Anos depois, g1 voltou a conversar com candidatos que tiraram a nota máxima nas edições de 2017 e 2018. Beatriz Servilha, por exemplo, já publicou artigo científico em jornal internacional. Beatriz cumpriu o que prometeu aos pais: ‘filho de pobre também pode ser médico’
Arquivo pessoal/Formed Fotografias
Beatriz Servilha, de 24 anos, conversou com o g1 em 2018, quando ficou entre os 53 candidatos (de um universo de quase 7 milhões de inscritos) que tiraram nota mil na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). À época, ela contou que sempre falava ao pai, pedreiro, e à mãe, telefonista, que “filha de pobre também pode ser médica”.
E tinha razão: 5 anos depois, Beatriz conta, orgulhosa, que trabalha como pediatra em um estágio supervisionado no serviço público de saúde. Estudante do 8º período de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela já ouve elogios dos familiares de seus pacientes, por causa da atenção especial que dá a crianças com deficiência. E não para por aí: Bia tem até artigo científico sobre pneumologia publicado em um jornal internacional.
“Quando me lembro do Enem, reconheço que tudo o que tenho hoje veio disso. Acho que, se os frutos [da repercussão da nota mil] não fossem tão palpáveis, eu pensaria que foram um sonho”, diz.
Nesta reportagem, o g1 conta a história de Beatriz e de mais dois candidatos que, depois de alcançarem o desempenho máximo na redação do exame, tiveram suas vidas transformadas:
Lucas Felpi estuda na Universidade de Michigan e já fechou parcerias com marcas grandes em ações de educação;
e Bernardo Piñon , aluno da PUC-Rio com surdez e autismo, foi convidado para um programa de iniciação científica do governo (spoiler: vai pesquisar sobre a saga “Star Wars”).
🩺 Beatriz, nota mil no Enem 2017, sonha com o doutorado
Veja, abaixo, os principais marcos na vida de Beatriz desde a nota mil no Enem.
Artigo científico publicado em periódico internacional:
Após acompanhar as notícias sobre a nota mil de Beatriz, uma professora da UFRJ a convidou para fazer parte de um projeto de pesquisa do ambulatório de pneumologia pediátrica da universidade.
“Ela precisava de um aluno e sabia que eu escrevia bem. Foi lá que fiz meu primeiro artigo, como colaboradora das minhas orientadoras”, conta Bia. O trabalho, publicado no “Journal of Asthma and Allergy” neste ano, analisava dados de espirometria (exame de pulmão) de crianças com asma.
Atendimentos a crianças com autismo e surdez:
No estágio, Beatriz recebeu comentários elogiosos de mães de pacientes com deficiência, pelo atendimento humanizado que ofereceu.
“O autismo tem mexido muito comigo. Foram episódios em que as crianças queriam gritar, bater, mas foram se acalmando conforme eu ia conversando com elas. Eu escolhi medicina por isso, é o que realmente me prende: fazer tudo de uma forma afetiva. No caso da surdez, eu consegui me dirigir diretamente aos pacientes [em Libras]. Eles me agradeceram muito.”
Morte da mãe, de 38 anos, por Covid-19:
Desde que a mãe de Beatriz morreu durante a pandemia, em 2020, a aluna ajuda na criação da irmã, de 15 anos.
“[Perder minha mãe] foi uma experiência horrível, um baque como pessoa e como profissional. Aprendi que a medicina não vai sempre trazer os resultados 100% positivos. Tem momento em que a gente só para e chora”, diz.
Superação de dificuldades na universidade:
Como ex-aluna de escola pública e cotista na UFRJ, Beatriz tinha defasagens em sua formação e, por isso, foi reprovada duas vezes em uma mesma disciplina, no início do curso.
“Eu demorei para entender que era uma questão estrutural e social. Nunca tinha visto aqueles conteúdos na minha vida”, diz.
“Foi só no estágio que mudei o olhar sobre mim e deixei de me sentir inferior. Agora, sonho em manter meu projeto de pesquisa e entrar no doutorado para pesquisar sobre a capacidade pulmonar de crianças, antes e depois do transplante de medula óssea”, diz.
💻 Lucas, nota mil no Enem 2018, estuda na Universidade de Michigan
Lucas Felpi estagiou na Amazon, no Google e no Facebook
Arquivo pessoal
Lucas Felpi, atualmente com 21 anos, destacou-se no Enem 2018 não só por ter tirado a nota máxima, mas também por ter citado a série “Black Mirror” na dissertação.
Depois disso, houve uma sequência de (outros) sucessos:
Lançamento de apostilas do Enem e de curso de redação:
Lucas teve a ideia de entrar em contato com outros alunos “notas mil” para reunir, em uma apostila virtual e gratuita, transcrições de suas redações. “A ideia era democratizar o acesso aos textos para ajudar quem estivesse estudando”, conta. O projeto, que é atualizado todo ano, existe desde 2019.
