Considerados fundamentais na música brasileira, álbuns não foram sucessos comerciais em 1972. Mauro Ferreira, crítico de música do g1, comenta discos em podcast; OUÇA. “Clube da Esquina”, “Elis”, “Expresso 2222”, “Transa” e “Acabou Chorare” completaram 50 anos em 2022
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“O artista faz história sem saber, a revolução acontece silenciosamente, sem pretensões”. É assim que Mauro Ferreira, crítico de música do g1, justifica o fato de álbuns tão fundamentais da MPB não terem sido sucessos instantâneos em 1972.
“Transa”, de Caetano Veloso, “Expresso 2222”, de Gilberto Gil, “Acabou Chorare”, de Novos Baianos, “Elis”, de Elis Regina e “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges completaram 50 anos em 2022 e foram analisados no podcast g1 ouviu abaixo.
O contexto dos anos 70 era ditadura militar, no governo de Emílio Médici, com artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil exilados no Reino Unido.
Roberto Carlos e Agnaldo Timóteo faziam grande sucesso e garantiam o faturamento das gravadoras. A turma da MPB conseguia, assim, fazer álbuns “de catálogo”, mais artísticos e não tão pressionados por números de vendas.
Cada disco tem a sua história (que você pode ouvir acima no podcast), mas há pontos em comum. Eles não foram sucesso imediatamente, mas hoje são considerados atemporais e definidores para a história da MPB.
Apesar de ter relação com aquele momento, no caso de Caetano e Gil cantando sobre a saudade do Brasil depois de anos exilados, os cinco álbuns seguem com um certo frescor, segundo o crítico Mauro Ferreira.
“São fundamentais por conta do repertório e porque você ouve hoje e não soa como uma coisa datada, é uma coisa que está viva”, define.
Leia abaixo sobre cada um dos álbuns:
‘Transa’, de Caetano Veloso
Caetano Veloso durante show com Gilberto Gil, no Rio de Janeiro, em 19 de março de 1972
Estadão Conteúdo/Arquivo
Músicas como “Nine Out of Ten” e “Mora na Filosofia” não chegaram ao topo das paradas, mas, apesar disso, “Transa” é cultuado como um dos melhores da discografia do cantor baiano.
“It’s a Long Way” segue, inclusive, no repertório da nova turnê de Caetano, do álbum “Meu Coco”.
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Com direção musical de Jards Macalé, o álbum foi gravado em Londres e as referências de rock ficam claras nas 7 faixas. Ele é menos melancólico que “Caetano Veloso”, primeiro disco gravado por ele no exílio, mas tem traços de saudosismo como em “Triste Bahia”.
“Caetano foi conjugando informações que estava recebendo em Londres com o rock, com o reggae. Tanto que ele alude ao reggae em ‘Nine Out of Ten’. Tinha todo um universo que estava se revelando para ele que também influencia a criação do ‘Transa’, diz Mauro Ferreira.
‘Expresso 2222’, de Gilberto Gil
Gilberto Gil durante a gravação do álbum ‘Expresso 2222’, no estúdio da Rádio Eldorado em São Paulo
Solano José de Freitas/Arquivo/Estadão Conteúdo
Em “Expresso 2222”, Gilberto Gil também reproduz tudo que ouviu em Londres durante o exílio, mas mostra como Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga são importantes para sua formação.
Gil celebra a volta para casa em “Back in Bahia”, com a pulsação do rock, vai para um lado mais reflexivo em “Oriente” e segue em festa no Nordeste em “Chiclete com Banana”.
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Mauro Ferreira destaca que, apesar de hoje em dia, a mistura entre gêneros ser corriqueira em 1972 não era comum.
“Pode parecer banal em 2022, mas naquela época era uma mistura ainda original, era inovador”, diz Ferreira. “É um momento de maturação em que vários da obra do Gil e a faixa ‘Expresso 2222 é muito emblemática, porque foi e é um sucesso popular até hoje”.
‘Clube da Esquina’, de Milton Nascimento e Lô Borges
Milton Nascimento durante show em março de 1971, em São Paulo
Estadão Conteúdo/Arquivo
“Clube da Esquina” marca o início do movimento que leva o nome de Minas Gerais para o centro da MPB com um frescor pop.
No álbum, fica claro o espírito agregador de Milton Nascimento, que assina o disco com Lô Borges. Ronaldo Bastos, Fernando Brant e Marcio Borges também dão contribuições importantes como letristas. O primeiro também é responsável por dar o conceito.
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“Fazer um álbum duplo, no qual quase todas as faixas são sucessos populares e cantados por todo o mundo é realmente um mérito de poucos. Tem que ser gênio mesmo”, exalta o crítico de música do g1.
“O Milton praticamente abre um universo imenso na música brasileira, um novo mundo. É um som único que não tem nem como rotular. Milton já é um gênero em si”.
‘Elis’, de Elis Regina
Retrato da cantora Elis Regina durante show na cidade de São Paulo, no dia 04 de outubro de 1972
Solano de Freitas/Estadão Conteúdo/Arquivo
O álbum “Elis” é o primeiro da parceria entre Elis Regina com o maestro e arranjador César Camargo Mariano.
A cantora sempre soube pinçar músicas de compositores não tão conhecidos e acertou mais uma vez nesse disco de 1972 ao gravar “Bala com Bala”, de Aldir Blanc e João Bosco e ” Mucuripe”, de Fagner e Belchior.
‘Elis’ faz 50 anos com o brilho intacto pela perfeição de canto, repertório e arranjos
“Águas de Março”, de Tom Jobim, também entrou no repertório e precede a gravação que fez sucesso mundial dois anos depois.
Para Mauro Ferreira, “Elis é um álbum realmente perfeito e emblemático também pela conexão popular, as pessoas conhecem as músicas ainda hoje”.
‘Acabou Chorare’, dos Novos Baianos
Novos Baianos durante ensaio em foto de junho de 1972
Estadão Conteúdo/Arquivo
A reunião de Moraes Moreira, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão resulta em um dos mais emblemáticos álbuns da MPB.
Orientados por João Gilberto, a turma cria músicas pop tropicalistas que misturam samba, choro, pop e rock e exaltam o Brasil e a juventude.
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Dos cinco álbuns em questão, “Acabou Chorare” tem o melhor desempenho comercial com “Preta Pretinha”. O grupo já tinha lançado o álbum de estreia, “Ferro na Boneca”, mas é o segundo que coloca o nome deles em evidência.
“O disco tem uma brasilidade imensa, do choro, do samba, aquela mistura pop tropical. Eles já são uma herança da Tropicália, mas um passo à frente também. É muito pop e tem um frescor que faz com que o álbum seja cultuado até hoje”, finaliza Ferreira.
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