“O risco é de uma erosão lenta das normas e instituições”, disse González. No pior dos casos, a violência política de baixo para cima, combinada com a inação estratégica de elementos da polícia ou de outras forças de segurança, pode levar a “um golpe de formação lenta, quase como um golpe cotidiano”.
Uma razão para esse tipo de inação estratégica pode ser o apoio a Bolsonaro, amplamente considerado o favorito entre a polícia e as forças militares. Mas outra motivação, talvez mais provável, é que muitos dentro da esfera de segurança temem que as políticas de Lula possam ameaçar o status, privilégios ou imunidades das forças de segurança.
Bolsonaro abordou os militares e a polícia como uma questão de identidade política e política. Como legislador, dedicou seu voto ao impeachment de Dilma Rousseff, a sucessora escolhida a dedo por Lula, o homem que a torturou na prisão durante a ditadura militar. Como presidente, ele ampliou a imunidade dos policiais que usaram força letal, aumentou as pensões militares e nomeou oficiais militares para cargos importantes no gabinete.
“As forças de segurança se safaram de muitas coisas nos últimos anos. A violência policial praticamente não foi controlada”, disse Christoph Harig, pesquisador da Universidade Técnica de Braunschweig, na Alemanha, que estuda a ordem pública e as relações civis-militares no Brasil. “Há muitos casos de inocentes sendo mortos, principalmente pela polícia, ou às vezes pelos militares em missões internas, onde esses assassinos acabaram com sentenças muito leves. Essa impunidade é a que prevalece em muitos policiais e militares brasileiros”.
Lula não compartilha dessa afinidade política com as forças de segurança e tem dado sinais de que quer limitar o papel dos militares na política. Muitos se perguntam até onde irá a reversão das políticas da era Bolsonaro, ou se ele poderia tentar ir mais longe, como fez em 2009, quando propôs uma comissão da verdade para tortura e outros crimes na era da ditadura e uma revisão da lei que lhes deu anistia. (Lula foi forçado a desistir da proposta depois que vários militares de alto escalão ameaçaram renunciar em protesto.)
Harig observou que oficiais militares em Brasília defenderam os manifestantes do golpe, chamando-os de “manifestantes pacíficos” e permitiram que eles acampassem em frente aos quartéis militares, pois seu número aumentou nas últimas 10 semanas. Isso protegeu o movimento golpista, embora a própria liderança militar se recusasse a apoiar ou realizar um golpe.
Isso poderia ser uma lição objetiva para o governo, diz Harig, sobre a importância de manter boas relações com os militares. Ele citou a nomeação pelo governo Lula do ministro da Defesa, José Mucio, que é um civil, mas amplamente visto como amigo dos interesses militares, como um sinal de que tal pressão foi eficaz.
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