O jovem ainda montou um curso on-line de redações, junto com uma de suas professoras do ensino médio. Mais de 1.200 alunos já usaram a plataforma no preparo para o Enem.
Canal no Youtube e parceria com marcas:
Logo quando soube da nota mil, Lucas decidiu criar um canal de vídeos para dar dicas de estudo e depoimentos sobre sua experiência acadêmica. Até a última atualização desta reportagem, eram 565 mil inscritos. Foi desse sucesso que vieram convites para parcerias com marcas grandes, como Uber, Americanas e Deezer.
“Por mais de um ano, não ganhei nada com o canal. Depois disso, vieram as propostas [comerciais], com bom retorno financeiro”, conta. “Mas a maior felicidade é receber retornos de alunos que me mandam mensagens sobre como os ajudei.”
Aprovação em universidade americana:
O dinheiro arrecadado com as parcerias ajudou Lucas a se sustentar nos Estados Unidos. Ele mora lá desde agosto de 2019, quando foi aprovado no curso de ciência da computação e ciências políticas, na Universidade de Michigan (além de ter feito o Enem, ele também havia se inscrito em processos seletivos no exterior).
“O mais interessante é conhecer gente de todos os países e culturas”, afirma.
Estágio em grandes empresas:
Nos EUA, Lucas já trabalhou em três gigantes de tecnologia — Amazon, Facebook e Google.
“Fico orgulhoso de pensar que aquele menino do passado — que estava suando na cadeira no Enem, sem saber o que ia acontecer no futuro — conseguiu alcançar tudo o que sonhou”, diz Lucas.
📚 Bernardo, nota mil no Enem 2016, ganhou bolsa de pesquisa
Bernardo Piñon diz que viveu a ‘jornada do héroi’ ao voltar para a universidade
Arquivo pessoal
Bernardo Lucas Piñon, aluno “nota mil” no Enem 2016, tem surdez severa nos dois ouvidos, disgrafia profunda (dificuldade na escrita) e transtorno psicomotor nos braços e nas mãos. Quando conversou com o g1, em 2017, contou que enfrentou dificuldades para obter os recursos de acessibilidade nas duas universidades em que havia se matriculado (PUC-Rio e UFRJ). Ele desistiu de ambas.
Em nota, a UFRJ afirma que tem mais de mil alunos com deficiência e que se compromete sempre a fornecer acessibilidade a eles. A PUC-Rio não havia respondido até a última atualização desta reportagem.
Seis anos depois, uma reviravolta: Bernardo diz que está “em sua melhor fase acadêmica”. Entenda os motivos abaixo:
De volta à PUC-Rio:
Bernardo conta que, depois da repercussão na imprensa, a PUC-Rio o chamou para conversar. A universidade ofereceu a ele a “reabertura” da vaga em filosofia e a assistência pedagógica de que ele precisava (tempo adicional para provas, acompanhante para fazer transcrições e um período maior para concluir a graduação). Ele vai se formar em 2025.
Convite para ser pesquisador:
O jovem participa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), voltado para alunos da graduação. “Em geral, a pessoa se candidata, mas eu fui convidado. Depois de falar com o meu professor, eu quase cheguei às lágrimas!”, diz.
“Não esperava que conseguiria fazer um projeto sobre algo de que sou muito fã, que é Star Wars. Meu objetivo é formar um conceito filosófico que explique a mitologia por trás da saga.”
Diagnóstico de autismo e ‘autodescoberta’:
Na infância, Bernardo já havia ouvido de médicos que poderia fazer parte do espectro autista, mas a confirmação só chegou no fim de 2022. “Sempre tive dificuldade em relacionamentos. Receber o diagnóstico, para mim, foi uma carta de amor. Eu passei a entender o que antes não entendia, passei a me amar mais”, diz. Agora, ele buscará, no serviço público, uma terapia especializada.
“Como em toda jornada do herói, em que o protagonista tem de ir ao inferno […], depois ele entende o seu lugar, a sua vocação, e luta para dar o melhor de si”, afirma o aluno de filosofia.
Divulgação dos ‘espelhos’ do Enem 2023
Na última segunda-feira (10), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou os “espelhos” das redações do Enem 2023 — são versões digitalizadas dos textos entregues pelos alunos no dia do exame.
LEIA REDAÇÕES NOTA MIL DO ENEM 2022
O objetivo da disponibilização desse conteúdo aos estudantes é pedagógico: cada participante pode ter acesso às justificativas da nota atribuída pelos corretores em cada uma das cinco competências avaliadas no Enem.
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