao som de pisadinha, arrochadeira, lambadão e outros ritmos nordestinos atuais, ele repete versos provocativos como em “Chega de ovo, é Lula de novo”, “Vai levar peia”, “Forrozão arruma mala”, “É taca taca que vão levar”, “Vai ser lapada” e “Lambadão do 13” (com número do PT repetido sem parar).

Juliano Maderada — Foto: Divulgação

Juliano diz que os colegas de bandas e músicos da região são apoiadores do PT (Lula teve 66% dos votos em Iguaí). Mesmo assim, ninguém botou muita fé nas músicas políticas no início. Ele tinha que pagar músicos para gravarem. Quando ficou sem dinheiro, começou a cantar ele mesmo.

Ele também buscou o PT quando viu que as músicas cresciam no YouTube. “Demorei muito tempo para que alguém me enxergasse. Eu batia em várias portas. Procurei a assessoria de Lula mil vezes o pessoal não dava muito ouvido. Eu dizia que estava trabalhando, que todo dia fazia uma música…”

A eleição se aproximava e o canal crescia. Assim ele convenceu o vocalista do Madeirada, Tiago Doidão, a viajar para Iguaí para compor e gravar junto com ele a lambada “Tá na hora do Jair já ir embora”, que estourou no 1º turno e segue em alta no 2º.

Juliano Maderada (à frente, na esquerda), e Tiago Doidão, parceiros em ‘Tá na hora do Jair já ir embora” — Foto: Divulgação

“Primeiro as músicas invadiram as redes sociais. Com isso a gente conseguiu levar essa mensagem para um ambiente em que a música institucional de propaganda política não chegava, mesmo bonita e com uma boa mensagem – porque não tem a batida forte, não sugeria dança, não invadia o TikTok.”

“Depois que começou a campanha de corpo a corpo, a música migrou para a rua. Agora esse estilo ganhou o carro de som, o som automotivo (o chamado “paredão”), e virou essa outra forma de manifestação, uma micareta na rua. Ganhou uma identidade nova”, ele descreve.

Não foi tudo ideia dele: um precursor importante é o jingle genérico “O homem disparou”, pisadinha que foi um fenômeno na eleição municipal de 2020. De qualquer forma, Juliano pegou o espírito e começou uma produção em série de jingles que, hoje, chegam sem esforço dele aos comícios.

“Eles vão no YouTube e baixam a música. Aí colocam no paredão, e como faz na rua, cria uma espécie de micareta, um carnaval político. O povo que tá na rua curte, dança, comemora e interage. “

“Acho que todo candidato que pensar em fazer campanha a nível nacional agora tem que saber que já existe essa forma de fazer política dessa maneira, com essa participação popular, com o povo na rua”.

A essa altura, as tentativas de contato de Juliano com o PT também já tinham dado resultado. “O primeiro contato que consegui foi através do Paulo Pimenta, deputado federal do Rio Grande do Sul. Ele me passou para o (fotógrafo) Ricardo Stuckert, que é muito sensível a essas questões.”

“Ele me ligou duas vezes e, na terceira, já me botou para falar com o Lula. Fiquei emocionado.” Eles marcaram um encontro em Salvador. “O Lula passou um tempão com a gente. Ele atrasou o encontro com a Daniela (Mercury) e falou: ‘Vou ficar aqui mais um pouquinho com os meninos'”, descreve.

Juliano também foi a São Paulo participar da live de Lula com artistas. Também estavam lá famosos como Daniela Mercury, Pabllo Vittar, Casagrande, e o telão mostrou mensagens de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Emicida. Mas os ídolos que Juliano queria ver eram outros.

“O pessoal me falou: ‘rapaz, tinha um camarim dos artistas, todo mundo lá, você devia ter ido conhecer as pessoas’. Mas eu falei: ‘Eu quero é ver o Lula. Aí conversei com ele, com o Janones, com o Randolfe Rodrigues, que eu admiro muito. Eu sou focado mais na questão política do que artística”, ele diz.

Juliano Maderada — Foto: Divulgação

O canal de Juliano já tem mais de 42 milhões de visualizações, além de vídeos de outros canais que usam sua obra, o que gera uma remuneração do YouTube. Ele diz que, no último mês, a renda do YouTube foi de R$ 23 mil. No Spotify, ele ganhou menos em setembro: R$ 5 mil.

“Tá na hora do Jair já ir embora” está em 1º lugar do ranking de músicas virais do Spotify no Brasil desde a véspera do primeiro turno.

O músico também continuou com o serviço que prestou em 2020 de criar jingles sob encomenda. Só que o preço aumentou: se em 2020 cobrava entre R$ 300 e R$ 400, hoje o serviço custa entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil por música. Mas ele nem conseguiu atender toda a demanda esse ano.

A maioria dos clientes era de esquerda, mas ele também aceitou candidatos de direita, desde que não fossem radicais. “Quando o tema era muito pesado, ligado a Bolsonaro, eu preferia não fazer. Até porque eu não tinha muito tempo.”

Claro que o retorno financeiro é bem-vindo para o músico, casado e com dois filhos. Mas ele nem sabe o que vai ser da carreira musical depois da eleição. “O foco é eleger o Lula. Eu nunca pensei em fazer sucesso, nesse retorno artístico ou financeiro, não tô preocupado se vou sair famoso depois disso”, diz.

“Essa semana eu tirei para tomar remédios e fazer exames e fisioterapia, porque fiquei com a coluna doendo”, diz Juliano Maderada. “Mas já chamei o Tiago para voltar para cá. A gente precisa acertar outras músicas como a do Jair, e pegar a dinâmica da campanha do segundo turno”, planeja.

Juliano Maderada e Lula — Foto: Arquivo Pessoal

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