No documentário ‘Racionais: Das ruas de São Paulo para o mundo’, Mano Brown lembra encontro nos anos 80: ‘Juntou duas famílias: o movimento negro politizado e a molecada nova cantando’. Racionais MC’s no início da carreira, em imagem do documentário ‘Racionais: Das ruas de São Paulo pro mundo’
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“O tipo de racismo que se vive no Brasil é o racismo que esvaziou o preto. Ele não deixou nem o ódio. Porque o ódio é um sentimento útil numa guerra. Uma coisa é você ter revolta. Outra coisa é você não ter nada”, diz Mano Brown no filme “Racionais: Das ruas de São Paulo para o mundo”.
O documentário sobre a carreira do grupo, dirigido por Juliana Vicente, chegou ao 1º lugar da lista de filmes mais vistos na Netflix no Brasil no fim desta semana. Ele estreou na plataforma de streaming na quarta-feira (16), quatro dias antes do dia da Consciência Negra, neste domingo (20).
Um dos pontos interessantes do filme é mostrar o encontro dos Racionais MC’s com os grupos ativistas negros no final dos anos 80, que mudaria a carreira do grupo e da cultura brasileira.
“Eu fui a uma festa do movimento negro. Dali outros rappers começaram a frequentar também. E aí uniu duas coisas que tinham tudo a ver estar juntas, mas estavam separadas”, lembra Mano Brown.
O contexto na época era de crise econômica e da transição conturbada entre a mão dura do militarismo e a democracia, ele descreve.
Também era uma época de descobertas dos jovens paulistanos, ligados em grupos dos EUA como Public Enemy. “Começaram a surgir nomes como do (líder ativista) Malcolm X, e a gente começou a querer saber dessas coisas”, explica Mano Brown.
Mano Brown conta que, a partir desse interesse, ele começou a se aproximar do movimento negro politizado de São Paulo.
“A parte do movimento negro organizado, dos negros que estudaram, sabia das coisas, mas não tinha acesso à juventude que não sabia. Os Racionais tinham acesso a esses jovens. Aí a coisa começou a acontecer”, descreve Mano Brown no filme.
Mano Brown antes do sucesso, em imagem do documentário ‘Racionais: Das ruas de São Paulo pro mundo’, da Netflix
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“Juntou duas famílias. o movimento negro politizado e essa molecada nova que estava vindo cantando”, diz Mano Brown.
Outra boa fonte para entender a relação dos rappers com os ativistas de São Paulo naquela época é a entrevista de Mano Brown em seu podcast no Spotify com Sueli Carneiro, fundadora do instituto Geledés, que os músicos frequentavam.
O quarteto lançou suas primeiras músicas, “Pânico na Zona Sul” e “Tempos difíceis”, na coletânea “Consciência Black”, em 1988, pelo selo Zimbabwe Records.
O filme mostra como essas letras combativas, sobre a vida real dos jovens negros em São Paulo, que vocalizavam as demandas do movimento, pegaram em cheio um novo público. Elas começaram a transformar os Racionais MC’s em um fenômeno, um dos grupos mais importantes da música brasileira.
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“O Racionais não inventou isso. A causa é muito mais antiga, muita gente veio antes”, diz Mano Brown no final do filme. O sentimento que o moveu durante a carreira “foi raiva, não foi alegria”, ele reflete. “Foi barriga vazia, ódio, ambição.”
Grupo Racionais MC’s em 1997
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