Ciro Possobom analisou o cenário econômico que motivou a montadora a anunciar R$ 16 bilhões em suas fábricas no Brasil até 2028. O mercado automotivo brasileiro passa por um ciclo histórico de investimentos. Montadoras que atuam no país anunciaram recentemente aportes que, juntos, chegam a R$ 117 bilhões, conforme dados compilados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O montante representa um recorde para o setor.
Entre os novos anúncios, está o plano da Volkswagen de aplicar R$ 16 bilhões nas suas quatro fábricas no Brasil até 2028. São R$ 9 bilhões novos que se somam aos R$ 7 bilhões divulgados em 2021 pela montadora.
O valor total prevê a fabricação de 16 novos veículos, incluindo modelos híbridos, 100% elétricos e total flex, além de “projetos inovadores” e “foco em descarbonização”. A montadora informou ainda que irá produzir quatro veículos inéditos — entre eles, uma picape.
Conforme mostrou o g1, o cenário positivo para a indústria ocorre em um contexto de melhora na perspectiva de crédito, diante do ciclo de quedas da Selic, a taxa básica de juros brasileira. Esse é um fator crucial para o setor, que é bastante dependente de financiamentos.
Para analisar o cenário e comentar os novos investimentos da Volkswagen, o g1 foi recebido pelo CEO da empresa, Ciro Possobom. Na análise do executivo, a nova onda de aportes é consequência, principalmente, de um cenário mais positivo após a pandemia de Covid-19 e depois do pico de escassez de semicondutores — equipamento fundamental para a indústria automotiva.
“Quando a cadeia de fornecimento começa a restabelecer o que era antes de 2019, a gente pode realmente ter mais força para anunciar esses planos de investimentos. É por isso que muitas montadoras estão anunciando nesse período”, diz.
Possobom destaca que esse é um momento em que o setor automotivo está se transformando de uma indústria a combustão para uma mais eletrificada, com carros híbridos e os 100% elétricos.
“É o momento também da Volks anunciar esse trabalho”, diz o CEO da montadora, que vê na produção de modelos híbridos a grande novidade do ciclo de investimentos da empresa até 2028.
O montante anunciado pela empresa (R$ 16 bilhões) é o segundo mais alto do novo ciclo de investimentos, atrás apenas da Stellantis (R$ 30 bilhões).
Veja os principais pontos da entrevista com o CEO da Volkswagen:
g1 – O que reanimou a Volkswagen aqui no Brasil?
As montadoras têm ciclos. Tivemos o primeiro ciclo de R$ 7 bilhões em investimentos, com o lançamento de vários carros. E também falamos: ‘Nós precisamos fazer mais’.
Agora, nesse momento em que a indústria automotiva está se transformando de uma indústria 100% a combustão para uma indústria um pouco mais eletrificada — com os híbridos e elétricos —, é o momento de a Volks também anunciar esse trabalho.
g1 – Então, era um movimento já previsto?
Estamos em um período logo após a pandemia, que segurou muito os investimentos — não só no nosso setor, mas em vários outros. Em seguida, teve toda a situação dos semicondutores. Isso também segurou as decisões de investimento.
A partir do momento em que isso se equilibra, que toda essa cadeia de fornecimento já começa a restabelecer o que era antes de 2019, a gente pode realmente agora estar mais forte e anunciar esses planos de investimentos.
g1 – E como as perspectivas para a economia do país e para o setor influenciaram os aportes?
O mercado [automotivo] brasileiro ainda é um pouco baixo, mas tem crescido todo ano. E existe uma capacidade ociosa bastante forte no setor como um todo. (…) No ano passado, por exemplo, a Volks avançou quase 30% em volume de vendas.
Isso faz com que a gente acredite mais nesse investimento. Além disso, o cenário de queda na taxa de juros deve ajudar, com impacto no crédito para a pessoa física. E contribui não só para a venda carros, mas também de outros bens de consumo.
CEO da Volkswagen no Brasil, Ciro Possobom posa para foto na fábrica da montadora em São Bernardo do Campo (SP).
Celso Tavares/g1
g1 – O programa Mover também foi decisivo?
O importante do Mover é que ele dá uma direção para as montadoras. O programa atua reduzindo alguns impostos para elétricos e híbridos e penaliza o modelo que funciona só a gasolina — pagando mais imposto do que um carro 100% flex.
Então, o governo está dizendo que o flex e o eletrificado têm vantagens fiscais. Isso nos ajuda. Agora, estamos trabalhando junto ao governo no processo de regulamentação, já que é preciso muito cuidado para o Mover não criar uma superestrutura que encareça mais os carros.
g1 – E o aumento do imposto para importação de elétricos?
As condições têm que ser iguais para todas as montadoras. Seria muito mais fácil trazer um carro importado da China ou da Alemanha do que desenvolver a região. (…) Se você deixa entrar facilmente todos os carros importados, você não desenvolve toda uma cadeia de fornecedores para desenvolver a indústria.
Então, a chegada de novos competidores [no país] e a nossa iniciativa de investir R$ 16 bilhões fazem com que a gente realmente desenvolva toda essa cadeia aqui dentro — o que também ajuda a deixar o carro mais acessível.
g1 – Qual é o principal foco dos novos investimentos da Volkswagen?
Hoje, no Brasil, 85% dos carros são flex e 95,5% são a combustão. Então, apenas 4,5% do mercado são carros eletrificados — modelos que estão em crescimento.
Nesse cenário, dos 16 veículos que vamos produzir, teremos carros flex, híbridos — com foco na tecnologia desenvolvida pela Volkswagen — e, também, elétricos.
g1 – Como ficam os veículos a combustão?
Como nova tecnologia, estamos produzindo os híbridos. Mas também não podemos deixar os carros a combustão para trás, já que essa é grande parte do mercado.
Nós não somos uma montadora de nicho. Somos uma montadora para todo mundo. E se você adiciona uma tecnologia, esse carro fica com preço maior. Então, tem que ter muito cuidado para não deixar o carro muito fora de preço.
g1 – Ainda sobre os elétricos: como a Volkswagen vê a chegada das chinesas BYD e GWM no mercado brasileiro?
Competição. Algumas montadoras saíram, outras estão chegando. Faz parte do negócio. A gente fica contente que eles estão vindo para cá, instalando fábricas, ajudando a desenvolver o país e a cadeia de fornecimento. Isso colabora com o setor como um todo.
Eu falo: ‘Quer vender aqui? Então vem para cá, vem produzir no Brasil’. Isso ajuda no processo. Nesse sentido, a chegada dos elétricos e dos híbridos também força uma reação nossa para, realmente, acompanharmos esse movimento.
g1 – Por fim, quais desafios econômicos e de negócios a Volks enxerga pela frente?
Primeiro, as guerras e os conflitos que estão acontecendo pelo mundo não ajudam a parte do abastecimento das linhas de produção. Tem muita peça que não consegue chegar ao Brasil, formando um desafio de abastecimento que ainda existe aqui.
O segundo desafio é o econômico. As taxas de juros ainda estão elevadas para o cliente comprar — e o nosso negócio é muito dependente de crédito.
O terceiro ponto é a Argentina. O país é um dos grandes parceiros comerciais do Brasil. Nós temos duas plantas lá e somos muito fortes em market share. Se a Argentina não subir, eu não consigo exportar carros do Brasil para lá. Praticamente todas as montadoras têm fábricas no país. Uma Argentina forte, portanto, também ajuda o nosso negócio.
O último ponto é a eletrificação. Qual a velocidade com que ela vai ocorrer no Brasil? Estamos acompanhando também esse movimento.
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