Categories: Pop & Arte

Tulipa Ruiz manda recados no jorro fértil e feminino de ideias que adensam o quinto álbum de estúdio da artista | Blog do Mauro Ferreira

Título: Habilidades extraordinárias

Edição: Brocal Musical / Alfafonte

Cotação: ★ ★ ★ ½

♪ Se ouvido na ordem em que as 11 faixas foram dispostas por Tulipa Ruiz, o quinto álbum de estúdio da artista paulistana, Habilidades extraordinárias, corrobora de imediato a impressão deixada em 9 de setembro pelo single que apresentou a música que abre o disco, Samaúma (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz).

Essa impressão é a de que a intensidade do fluxo de ideias interessantes das letras se sobrepõe ao moderado poder de sedução de algumas melodias em equação que, se não chega a desequilibrar o álbum, é por conta da potência da sonoridade construída pelo produtor musical Gustavo Ruiz, irmão da cantora e compositora, com base no toque do power trio formado pelo próprio Gustavo (guitarra) com Gabriel Mayall (baixo) e Samuel Fraga (bateria e percussão) – banda à se soma eventualmente Jonas Sá no synth analógico, no piano elétrico e na colaboração dos arranjos.

Só que, se as faixas forem ouvidas aleatoriamente, a sensação de desequilíbrio entre músicas e letras – proeminente em Novelos (Gustavo Ruiz e Tulipa Ruiz), para citar um exemplo – se dilui, às vezes por completo. A batida de punk rock que turbina Vou te botar no pau (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz, Luiz Chagas e Layla Ruiz) se ajusta plenamente ao refrão do tema em contraste com a doçura pop de parte da música.

Dado no arremate do álbum, O recado da flor (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz e Celso Sim) é primaveril samba-rock que se impõe como outro instante de luminosidade do disco, ecoando tropicalidades do canto matricial de Gal Costa – referência já perceptível no primeiro álbum de Tulipa, Efêmera (2010), sobretudo na gravação da música A ordem das árvores (Tulipa Ruiz, 2010) – e a bossa latina de João Donato, que pilota piano elétrico e órgão Hammond nessa faixa que se afina com Samaúma pela alta carga de feminilidade.

O recado da flor reforça a já recorrente conexão de Tulipa com João Donato. Cabe lembrar que o pianista acreano participou do terceiro e até então último álbum da cantora com repertório inteiramente inédito, Dancê (2015), e gravou com a artista o single duplo Gravidade zero / Manjericão (2019), mote de show conjunto, apresentado em turnê de curso interrompido em 2020 pela pandemia.

3 de 3 Tulipa Ruiz canta o funk ‘Não pira’ com Jonas Sá no álbum ‘Habilidades extraordinárias’ — Foto: Nino Andres Biasizzo / Divulgação

Tulipa Ruiz canta o funk ‘Não pira’ com Jonas Sá no álbum ‘Habilidades extraordinárias’ — Foto: Nino Andres Biasizzo / Divulgação

Primeiro álbum de músicas inéditas de Tulipa Ruiz em sete anos, Habilidades extraordinárias representa de fato virada de disco na trajetória fonográfica da artista, imersa em fluxos revisionistas nos últimos anos (o álbum anterior, Tu, saiu em 2017 com precoce olhada no retrovisor).

Além de estar escrevendo cada vez melhor, Tulipa Ruiz toca em temas atuais ao longo do disco. “Pareceu caída / Pareceu, mas não caiu / Quem te viu foi quem mentiu / Quem te viu te detonou / Detonou, mas não matou / Não matou, mas hematoma apareceu aqui / Ficou derrubada, ficou mesmo na pior / Quem notou não se mexeu / Quem notou não se importou / Se importou não importa mais / Mais um caso de descaso aconteceu aqui / Um vacilo, pode crer, faz um estardalhaço”, versa, certeira e incisiva, em Estardalhaço (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz), dando voz à letra sobre suposta queda provocada por intoleráveis abusos e agressões físicas e/ou morais, recorrentes dentro e fora da rede.

O toque do acordeom de Toninho Ferragutti adorna a faixa. Outro convidado do disco, Negro Leo se afina com Tulipa no jogo de palavras em l de Pluma black, faixa que flerta com o reggae, com acento soul, em gravação introduzida pelos golpes certeiros da bateria de Samuel Fraga.

Destaque da safra autoral, Kamikaze total (Tulipa Ruiz, Liniker e Vitor Hugo), música que reaparece no fim do disco como vinheta de tom mais sombrio, reforça o corte incisivo do álbum Habilidades extraordinárias. “Sou coro e flor / E vivo sem caô”, se perfila Tulipa na rima ríspida da faixa.

Se Acho que hoje mesmo eu dou (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz) se escora na batida do rock, Não pira (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz e Jonas Sá) é funk que embute o rap de Jonas Sá em letra que manda papo reto. “Levante, avante, mude seu som / … / Não é seu celular que vai te dar o tom”, avisa Tulipa Ruiz, com a amplitude da voz aguda, na sintaxe fértil e feminina que pauta o álbum Habilidades extraordinárias. O disco foi virado com força.

Fonte

MicroGmx

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