CRESCENDO ENTRE o Rio de Janeiro e o interior rural de Minas Gerais, um estado acidentado e extenso no sudeste do Brasil, a arquiteta Mariana Schmidt se mudava frequentemente com o pai, um engenheiro que trabalhava no sistema rodoviário estadual. Segundo estado mais populoso do Brasil, Minas Gerais cresceu durante uma corrida do ouro no início do século 18 que trouxe especuladores e escravizou pessoas, uma migração forçada que continuou no próximo século quando a agricultura suplantou a mineração. Embora criada nas sombras do modernismo – seu avô, um judeu refugiado da Alemanha nazista, trabalhou na década de 1950 na construção da planejada Brasília, que se tornaria a capital nacional em 1960 – Schmidt, 40, estava mais interessada em Minas Gerais fazendas e quilombos, assentamentos fundados por aqueles que escaparam da escravidão antes que ela fosse abolida em 1888. Ela adorava o calor das casas da aldeia e a eficiência dos móveis de madeira rústica. A vida no interior de Minas Gerais era mais lenta do que em São Paulo, metrópole onde ela mora desde 2005. “Os dias parecem mais longos. As pessoas acordam cedo, dormem cedo, vivem de acordo com a luz”, diz ela. “Todas as minhas referências são sobre essa simplicidade.”
Desde que fundou seu estúdio, MNMA, em 2016, Schmidt incorporou a terra daquelas paisagens lembradas em casas e interiores de São Paulo. Em uma cidade moldada por seu compromisso implacável com o futuro, essa é uma decisão transgressora: para a galeria Superfície, concluída em 2018 no bairro Jardim Paulista, ela rompeu a austeridade de um cubo branco com um único bloco de granito amaciado, colocado como o degrau mais baixo em uma escada de concreto polido. Um ano depois, para a boutique próxima Haight, Schmidt esculpiu nichos protuberantes nas paredes para criar um sistema de prateleiras em forma de caverna para bolsas. Até o nome de sua empresa, abreviatura da palavra portuguesa para “mínimo”, aponta para uma cultura que valoriza o máximo de escala e complexidade, e ela tenta privilegiar “o menor grão de arquitetura”, diz ela.
Nenhum projeto destila essa abordagem com mais clareza do que seu próprio apartamento de dois quartos no bairro de Higienópolis. Aqui, falhas calculadas fazem com que cada superfície pareça viva: pisos de concreto polido, entremeados com rachaduras finas, brilham com um dourado luminoso, tingido pela areia do estado do nordeste da Bahia. Ela adicionou o mesmo pigmento ao gesso espalhado pelas paredes e tetos, criando superfícies de seixos que capturam e refratam a mudança da luz do dia.
Schmidt mudou-se para São Paulo, cidade definida pelo concreto e asfalto, após se formar em psicologia e perceber quase imediatamente que não tinha interesse em ingressar na área. Embora ela não tivesse passado muito de sua vida pensando sobre a vocação de construir uma família, a beleza alienígena de sua cidade adotiva despertou seu interesse pelo design; em um ano, ela se matriculou na Universidade de São Paulo para um segundo bacharelado, desta vez em arquitetura. Mas, para ela, o currículo focava demais na grandiosa herança modernista do Brasil: “Nunca conversamos sobre pigmentos naturais ou construção com terra”, diz ela. “Sobre a arquitetura ancestral ou a diáspora africana.”
Alguns anos depois de se formar em 2014, Schmidt viajou para Moçambique e ficou impressionado com suas ressonâncias com Minas Gerais, que havia sido tão claramente moldada por africanos deslocados. Nos anos seguintes, ela voltou ao continente sempre que pode, estudando as abóbadas de adobe da Núbia no atual Sudão e as elaboradas fachadas de argila pintada das casas de barro do povo Kassena em Burkina Faso. À medida que sua prática evoluiu, ela incorporou cada vez mais técnicas artesanais vernáculas centenárias, misturando o rigor geométrico com a tatilidade rústica. Em sua própria casa – originalmente uma caixa sem personalidade – o uso de areia, madeira e argila parece “fazer o tempo passar mais devagar”, diz ela. “Até o concreto precisa respirar.”
SCHMIDT COMPROU O apartamento do quarto andar em 2020 em circunstâncias infelizes. Era o auge da pandemia e ela havia encerrado recentemente dois relacionamentos de longo prazo, um com um parceiro romântico e outro com o cofundador do MNMA. “Eu disse ao corretor: ‘Estou em um momento ruim, quero quebrar tudo’”, conta Schmidt. O agente então a levou para um prédio de apartamentos pouco atraente dos anos 1970, incomumente sem graça em um bairro conhecido por suas ruas arborizadas e icônicas torres modernistas. “O lugar era feio. Ninguém queria”, lembra Schmidt. “Então eu peguei e comecei a trabalhar.”
Embora com quase 2.700 pés quadrados, o apartamento parecia apertado, sua planta baixa dividida por um foyer sem janelas, uma sala de estar escura, três banheiros, três quartos e uma sala de jantar-cozinha com áreas anexas para uma empregada doméstica. Schmidt removeu as paredes, transformando as dependências de serviço em cozinha e eliminando totalmente o foyer. Ela colocou seu próprio quarto e um pequeno escritório em um lado do apartamento voltado para a rua, separando-os dos espaços públicos e uma suíte para sua filha de 15 anos, Ana, com um painel pivotante rebocado para combinar com as paredes.
Meditativa e monocromática em tons de osso e madeira polida, a casa é cuidadosamente, mas esparsamente decorada com objetos que Schmidt colecionou do Peru, México, Etiópia e Amazônia, justapostos a obras de arte contemporâneas e peças icônicas de móveis de meados do século. Na sala de jantar, um tronco chanfrado do Mali – outrora uma escada externa para uma casa de aldeia – divide espaço com um conjunto de seis cadeiras de jantar Carlo Hauner da década de 1950 e uma obra de 2020 do vizinho de Schmidt, o artista visual Mano Penalva, que desce uma cascata parede próxima em camadas de contas de madeira usadas para, entre outras coisas, capas de assento de motoristas de táxi. Na sala adjacente, os componentes desmontados de um moinho de grãos da era colonial de Minas Gerais tornaram-se uma série de totens de madeira, concluindo no bem mais valioso de Schmidt, uma cadeira de madeira projetada pelo arquiteto e designer industrial ítalo-brasileiro. Lina Bo Bardi para o SESC Pompéia de São Paulo (uma adaptação, concluída em 1976, de uma fábrica pré-existente que agora é um centro cultural).
Da mó de gerações que Schmidt trouxe do México às delicadas pinturas de utensílios domésticos (uma luminária de chão; uma cadeira) em porcelanatos esculpidos recebidos quando ela trocou obras com a paulistana Brisa Noronha, os objetos falam ao interesse de Schmidt em “ancestralidade e trabalho”, diz ela. Ao celebrar as falhas – como os cacos de um vaso de barro quebrado espalhados pela mesa da sala de jantar – Schmidt fecha a brecha entre cidade e país, entre tecnologias novas e antigas, entre artistas que são nomeados e aqueles cujos nomes nunca saberemos. “A arquitetura é sobre a vida”, diz ela. As rachaduras não são um sinal de declínio, mas de progresso.
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