Morador de Nova Jersey, Junior Pena está em situação irregular há 15 anos e contou que seu trajeto durou 3 meses. Ele fala ainda que coiotes cobram até R$ 100 mil por pessoa para fazer percurso atualmente. Imigração ilegal está sujeita até 20 anos de prisão para imigrantes. Brasileiro detalhe perrengues ao entrar ilegalmente nos EUA há 15 anos e relata saudade da
Há 15 anos morando ilegalmente nos Estados Unidos, o brasileiro Junior Pena, de 39 anos, diz viver seu “american dream”. Apesar disso, o processo para ter suas conquistas —como as viagens para o Alasca, Califórnia e Havaí— não foi fácil. Pelo contrário, ele disse ao g1 que “encarou a morte” algumas vezes antes de chegar lá —pela fronteira com o México. (Veja fotos da vida do brasileiro nos EUA no fim da reportagem)
“Se eu fosse contar tudo aqui, daria um livro. Mas, é muito sofrimento. A gente ficou em aldeia de índio na Guatemala, a gente atravessou montanhas, a gente atravessou rios, pessoas passando mal, animal peçonhento, lobos. É uma aventura. Se fosse hoje em dia, para eu viver isso de novo [se submeter à travessia ilegal], eu não viveria”, disse o morador de Nova Jersey, no nordeste dos EUA.
A lei do Texas tornou crime a entrada ilegal no estado, com uma pena de 180 dias a 20 anos de prisão. Pela lei, juízes do estado podem ordenar que os imigrantes voltem ao México. Se eles se recusarem a voltar, ficam então sujeitos à prisão de até 20 anos.
“Eu apanhei de coiote [espécies de guias da travessia ilegal], sabe? Eu passei fome, eu fui ameaçado. Quando eu cheguei nos Estados Unidos, eu lembro que eu fiquei uma semana só tirando espinhos de cactos da minha pele”, completou.
As histórias do mineiro, nascido em Belo Horizonte, são compartilhadas nas redes sociais e acumulam milhões de visualizações – junto de relatos de outros brasileiros que levam a vida nos EUA. Em dezembro de 2008, ele começou o seu trajeto que iria terminar apenas em fevereiro de 2009.
A ilusão de ser acompanhado por um único coiote durante o período de viagem caiu por terra em poucos dias. Em entrevista ao g1, ele contou que “passou na mão” de, aproximadamente, 20 coiotes diferentes.
Com o objetivo de não passar por nenhuma fiscalização nas fronteiras, a viagem teve paradas estratégicas em cinco pontos específicos: Minas Gerais, São Paulo, Guatemala, México e Estados Unidos. O penúltimo seria o mais aterrorizante.
“É tipo uma fase de videogame, entendeu? Cada parte a gente tem que atravessar uns obstáculos para passar naquela fase (…) A gente pega uma carreta depois que sai da Guatemala e entra no México. A gente entra nesta carreta com 80 ‘hispanos’ mais ou menos. A carreta toda camuflada de lixo, carros amassados, ferro velho, essas coisas”, afirmou Junior.
“Foram dez horas até chegar lá na metade do México, a gente chegou em Puebla [cidade do México]. A gente vomitava um em cima do outro, a gente defecava. Não tinha espaço, eles não deixavam a gente sair também. A gente urinava, sabe? E ficava aquela lavagem. Todo mundo passando mal. Esse dia eu pensei que eu ia morrer”, completou.
Para permanecer nos Estados Unidos e não ser deportado, os imigrantes ilegais ultrapassam a fronteira do país e se entregam ao Estado norte-americano sob a alegação de que precisam de asilo. De acordo com Junior Pena, todos são presos e buscam por um advogado para dar continuidade ao processo de regularização na Justiça. O argumento jurídico tem como base um dispositivo da constituição americana: a Lei do Cai-Cai (Entenda essa legislação a seguir).
“O coiote vai te levar até no México e vai falar: ‘Você vai pular, você vai passar naquele buraquinho e tem um menino te esperando. Ele vai te mostrar’. Daquele buraquinho, você vai se entregar naquele posto policial lá na frente. Você vai encontrar com os policiais lá na frente e vocês se entregam. Vocês não reagem, vocês se entregam que vocês vão ser presos”, disse Junior Pena.
A Lei do Cai-cai
O comentarista da Estúdio I Marcelo Lins explicou o que determina a Lei do Cai-cai. Ele também contou como funciona “a lógica dos imigrantes ilegais”, que tentam ingressar nos EUA através desta legislação.
