De todas as disputas de longa data na arqueologia, poucas perturbam mais os estudiosos do que a questão de quando os humanos chegaram às Américas. Durante grande parte do século passado, a teoria reinante era que, por volta de 11.500 anos atrás, caçadores de grandes animais da Ásia se arrastaram para a América do Norte através de uma ponte de terra que atravessava o Estreito de Bering, viraram à direita através de um corredor entre geleiras e, em menos de um milênio, atingiu a ponta da América do Sul.
Nas últimas três décadas, no entanto, a pesquisa arqueológica tornou cada vez mais claro que os caçadores foram precedidos por culturas muito anteriores que colonizaram as Américas entre 24.500 e 16.000 anos atrás.
Esta semana um novo acadêmico estudar inverteu até mesmo essas linhas de tempo de migração ao propor que o que hoje é o centro-oeste do Brasil foi colonizado há 27.000 anos, uma descoberta que reforça a teoria de que nossos ancestrais habitaram o continente durante o Pleistoceno, que terminou cerca de 11.700 anos atrás. O período também é chamado de Idade do Gelo por causa de seus numerosos ciclos de formação e derretimento glacial.
As conclusões do artigo, publicado na revista Proceedings of the Royal Society B, baseiam-se na análise de uma fonte improvável: três ossos de uma preguiça-gigante extinta. Escavados há 28 anos no abrigo rochoso de Santa Elina, os fósseis – semelhantes às placas duras e escamosas, chamadas osteodermos, que blindam a pele dos tatus atuais – apresentavam indícios de terem sido modificados em pingentes primordiais, com entalhes e orifícios que pesquisadores disseram que só poderia ter sido criado por pessoas.
“Este é um estudo realmente significativo porque se soma a um crescente corpo de dados sobre a antiguidade da ocupação humana nas Américas”, disse April Nowell, arqueóloga paleolítica da Universidade de Victoria, que não esteve envolvida no projeto. “Também mostra a importância dos ornamentos pessoais.”
A preguiça terrestre gigante apareceu pela primeira vez na América do Sul há 35 milhões de anos. Algumas espécies eram tão pesadas quanto os elefantes modernos e, erguendo-se sobre as patas traseiras, tinham mais de 3 metros de altura. O enorme herbívoro, um parente distante da preguiça arbórea muito menor de hoje, tinha mandíbulas enormes e membros com garras poderosas, e pode ter servido de inspiração para o mapinguari, uma besta mítica que, na lenda amazônica, tinha o péssimo hábito de torcer o cabeças de humanos e devorá-los. A preguiça gigante desapareceu do continente há cerca de 11.000 anos, mas os restos fósseis abundam.
Três métodos de datação, aplicados a três camadas de sedimentos, osteodermos e partículas de carvão em Santa Elina, indicaram que os humanos deixaram uma marca na camada mais antiga e profunda há cerca de 27.000 a 23.000 anos. Desde então, as pessoas ocuparam o abrigo em diferentes épocas: de 17.000 a 13.000 anos atrás na camada intermediária e depois de 6.000 anos atrás na camada superior, dizem os pesquisadores. “A grande questão é: esses artefatos foram feitos por humanos durante sua coexistência com as preguiças?” disse Mirian Liza Alves Forancelli Pacheco, autora do estudo e arqueóloga da Universidade Federal de São Carlos, no Brasil.
Com a forma de triângulos e lágrimas, os três peculiares ossos de preguiça encontrados na camada mais profunda pareciam ter sido suavizados e perfurados. “Orifícios completos ou parciais foram claramente perfurados perto das bordas, como se tivessem sido projetados para serem enfiados em uma corda”, disse o Dr. Pacheco.
Marcações microscópicas sugeriram que os osteodermos, e até mesmo seus orifícios, foram polidos por mãos humanas. Nem a abrasão natural nem as mordidas de animais poderiam explicar sua textura e forma, disse Thais Rabito Pansani, paleontóloga da Universidade Federal de São Carlos e primeira autora do artigo. Análises posteriores revelaram arranhões indo em direções diferentes e goivas de ferramentas de pedra feitas alguns dias a alguns anos após a morte das preguiças, mas antes que os ossos fossem fossilizados.
“Em nossa opinião, os primeiros humanos que viveram no abrigo transformaram os ossos em ornamentos pessoais, possivelmente pingentes, que ao longo do tempo se desgastaram devido ao uso intenso”, disse Pansani. Isso as tornaria as joias conhecidas mais antigas desenterradas nas Américas e as únicas bugigangas no registro arqueológico conhecidas por terem sido feitas de osso de preguiça gigante.
“Os autores mostram evidências muito convincentes de uma modificação antropogênica dos ossos da preguiça”, disse Mercedes Okumura, arqueóloga da Universidade de São Paulo. “Tal estudo pode ajudar a esclarecer o uso de adornos pelos primeiros americanos, bem como sobre a interação entre os humanos do passado e a megafauna nas Américas.”
Por milhares de anos, observou o Dr. Nowell, o corpo humano tem sido um local para a criação e expressão da identidade individual e grupal, e relíquias como bugigangas de preguiça gigante desempenham um papel vital nesse processo. “Adoro o fato de que essas contas estão muito gastas por serem amarradas ou esfregadas na pele, pano ou outras contas”, disse ela. “Isso mostra o valor desses objetos; sugere que eles foram usados por um longo tempo.
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