Uma coxinha é o que o estudante de medicina Cesar Carvalho, de 22 anos, come ao longo das 12 horas do estágio no hospital, durante o período de internato. Não por falta de tempo para uma refeição mais equilibrada, mas porque “é o que dá para pagar”.
Há 5 anos, quando saiu de Orós, município de 21 mil habitantes no Ceará, para morar em São Paulo, o jovem conseguia se sustentar com um pouco mais tranquilidade. Como bolsista integral do Programa Universidade Para Todos (Prouni) – que paga a mensalidade de estudantes em universidades privadas – Cesar ganhava R$ 400 de auxílio do governo para custear transporte, alimentação e materiais didáticos do curso.
O benefício, no entanto, nunca foi reajustado pelo Ministério da Educação (MEC) – desde 2012, quando a bolsa-permanência foi criada para apoiar os alunos de baixa renda, o valor continua exatamente o mesmo (leia mais sobre quem tem direito ao final desta reportagem). Se fosse corrigido pela inflação (IPCA-IBGE) destes 10 anos, subiria para R$ 753,52 em agosto de 2022.
O g1 perguntou à pasta por que a quantia está congelada há uma década, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
“Em 2017, quando cheguei a São Paulo, os R$ 400 salvaram minha vida. Agora, o dinheiro não dá mais conta. A gente tira comida do prato para poder continuar estudando”, conta Cesar.
Como os horários da faculdade de medicina e dos estágios não remunerados tomam o dia inteiro, a fonte de sustento do jovem é apenas este auxílio do governo.
Analisando o orçamento do MEC, percebe-se também um “encolhimento” da verba total direcionada à bolsa-permanência: caiu de R$ 92,9 milhões em 2013 (primeiro ano em que foi discriminada separadamente) para R$ 42,8 milhões em 2022 (valores corrigidos).
Ou seja: o valor atual é apenas 39,7% do que era destinado ao pagamento da bolsa-auxílio em sua origem.
Sem as respostas da pasta aos questionamentos do g1, não é possível comparar o número de beneficiários nestes dois períodos. Sabe-se apenas que, em agosto de 2022, 9.220 alunos receberam o auxílio.
“É muito recente a entrada em universidades de jovens anteriormente excluídos. Não ter um valor razoável [de assistência] prejudica cada um desses alunos”, diz Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV e ex-diretora de Educação do Banco Mundial.
“Para um ensino realmente inclusivo, a bolsa-assistência é tão importante quanto o Prouni.”
Antes da pandemia, Cesar conseguia vender marmitas aos colegas nos intervalos e ainda contar com uma pequena ajuda financeira dos pais (agricultores que ganhavam menos de 1,5 salário-mínimo cada). No entanto, com a suspensão das aulas presenciais e com a “crise econômica na roça”, como o jovem define, as duas fontes de dinheiro secaram.
“Não dá mais para sobreviver em São Paulo, porque a gente tem uma carga horária absurda no curso de medicina. Nossa rotina é massacrante. Tive de me mudar, porque ou eu pagava o aluguel, ou comia”, afirma o jovem.
Ele saiu da república onde morava, perto da Uninove (campus Vergueiro), e passou a alugar um quarto no município de Caieiras, a mais de 40 km da instituição de ensino.
“Os plantões exigem ainda mais deslocamentos, e nem sempre tem metrô perto. Saio às 4h30 de casa e volto quando Deus quiser.”
Sem o reajuste da bolsa-permanência do Prouni, Cesar já pensou em desistir do curso de medicina.
“Sou rapaz do interior, estudando em faculdade de burguês de primeira linha. É muita frustração. Já me perguntei se meu lugar não é o Ceará mesmo, onde eu provavelmente seria agricultor.”
A maranhense Vanessa Oliveira, de 25 anos, também enfrenta dificuldades para cobrir os gastos da faculdade (e da mudança de estado): ela faz medicina em uma faculdade privada ITPAC, de Porto Nacional, no Tocantins.
“Sei que os R$ 400 não são para sustentar o bolsista do Prouni. Mas, sem reajuste, fica muito apertado com a renda familiar tão baixa. Só o aluguel custa R$ 550. Não consigo comprar os materiais e pagar os xerox das aulas”, conta.
“Preciso abrir mão de muita coisa. Tem meses em que não compro carne. A vida de bolsista é esta: escolher trocar o almoço pelo jantar.”
Vanessa Oliveira, de 25 anos, diz que o reajuste no auxílio-permanência do Prouni seria importante para custear as despesas da faculdade — Foto: Arquivo pessoal
Giovana Arruda, de Paulínia (SP), aguarda o resultado do Prouni do 2º semestre, mas sem esperanças de poder se matricular em medicina.
Como o curso é integral, ela teria de abrir mão de seu emprego como recreadora e recepcionista de um buffet infantil (o expediente é das 11h às 23h). Restariam apenas os R$ 400 do auxílio do governo – insuficientes para cobrir os gastos de morar sozinha em outra cidade.
“Terminei o ensino médio há 5 anos e nunca consegui passar na faculdade. Agora, tenho chance, mas já sei que precisarei esperar mais um ano e fazer o Enem de novo [para tentar passar em uma universidade pública]. Só o aluguel de um quarto em Paulínia [onde fica a faculdade] custa R$ 500”, conta.
“Tenho origem humilde. A gente cresce e passa a ajudar os pais, e não o contrário.”
Giovana Arruda trabalha em um buffet infantil. Se for aprovada em medicina no Prouni, terá de largar o emprego, porque o curso é integral — Foto: Arquivo pessoal
O MEC afirma que o auxílio é pago para que os bolsistas do Prouni consigam estudar “sem sacrificar o orçamento familiar”.
Para ter direito ao benefício, é preciso:
Quem repassa o pagamento mensalmente é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que também não havia respondido às perguntas do g1 sobre o reajuste até a última atualização deste texto.
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