Protestos no Irã: como crise econômica impulsionou manifestações contra o governo | Mundo

Nas últimas três semanas, os gritos de “mulher, vida, liberdade” e “morte ao ditador” foram ouvidos em dezenas de cidades em todo o Irã, enquanto manifestantes demonstraram sua raiva contra as leis obrigatórias do hijab (véu muçulmano) e contra o líder supremo, Aiatolá Ali Khamenei.

Os protestos foram desencadeados pela morte no mês passado de Mahsa Amini, uma mulher de 22 anos que entrou em coma depois de ser detida pela polícia moral por supostamente não cobrir suficientemente a cabeça.

Embora as pessoas tenham saído às ruas para expressar sua indignação com a repressão política e social na República Islâmica, a situação da economia já havia criado uma sensação de desespero.

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De 1990 ao final dos anos 2000, a economia iraniana estava em uma trajetória ascendente. Mas começou a declinar depois que as potências mundiais impuseram sanções incapacitantes em um esforço para fazer os líderes iranianos concordarem em limitar suas atividades nucleares.

O acordo nuclear de 2015 trouxe alívio dessas sanções. No entanto, os benefícios econômicos foram de curta duração, pois menos de três anos depois, o então presidente dos EUA, Donald Trump, abandonou o acordo e restabeleceu as sanções dos EUA que interromperam a maior parte das exportações de petróleo do Irã.

Crescimento econômico foi limitado por sanções — Foto: BBC

As sanções, juntamente com má gestão econômica e corrupção, significaram que a economia iraniana não teve crescimento substantivo na última década. E por algumas medidas, ainda é 4 a 8% menor do que em 2010.

Mulheres fora do mercado de trabalho

Com uma economia estagnada, não é surpresa que o número total de pessoas trabalhando pouco tenha mudado na última década. Ele ficou em torno de 23 milhões, apesar da população crescer de 75 milhões para 85 milhões.

E as mulheres foram mais atingidas que os homens, especialmente nos últimos anos. A busca do governo por taxas de natalidade mais altas e por enfatizar o papel das mulheres como donas de casa – sob as ordens do líder supremo – resultou em um declínio significativo no número de mulheres no trabalho.

Só 11,6% das iranianas estão no mercado de trabalho — Foto: BBC

Nos últimos quatro anos, enquanto o número de homens empregados aumentou ligeiramente, o número de mulheres empregadas diminuiu.

As perspectivas são particularmente sombrias para as mulheres graduadas na universidade. A taxa de desemprego entre eles atualmente é de 22,3% – mais que o dobro da taxa entre os homens graduados.

Enquanto muitos países estão repentinamente tendo que lidar com taxas de inflação de dois dígitos, elas têm sido a norma no Irã há muitos anos.

Como resultado, o custo de bens e serviços aumentou 1.135% na última década.

O aumento dos preços dos alimentos é ainda mais impressionante. O frango é quase 20 vezes mais caro do que há 10 anos, enquanto o preço do óleo de cozinha é 40 vezes maior.

Aumento médio do preço nos últimos 10 anos — Foto: BBC

No início deste ano, a decisão do governo de parar de subsidiar importações de alimentos como ração para gado, farinha de trigo e óleo vegetal fez com que os preços de muitos alimentos, como massas, laticínios e carnes disparassem da noite para o dia.

Em apenas um mês, os preços dos alimentos aumentaram 26%, enquanto a taxa geral de inflação deve atingir 47% em março de 2023.

No começo do ano, Maryam (nome fictício) disse à BBC Persian (serviço persa da BBC) que havia desistido de comprar carne ou frutas.

“Você pode sobreviver sem comprar frutas. Mas já se passaram quatro meses desde que meu arroz acabou e não posso comprar esse produto. Comprar carne tornou-se impossível”, disse ela.

Nos últimos cinco anos, o valor da moeda iraniana, o rial, caiu quase 90%. Em 2017, um dólar americano no mercado aberto valia pouco menos de 40 mil riais. Hoje, vale mais de 330 mil riais.

A maior parte da queda no valor do rial aconteceu no final de 2017 e início de 2018, quando ficou claro que os Estados Unidos pretendiam se retirar do acordo nuclear com o Irã, impor sanções pungentes à principal fonte de renda externa do Irã e restringir severamente seu acesso ao sistema bancário mundial.

O rial perdeu 90% de seu valor em uma década — Foto: BBC

Todos esses fatores se combinaram para causar uma prolongada queda nos padrões de vida.

Os números mostram que o consumo médio anual das famílias no Irã melhorou significativamente entre o início dos anos 1990 e meados dos anos 2000. No entanto, desde então, diminuiu 29% nas cidades e quase 50% nas áreas rurais.

Em outras palavras, as famílias iranianas são, em média, muito mais pobres do que há 15 anos.

Valor gasto pelas famílias caiu na última década — Foto: BBC

Não é difícil entender a sensação de desespero que muitos jovens iranianos sentem em relação às suas vidas.

Com o enfraquecimentos nos últimos meses da perspectiva de os EUA retornarem ao acordo nuclear e suspenderem suas sanções, o Irã deve permanecer um país isolado, com o governo contando com a venda de petróleo no chamado mercado cinza para sobreviver.

As autoridades iranianas, e especialmente o líder supremo, querem construir uma “economia de resistência”. Eles querem que o Irã seja ainda mais introspectivo e economicamente autossuficiente, para que possam continuar suas políticas externas antiamericanas e anti-Israel.

Mas com pouca esperança de uma vida melhor e mais próspera no futuro, muitos iranianos agora protestam contra o governo da República Islâmica.

Presidente do Irã acusa EUA de interferir nos assuntos do país e incitar o caos

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