Projeto de 'lei trans' provoca divisões na esquerda espanhola


Uma parte das feministas é contra o projeto, que facilita a autodeterminação de gênero já na adolescência. Pedro Sanchez em discurso em 21 de dezembro de 2022
Oscar del Pozo / AFP
O projeto de lei sobre os direitos das pessoas transgênero, que os deputados da Espanha devem votar nesta quinta-feira (22), provoca divisões na coalizão de esquerda que governa o país e também dentro do movimento feminista.
O Ministério de Igualdade propôs uma lei que dê igualdade real e efetiva para as pessoas trans e a garantia dos direitos LGBTQIA+.
Com a nova lei, as principais mudanças serão as seguintes:
Cidadãos maiores de 16 anos poderão mudar o nome e a menção relativa a seu sexo nos documentos de identidade sem que seja necessário apresentar qualquer atestado médico nem confirmar que se submeteu a um tratamento hormonal durante pelo menos dois anos, como se exige atualmente para os maiores de idade;
Os menores de idade poderão mudar de gênero a partir dos 14 anos, se contarem com a assistência de seus tutores legais no processo;
Os jovens a partir de 12 anos também poderiam solicitar a mudança no Registro Civil, mas apenas sob algumas condições, algo que foi objeto de duras discussões no governo nos últimos meses.
Veja abaixo um vídeo sobre as deputadas trans eleitas no Brasil em 2022.
Quem são as deputadas trans eleitas em 2022?
O governo espanhol é liderado por Pedro Sánchez, do Partido Socialista Espanhol, mas esse ministério é administrado por um outro partido de esquerda, o Podemos.
O projeto de lei deve ser aprovado pelo Legislativo. Se isso acontecer, a Espanha vai se tornar um dos poucos países do mundo que autorizaram a autodeterminação de gênero apresentando apenas uma solicitação pessoal.
Em outubro, a ministra de Igualdade, Irene Montero, afirmou que “as pessoas trans e a comunidade LGBTQIA+ não podem esperar mais para o reconhecimento de todos os seus direitos”.
Discussões na Espanha
Rechaçado totalmente pela direita, o polêmico projeto não gerou tensões apenas na coalizão, mas também causou divisões no movimento feminista.
Para figuras de peso do feminismo espanhol, a lei representa um retrocesso nos direitos das mulheres e poderia gerar problemas para os jovens, uma postura que é tachada de “antitrans”, e inclusive transfóbica por parte das defensoras da inclusão do coletivo.
Com este projeto de lei, estão introduzindo “um cavalo de Troia no feminismo”, afirmou Lola Venegas, porta-voz da Aliança Contra o Apagamento das Mulheres, que teme que a autodeterminação de gênero represente “um retrocesso brutal” aos direitos das mulheres.
Com esse texto, as pessoas do sexo masculino que mudarem de gênero poderão competir nos esportes femininos ou entrar em presídios de mulheres, disse ela.
Para os opositores da lei, o direito à autodeterminação para os menores de idade é controverso. Apesar de os socialistas terem pressionado para introduzir uma emenda que obrigasse a estender o aval judicial para os jovens de 14 e 15 anos, a proposta acabou sendo rejeitada.
Dentro do Partido Socialista, as divisões foram ainda mais profundas, levando, inclusive, a veterana ativista Carla Antonelli (a primeira mulher trans que se elegeu deputada regional na Espanha) a deixar o partido em outubro, após décadas de militância.
“Se o socialismo não for corajoso, não é socialismo”, escreveu na época Antonelli no Facebook, lamentando que seus anos de trabalho pela autodeterminação de gênero tenham terminado em um “pesadelo dantesco, de transfobia, exclusões, humilhações internas e externas”.

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