“O que ela determina? Determina que, se um imigrante que entrou ilegalmente nos Estados Unidos é preso pela polícia, ele vai estar cometendo um delito. Ele vai ter entrado ilegalmente nos Estados Unidos, que é um delito federal. Daí, ele vai passar a ser processado e julgado por esse delito”, afirmou Lins.
“Qual é o sentimento da pessoa que utiliza desse artifício? ‘Eu vou entrar ilegalmente nos Estados Unidos. Eu vou me entregar à polícia assim que possível e eu vou entrar no sistema através desse processo’. Ao final desse processo, tudo dando certo, ou eu peço um asilo e sou aceito como asilado ou consigo de alguma forma legalizar provando que eu tenho parentes que moram nos Estados Unidos, que pode ser sustentado ou que tem uma promessa de emprego, algo assim. Ou seja, há instâncias possíveis entrando e mesmo sendo detido, que permitem que esse imigrante passe de ilegal a legal”, completou o comentarista.
Junior Pena disse que está há 15 anos tentando regularizar sua permanência nos EUA. Ele afirmou que faz questão de pagar seus impostos e trabalha regularmente como construtor.
‘Política de imigração dos EUA é um fracasso’
O especialista Marcelo Lins afirmou ainda que a crise da imigração nos Estados Unidos se arrasta por anos – independentemente da alternância de governos democratas e republicanos.
“A política de imigração nos Estados Unidos, não é de hoje, é basicamente um fracasso. O governo muitas vezes e a economia americana precisam dos imigrantes. Não há um processo claro de legalização desses imigrantes. Não há caminhos claros para quem quer, de fato, entrar nos Estados Unidos para além daquele processo longuíssimo de obtenção do greencard ou de entrar em sorteios que não acontecem com a regularidade que se quer”, disse Marcelo Lins.
“Portanto, governos democratas e republicanos têm se sucedido sem conseguir enfrentar a contento essa crise, alimentando o mercado ilegal, discursos de ódio e a repressão a quem, na verdade, está querendo uma vida melhor da que tem em seu país de origem”.
Um estudo do Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS, na sigla em inglês), concluído em abril deste ano, aponta que os Estados Unidos tinha cerca de 10,9 milhões de imigrantes “não autorizados” em 2022. O Brasil foi o oitavo país com mais cidadãos não autorizados em 2022, atrás de México, Guatemala, El Salvador, Honduras, Filipinas, Venezuela e Colômbia.
Venda de casamentos e velório do pai pela internet
Ser um cidadão regularizado nos Estados Unidos, geralmente, é um processo demorado. Uma alternativa para encurtar essa espera é conseguir um “Green Card” – visto permanente – a partir de um casamento com um norte-americano. No “mercado ilegal”, casamentos fake podem custar até R$ 100 mil, segundo Junior Pena.
A possibilidade de adquirir carros e casas confortáveis, salários tidos como dignos e viagens para lugares mundialmente conhecidos tem um preço. Para viver tudo isso, Junior Pena contou que não vê sua filha, de forma presencial, há 15 anos. Além disso, ele teve que acompanhar o velório de seu pai através de uma chamada de vídeo em 2023. Isso porque ele não pode deixar os EUA; se fizer isso, não consegue voltar.
“Dói bastante, dói bastante. Eu sou pai. Eu tive a minha filha no Brasil e nove meses depois que ela nasceu, eu vim para os Estados Unidos. Ela era uma baby (…) Era o único jeito de sustentá-la, de sustentar meus pais que já estavam idosos”, contou”
“Ver o seu pai ou um parente da família pela telinha de um telefone dentro de um caixão… É uma dor que eu vou te falar, sabe? Eu chorei muito, pensei ir embora, mas meu pai, mesmo doente, falou: Não, meu filho, não vem não. O que ele vai fazer no Brasil? Eu estou doente. Talvez eu melhore ou não, mas o pai foi aí te ver. A gente passeou muito, eu aproveitei ele. Só que a vida é assim, a gente não sabe a hora que vai né? Um dia eu vou também, um dia minha mãe vai, um dia minha filha vai, um dia todos nós vamos”, completou.
Junior Pena com o pai nas Cataratas do Niagara
Arquivo Pessoal/Junior Pena
Junior Pena passeia com a mãe em Nova York
Arquivo Pessoal/Junior Pena
Junior Pena visita Las Vegas
Arquivo Pessoal/Junior Pena
Junior Pena trabalha como construtor nos EUA
Arquivo Pessoal/Junior Pena
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