Mas isso pode mudar, principalmente quando o governo começar a processar as centenas de pessoas presas por participar do motim. O novo governo “tem que processar essas pessoas e vai processar essas pessoas”, disse Amy Erica Smith, cientista política da Universidade de Iowa que estuda política e democracia brasileiras. “Mas processá-los também pode ser desestabilizador.”
Também é importante saber que um súbito golpe militar não é a única maneira pela qual a violência política pode minar a democracia.
A polícia no Brasil tem um histórico de usar a inação estratégica como ferramenta política, disse a Sra. González. Sua pesquisa constatou que em São Paulo na década de 1980, por exemplo, a polícia permitia tumultos durante um período de crise econômica para gerar um sentimento de pânico na sociedade que pressionasse os políticos. E em 2013, depois que o prefeito de São Paulo atrasou o pagamento de horas extras à polícia militar local, eles foram deliberadamente negligentes no policiamento de um grande festival cultural, levando a um aumento da criminalidade e a uma série de manchetes ruins para o prefeito.
Agora, ela vê o risco de que facções pró-Bolsonaro dentro da polícia ou de outros serviços de segurança possam “ficar de braços cruzados” em vez de interromper a violência política no futuro.
Há alegações de que a inação deliberada já desempenhou um papel no motim de domingo. Na terça-feira, Alexandre de Moraes, um ministro da Suprema Corte brasileira (e uma figura polarizadora por mérito próprio, que foi acusado de ultrapassando severamente sua autoridade), disse que os investigadores encontraram evidências de que as autoridades de segurança sabiam que a violência estava se formando, mas não a impediram. Ele expediu mandado de prisão contra Anderson Torres, o homem efetivamente responsável pela segurança da capital, a pedido da Polícia Federal.
“O risco é de uma erosão lenta das instituições e normas”, disse González. Na pior das hipóteses, a violência política de baixo para cima, combinada com a inação direcionada de elementos da polícia ou de outros serviços de segurança, pode resultar em “um golpe de construção lenta, quase um golpe diário”.
‘Idiotas úteis’ para os militares?
Uma razão para esse tipo de inação estratégica pode ser o apoio ao Sr. Bolsonaro, que é amplamente considerado o candidato preferido da polícia e das bases militares. Mas outra motivação, talvez mais provável, é que muitos dentro do establishment de segurança temem que as políticas de Lula possam ameaçar o status, privilégios ou imunidades das forças de segurança.