Supremo Tribunal Federal descriminaliza porte de maconha para uso pessoal

O Brasil descriminalizou a maconha para uso pessoal na quarta-feira, tornando o país de 203 milhões de habitantes o maior a tomar tal medida e o mais recente sinal de uma crescente aceitação global da droga.

O Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu que os brasileiros podem possuir até 40 gramas de cannabis — aproximadamente o suficiente para 80 juntas — sem sofrer penalidades, uma decisão que entraria em vigor dentro de alguns dias e vigoraria pelos próximos 18 meses.

O tribunal pediu ao Congresso brasileiro e às autoridades de saúde que definissem a quantidade permanente de maconha que os cidadãos poderiam possuir. Vender maconha continua sendo crime.

Milhares de brasileiros estão cumprindo penas de prisão por porte de maconha abaixo do novo limite, disseram analistas jurídicos. Não está claro como a decisão afetaria essas convicções.

Muitos são homens negros, que representam 61% dos processos por tráfico de drogas, mas 27% da população. Estudos tem mostrado milhares de negros brasileiros foram condenados em situações que levaram a acusações menores ou nenhuma acusação contra pessoas brancas.

O Brasil há muito adota uma abordagem criminosa severa em relação às drogas, por isso sua decisão de permitir efetivamente que os cidadãos fumem maconha faz parte do uma mudança notável na opinião pública e nas políticas públicas sobre a droga nas últimas duas décadas. Mais de 20 países já descriminalizaram ou legalizaram o uso recreativo da maconha, a maioria na Europa e nas Américas.

O México legalizou a maconha em 2021; Luxemburgo fez isso ano passado; e Alemanha em abril.

Canadá e Uruguai permitem vendas licenciadas de maconha há anos. Muitos mais países descriminalizaram a marijuana, o que significa que aboliram as sanções penais para a posse de pequenas quantidades da droga, embora esta continue tecnicamente ilegal e as autoridades ainda tenham como alvo os traficantes.

Em muitos casos, as mudanças fizeram parte de uma mudança política mais ampla para tratar o consumo de drogas como uma questão de saúde e não como um acto criminoso.

Nos Estados Unidos, a marijuana continua ilegal a nível federal, mas os estados podem agora definir as suas próprias políticas. Desde que os eleitores no Colorado e em Washington aprovaram pela primeira vez o uso recreativo de maconha em 2012, mais da metade dos americanos vivem em estados onde a maconha é legal.

Setenta por cento dos americanos agora acreditam que a maconha deveria ser legal, de acordo com Gallupacima dos 31 por cento em 2000.

O Brasil teve a experiência oposta. Embora o país tenha agora uma política federal sobre a maconha mais branda do que os Estados Unidos, muito menos brasileiros são a favor da droga do que americanos.

Menos de um terço dos brasileiros disseram apoiar a descriminalização da maconha, segundo uma pesquisa de março de 2.000 pessoas pelo Datafolha, um pesquisador brasileiro.

Ainda assim, a liberalização da política de drogas levou a mudanças de atitudes em muitas partes do mundo, de acordo com Angela Me, chefe de investigação do Gabinete das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

“A percepção do risco da cannabis diminuiu, e isso pode ser visto nos dados sobre a percentagem de jovens que acreditam que a cannabis é prejudicial”, disse ela. “Houve uma queda enorme tanto na América do Norte como na Europa.”

A Suprema Corte do Brasil descriminalizou a maconha depois de quase uma década de deliberações sobre um processo judicial de 2009. Esse caso centrou-se em um homem de 55 anos que foi pego com 3 gramas de maconha enquanto estava na prisão por uma acusação separada em São Paulo. Ele foi condenado a dois meses de serviço comunitário, mas seu advogado apelou, argumentando que punir usuários de drogas violava a Constituição do Brasil.

Desde 2015, o Supremo Tribunal tem adiado a decisão sobre o caso, uma vez que os juízes discordaram sobre como distinguir entre consumidores e traficantes, quais as drogas que deveriam ser descriminalizadas e quem deveria ser responsável pela definição da política de drogas. O tribunal alcançou a maioria na terça-feira e finalizou sua decisão na quarta-feira.

Na decisão, o presidente do Supremo Tribunal, Luís Roberto Barroso, disse que a decisão não tolera o consumo de marijuana, mas antes reconhece políticas de drogas falhadas, que levaram ao encarceramento em massa de jovens pobres, empurrando muitos deles para o crime organizado.

“Em nenhum momento estamos legalizando ou dizendo que o uso de drogas é algo positivo”, disse ele. “As estratégias que adotamos não estão funcionando.”

Em 2006, o Congresso brasileiro aprovou uma lei que visava aumentar as penas para os traficantes de drogas e reduzi-las para os usuários.

A lei exigia formas mais brandas de punição para os usuários de drogas, como o serviço comunitário. No entanto, a lei era vaga sobre o que constitui um traficante e os críticos dizem que a polícia e os procuradores a utilizaram para colocar mais consumidores de drogas na prisão.

Dez anos depois da aprovação da lei, a percentagem de prisioneiros detidos por acusações de tráfico de drogas aumentou de 9% para 28%, de acordo com a Human Rights Watch.

Estudos mostram que os homens negros têm sido afetado desproporcionalmente. Um estudo sobre casos de drogas entre 2010 e 2020 em São Paulo, a maior cidade do Brasil, mostrou que a polícia classificou 31 mil brasileiros negros como traficantes em situações em que pessoas brancas eram tratadas como usuárias, segundo o Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, uma universidade brasileira. .

“A cor da pele conta quando se trata de como a legislação sobre drogas é aplicada”, disse Cristiano Maronna, diretor do Justa, um grupo de pesquisa que investiga o sistema de justiça brasileiro. “Quanto mais escura for a sua pele”, disse ele, maiores serão as chances de ser acusado de “tráfico, mesmo que de pequenas quantidades”.

Na sua decisão, o Supremo Tribunal pretendeu clarificar o limiar entre posse e tráfico. O tribunal disse que as pessoas ainda podem ser acusadas de tráfico se forem encontradas junto com outros itens comumente usados ​​na venda de drogas, como uma balança.

Maronna disse que, apesar da nova política, o Brasil ainda tem algumas das leis sobre drogas mais severas da América Latina, o que ajudou a lotar as prisões do país. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, depois dos Estados Unidos e da China.

Mesmo antes de a nova política sobre a maconha ter sido finalizada, já havia esforços pelo direito do Brasil de desfazê-la. Os conservadores no Congresso brasileiro estão defendendo um projeto de lei que modificaria a Constituição para criminalizar qualquer porte de maconha.

Os líderes do Congresso disseram que a questão deveria ser deixada ao Congresso e que a maioria dos legisladores se opõe à descriminalização.

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