As imagens que emergem do Irã comprovam que o regime teocrático vem perdendo a batalha pela juventude. Estudantes de ensino médio se recusam a cantar músicas e hinos que enaltecem o governo comandado por aiatolás. Meninas queimam véus e são espancadas por isso, levadas para prisões e centros de saúde mental.
Após quatro décadas no poder, a autocracia enfrenta dificuldades para subjugar a geração mais jovem aos desígnios instaurados pela Revolução Islâmica no país, que incluem, na sua forma mais drástica, assassinatos de honra, casamentos forçados e espancamentos de mulheres que se recusam a usar o hijab. O regime permanece extremamente impopular entre os jovens, assim como enfraquecem os argumentos de que os protestos são concebidos no Ocidente.
A maior ameaça vem de dentro, como admitiu o próprio líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, recentemente em discurso pela TV: as universidades são mais perigosas do que as bombas de fragmentação. Há um mês, os jovens desafiam autoridades em protestos deflagrados pela morte de Mahsa Amini, de 22 anos, presa pela polícia da moralidade e levada para um centro de reeducação por não usar corretamente o “hijab”.
Jornal iraniano com Mahsa Amini na capa — Foto: Majid Asgaripour/Reuters
Segundo o escritório de direitos humanos da ONU, desde então 23 crianças foram mortas. A organização Direitos Humanos do Irã, baseada em Oslo, vai além: até segunda-feira, 217 pessoas morreram, entre elas 27 crianças. Mahmood Amiry-Moghaddam, diretor da ONG, é taxativo sobre os abusos aos que não se enquadram às regras:
“Crianças e adolescentes iranianos têm o direito de desfrutar de uma vida em ambiente igualitário, livre dos ensinamentos ideológicos do governo. São os líderes e funcionários da República Islâmica que precisam de ‘correção’ de sua perspectiva medieval.”
A idade média dos presos nos protestos é de 15 anos, conforme admitiu o vice-comandante da Guarda Revolucionária do Irã. Corajosas meninas desafiam as forças de segurança, pregam o fim do governo e pagam caro por isso. Asra Panahi, de 16 anos, foi espancada e morta depois que a escola foi invadida por policiais, e seu grupo se recusou a cantar um hino elogiando o aiatolá Khamenei.
Amigos denunciam o desaparecimento da alpinista Elnaz Rekabi, que competiu em um torneio internacional em Seul sem o hijab, e teria sido levada de volta a Teerã mais cedo do que a equipe.
A atleta iraniana Elnaz Rekabi compete sem cobrir os cabelos durante a final do Campeonato Asiático de Escalada, em Seul, no dia 16 de outubro de 2022 — Foto: Rhea Khang/Federação Internacional de Escalada Esportiva via AP
Até agora, a repressão de forças de segurança sobre os jovens tem retroalimentado mais protestos, movidos também pela falta de perspectivas da nova geração no futuro, sob os valores impostos pela teocracia. Sem contar a alta taxa de desemprego – cerca de 40% – entre os jovens.
Ainda é cedo para dizer se o movimento, ainda sem liderança, inflamará a ponto de provocar a mudança de regime, como ecoam as vozes nas ruas. Mas é nítida a desordem instaurada na República Islâmica, que precisará fazer mais, além de recorrer aos métodos já conhecidos para reprimir a insatisfação.
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