No coração dos Himalaias, em Uttarakhand, Índia, pulsa um festival de cores vibrantes e ritmos ancestrais: o Ramman Utsav. Mais do que uma simples festa, é um espetáculo sagrado, uma tapeçaria viva que entrelaça rituais, teatro e fé, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A festividade, com mais de 500 anos de história, se concentra nas aldeias de Saloor-Dungra, Dungri Barosi e Selang, além de outros 15 povoados vizinhos, durante cerca de duas semanas em abril, culminando em um grandioso espetáculo de fé e tradição.

Um Mergulho na História e Espiritualidade

Acredita-se que o Ramman Utsav tenha raízes no século VIII, quando Shri Adi Shankaracharya estabeleceu centros religiosos na região. O festival floresceu a partir do Movimento Bhakti, transformando-se em um ritual teatral anual que condensa a épica Ram Katha, a história de Rama. Surpreendentemente, não há diálogos; a narrativa é transmitida através de danças que retratam desde o nascimento de Rama e Lakshman até o casamento de Sita, o exílio na floresta, a morte do cervo dourado, o rapto de Sita e a queima de Lanka, culminando com a coroação.

A Dança como Linguagem Divina

O Ramman Utsav transcende a mera encenação teatral. É uma profunda expressão de devoção e identidade cultural. As danças incorporam divindades como Narasimha Devtaa e Ganesha, além de cenas dos Pandavas. Comunidades agrárias, eventos históricos e o folclore local também ganham vida nas performances, como nas danças Mwar-Mwarin, Baniya-Baniyan e Khyalari, e Maal Nritya e Kurjogi.

Máscaras e Melodias: A Alma do Festival

As máscaras, confeccionadas artesanalmente pelos aldeões com madeira de Bhojpatra (bétula do Himalaia) e Kemu (amoreira), são elementos centrais do Ramman Utsav. Algumas, como a de Narasin Devtaa, pesam até 25 kg e são reverenciadas e adoradas antes do festival. Os trajes coloridos, adornados com maquiagem feita de tinturas naturais, açafrão e mel, conferem identidade aos personagens. Os cânticos e canções divinas, acompanhados por instrumentos como os tambores Dhol e Damau, Jhanhjar e Manjira (címbalos) e trombetes Bhankara, elevam a experiência a um plano espiritual.

Um Mosaico de Danças e Significados

A coreografia do Ramman Utsav é meticulosamente estruturada em 18 Taals (ritmos), cada um representando uma dança e cena específica da Ramayana. Os primeiros sete Taals narram o nascimento de Rama e Lakshman, enquanto o oitavo Taal, a Dança Ardhanga de Sita, alude à forma de Mahadev como Ardhanareeswarar, a união de Shiva e Parvati. O nono Taal celebra o Swayamvar (casamento) de Sita. As danças folclóricas locais preenchem os Taals restantes, cada uma com seu simbolismo cultural único.

Encontros com Personagens Fascinantes

A dança Mwar-Mwarin retrata o reencontro de um pastor com sua esposa, enfrentando perigos e curando-se com ervas mágicas. As danças Baniya-Baniyan e Khyalari ilustram os encontros de comerciantes tibetanos com os habitantes locais e os perigos que enfrentam. A Maal Nritya, executada por guerreiros e lutadores, revive a histórica guerra Gorkha. O Kurjogi, coberto de espinhos, interrompe a dança, lançando sementes espinhosas na audiência.

O Clímax da Devoção

Os Taals finais da Ram Katha mostram Rama matando o cervo dourado, o rapto de Sita e a queima de Lanka, culminando com a cerimônia de coroação. A poderosa dança de Narasimha, onde um espírito divino capacita um local, antecede a performance final do Bhumiyal Devtaa, onde os dançarinos entram em transe, possuídos pelo espírito da divindade.

Um Patrimônio Vivo

Preservar o Ramman Utsav é um ato de salvaguardar a identidade cultural e espiritual de uma comunidade. É manter viva a chama da tradição em um mundo em constante mudança. O festival serve como um lembrete da importância de valorizar e proteger as manifestações culturais que enriquecem a humanidade. O reconhecimento da UNESCO não é apenas uma honra, mas também um compromisso de garantir que essa tradição ancestral continue a inspirar e encantar as futuras gerações.