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Septuagenárias e rebeldes | Blog Longevidade: modo de usar

Radicais nas décadas de 1960 e 70, elas são septuagenárias e até octogenárias que continuam servindo de inspiração para as mais jovens que buscam seu lugar neste mundo ainda tão misógino e desigual. No livro “Envelhecer é para as fortes: as pioneiras que resistiram à ditadura, lutaram por um novo jeito de ser mulher e agora reinventam a velhice”, que será lançado amanhã no Rio, a jornalista Helena Celestino resgata a história do Círculo de Mulheres Brasileiras, um grupo feminista criado em Paris, cidade na qual suas integrantes estavam exiladas durante os anos de chumbo depois do golpe militar de 1964.

1 de 2 Helena Celestino, autora de “Envelhecer é para as fortes: as pioneiras que resistiram à ditadura, lutaram por um novo jeito de ser mulher e agora reinventam a velhice” — Foto: Pedro Pinheiro Guimarães

Helena Celestino, autora de “Envelhecer é para as fortes: as pioneiras que resistiram à ditadura, lutaram por um novo jeito de ser mulher e agora reinventam a velhice” — Foto: Pedro Pinheiro Guimarães

“Me concedi o papel de narradora da história das mulheres desse coletivo feminista que, há mais de 40 anos, desafiam o patriarcado”, explica a autora.

A escalada da ditadura, depois do AI-5, em 1968, levou muitos brasileiros a procurar asilo em outros países. Boa parte escolheu o Chile, por causa do governo democrático de Salvador Allende que, derrubado pelos militares em 1973, deu lugar à ditadura sangrenta de Augusto Pinochet. Paris se tornou o refúgio dos sonhos. Para se ter uma ideia, em janeiro de 1974, a França recebeu 1.500 exilados brasileiros.

No movimento de maio de 1968, nas barricadas nas ruas parisienses, slogans como “Seja realista, exija o impossível”, causaram uma revolução cultural planetária. No entanto, eram os homens que estavam na linha de frente e cabia às mulheres o papel de coadjuvantes. As feministas mudariam isso, fundando a editora Éditions des Femmes e promovendo encontros e manifestações. O Círculo das Mulheres Brasileiras surgiu em em 1975, na esteira dessa militância. Ajudou inclusive a discutir e combater a caretice da esquerda no exílio, cuja pauta moralista considerava a homossexualidade um desvio pequeno-burguês, contrário à moral revolucionária.

Helena relembra a experiência que mesclava “solidão na terra estranha e encantamento com a liberdade reconquistada”. O acolhimento aos refugiados incluía aulas de francês por três meses, diárias de dez francos e carte de séjour (autorização de residência). Bastava apresentar atestado de escolaridade e se matricular nas várias seções da Universidade de Paris, a antiga Sorbonne. Para sobreviver, todo tipo de trabalho era bem-vindo: ser lanterninha de cinema, ajudante de cozinha, babá, faxineira, participar de colheitas de uvas. Há histórias saborosas, como a criação da Escolinha Saci Pererê, para as crianças não perderem o contato com as raízes culturais de suas famílias.

A Lei da Anistia, votada em 1º. de setembro de 1979, após 15 anos de ditadura, trouxe, como diz Helena, uma mistura de sentimentos. “Ninguém tinha casa para morar e muito menos trabalho. Tínhamos em torno de 30 anos, a ditadura interrompera nossas carreiras, o Brasil mergulhara na recessão. Era como chegar num país desconhecido e começar tudo de novo”. Na volta, o acervo do Círculo foi usado para criar o Centro de Informação da Mulher (CIM), em São Paulo, e o conteúdo foi compartilhado com organizações feministas brasileiras.

Em 2017, 20 companheiras se reencontraram em Paraty, para um fim de semana repleto de recordações. O projeto inicial era o de um filme, que acabou não vingando. Para o livro, Helena selecionou a trajetória de oito mulheres que se cruzaram em Paris, como Glória Ferreira, professora da UFRJ, crítica de arte e fotógrafa; Vera Barreto, modelo, atriz e produtora de filmes; e Vera Magalhães, que morreu de infarto aos 59 e foi uma espécie de musa da geração rebelde. Participou do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick e foi banida para a Argélia, aos 22 anos. Sua imagem numa cadeira de rodas, na frente do avião que levaria os presos políticos, se transformou num ícone.

Agora, o preconceito contra a velhice faz parte da militância do grupo. Para essa geração, o que assusta no envelhecimento não é o desgaste do corpo, e sim “vivenciar o apagamento socioafetivo e a vida perder o sentido”, escreve a autora, frisando: “a gente envelhece do mesmo que jeito que viveu. Continuamos insubmissas e malcomportadas”. A propósito, elas criaram um outro coletivo: Peitamos. luta continua.

2 de 2 Capa do livro que resgata a história do Círculo de Mulheres Brasileiras, grupo feminista criado em Paris por exiladas — Foto: Reprodução

Capa do livro que resgata a história do Círculo de Mulheres Brasileiras, grupo feminista criado em Paris por exiladas — Foto: Reprodução

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