Divulgação de conteúdos com crianças nas redes sociais pode afetar saúde mental, além dar margem para riscos à segurança dos pequenos. Trend do palavrão viralizou nas redes sociais.
Reprodução/Internet
Uma nova trend que envolve pais e filhos ganhou destaque nas redes sociais em fevereiro. Nos vídeos, os responsáveis propõem um desafio, que funciona assim:
Primeiro, levam a criança para um banheiro, quarto, sala, algum cômodo específico da casa.
Neste ambiente, explicam para a criança que, enquanto estiver ali, sozinha, e por um determinado tempo, ela pode xingar e falar os palavrões que conhece.
Depois, com um celular gravando, os adultos saem de cena e a criança pode começar a fazer o que foi proposto.
Os vídeos deste desafio foram amplamente publicados em redes sociais como TikTok e Instagram, e circularam também pelas demais plataformas.
Pelas filmagens, é possível perceber que algumas crianças ficam confusas e parecem não conhecer palavrões para falar naquela ocasião. Outras se mostram bem munidas de xingamentos e aproveitam a oportunidade de reproduzir os termos.
Enquanto muitos internautas deram boas risadas com as gravações e os pais não viram problemas na exposição do conteúdo, especialistas ouvidas pelo g1 destacam alguns sinais de alerta diante da proliferação de conteúdos como estes na internet.
Criança pode falar palavrão?
Segundo psicólogas ouvidas pela reportagem, o palavrão é uma forma de expressão usada pelas pessoas como forma de extravasar algum sentimento ou sensação de angústia, frustração, raiva ou até medo.
Mas, quando se trata das crianças, essas palavras são ditas, na maioria das vezes, como reprodução de algo que ouviram adultos falando, sem significado atrelado.
“Fala palavrão a criança que vê o pai, a mãe ou algum adulto de referência falando. Se os pais não falam palavrão, dificilmente a criança vai falar”, explica Renata Bento, psicóloga especialista em família.
Para Carla Maia, especialista em desenvolvimento emocional e saúde mental de mulheres, crianças e adolescentes, a criança pode ser ensinada sobre palavrão, especialmente para entender os sentimentos relacionados e o contexto no qual as palavras são usadas.
“O palavrão é uma expressão muito mais da ordem privada. Eu sempre oriento [os pais] a ensinarem para os filhos que o palavrão é como um pum, que não pode soltar em qualquer lugar”, explica.
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Dualidade das orientações
Apesar disso, as especialistas entendem que há problemas evidentes na proposta do desafio que circula nas redes sociais.
Um primeiro ponto de atenção é a confusão que pode acontecer na mente da criança diante da permissão de falar palavrões. “Muitos pais ensinam os filhos a não xingar ou falar o que consideram palavras feias, e aí, do nada, não só permitem que a criança fale, como expõem para outras pessoas”, lembra Renata Bento.
Isso, segundo a especialista, pode levar a criança a fazer sérios questionamentos sobre as orientações que recebem dos pais, além de deixá-las sem saber quando o não é, de fato, não.
Espaço de confiança
Outro aspecto preocupante, segundo a especialista em família, diz respeito ao falso espaço de confiança que é criado neste cenário.
Apesar da presença do celular, a criança entende que está sozinha e que o que fizer ali, ficará ali, porque é isso que a explicação do adulto presente dá a entender. Quando o responsável filma aquele momento e compartilha na internet, quebra o espaço seguro que afirmou ter criado para a criança.
O problema pode acontecer quando a criança se der conta de que sua reação diante do pedido do adulto não foi mantida privada.
“Se essa criança vê alguém reagindo àquela gravação, pode entender que fez algo vexatório, vergonhoso, quando, na verdade, só fez o que o adulto responsável naquela situação pediu. Ela dificilmente vai entender por que algumas pessoas acham aquilo engraçado”, completa Renata.
Isso, por si só, pode deixar marcas na psique da criança, como:
dificuldade de confiar;
dificuldade de ser leal ou entender lealdade;
medo de traição;
medo de exposição;
timidez; e
repressão emocional.
“[As crianças] merecem respeito, segurança, cuidado e proteção, coisas que são desconsideradas em situações como essa. Este tipo de exposição não traz benefício nenhum para a criança”, defende Carla Maia.
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