Os jurados de uma corte dos Estados Unidos determinaram nesta quinta-feira (13/10) que Nikolas Cruz, assassino confesso de 17 pessoas em um dos piores massacres em escola da história dos EUA, deve ser condenado à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional. O júri, assim, descartou a possibilidade da pena de morte.
Cruz matou 14 alunos e 3 funcionários da escola secundária Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida, em fevereiro de 2018. Ele confessou os assassinatos em outubro do ano passado.
Ele agora aguarda a sentença final, que será anunciada pelo juiz até 1º de novembro, depois que a Promotoria entrou com um pedido para que famílias das vítimas fossem ouvidas antes da decisão.
O caso é considerado o ataque com arma mais mortal já julgado nos EUA — houve massacres maiores, mas os autores morreram ou tiraram as próprias vidas durante os crimes.
O processo judicial concluído nesta quinta não analisava a culpabilidade do réu, mas sim a pena que lhe correspondia: prisão perpétua ou morte.
Em diversas ocasiões, os jurados reconheceram de forma unânime que os atos de Cruz colocaram “muitas pessoas em risco” e foram “premeditados, calculados, hediondos e cruéis”.
Repetidas vezes eles disseram que os atos eram dignos da pena de morte.
Os rostos dos familiares das vítimas mostraram sua dor quando o juiz leu as 17 acusações contra Cruz — Foto: REUTERS
Porém, o juiz disse que um (ou mais) jurados concordaram que não era possível estabelecer “para além de uma dúvida razoável” que os fatores agravantes do caso superam os fatores atenuantes.
Cruz foi preso no mesmo dia do tiroteio; em sua confissão, ele disse que estava ‘arrependido’ por suas ações — Foto: REUTERS
Álcool como ‘fator decisivo’
O principal argumento de defesa de Cruz foi baseado nas difíceis circunstâncias em que ele cresceu.
Especificamente, os advogados que representavam o jovem assassino se concentraram em sua mãe biológica e nos efeitos que seus problemas com álcool e drogas tiveram no desenvolvimento fetal de Cruz.
De acordo com testemunhas de defesa, Brenda Woodward, mãe natural de Cruz, “excedeu em muito” a quantidade limite de bebida que os médicos acreditam que poderia afetar as mulheres grávidas.
Um dos médicos especialistas que serviu como testemunha de defesa disse que “nunca tinha visto uma mulher grávida beber tanto”.
Com isso, a defesa tentou mostrar que o tiroteio havia sido resultado de problemas mentais “inevitáveis”, decorrentes de uma condição conhecida como síndrome alcoólica fetal.
“O destino dele foi selado desde o útero e, em uma sociedade civilizada e humana, realmente matamos pessoas com danos cerebrais, doentes mentais, quebradas?”, perguntou a advogada Melissa McNeill em seus argumentos finais.
A defesa baseou seus argumentos nos problemas de saúde mental de Nikolas Cruz — Foto: GETTY IMAGES
Cruz foi adotado logo após seu nascimento, em um acordo particular entre os pais adotivos, Roger e Lynda Cruz, e a mãe biológica.
Roger Cruz morreu de ataque cardíaco quando Nikolas tinha 5 anos e, de acordo com o que foi dito durante o julgamento, sua mãe adotiva se sentiu sobrecarregada por criar ele e seu irmão sozinha.
Nikolas Cruz não foi uma criança fácil, como revelam os documentos oficiais.
Ele foi diagnosticado com depressão, TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), desordem comportamental, entre outros transtornos, segundo os registros do Departamento de Crianças e Famílias local.
A mãe também disse aos funcionários da agência que Cruz tinha transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e problemas de temperamento.
Lynda Cruz morreu em novembro de 2017, seis meses antes do tiroteio.
O advogado de defesa McNeill argumentou que uma sentença de morte “não mudaria nada” e “não traria as vítimas de volta”.
Como o argumento principal da defesa se baseou na aptidão mental de Cruz, a Promotoria intimou o psiquiatra forense Charles Scott e o neuropsicólogo Robert Denney para testemunhar.
Os dois puderam entrevistar Cruz em ocasiões diferentes, e a Promotoria exibiu vídeos dessas conversas durante o julgamento — essa prática é incomum, já que ataques a tiros como o de Parkland geralmente terminam com a morte do assassino.
Nas gravações, Cruz diz que pensava em realizar o massacre havia “muito tempo” e que usara vídeos de casos anteriores, como o da escola Columbine (1999) ou o da Virginia Tech (2007), para se inspirar e “treinar”.
“Estudei vários assassinos e como eles fizeram isso, seus planos, o que eles tinham e o que eles usaram”, diz calmamente Cruz, que aparece algemado nos vídeos.
Alguns dos registros feitos por Cruz apresentavam símbolos nazistas — Foto: REUTERS
Sobre a noite anterior ao tiroteio, Cruz disse aos investigadores que não conseguiu dormir, imaginando como seria o coice do rifle semiautomático que ele usou no ataque.
Em suas alegações finais, o promotor Michael Satz lembrou de palavras ditas por Cruz antes do massacre. “Diz-se que o que alguém escreve e o que alguém fala é uma janela para a alma da pessoa”.
“Algumas das declarações que o réu escreveu em sua conta no YouTube foram: ‘Sem piedade, sem perguntas. Vou assassinar crianças. Adoraria ver as famílias sofrerem’.”
“Isso requer planejamento”, acrescentou o advogado, “é antecipar não apenas a imposição de dor” às vítimas, mas “antecipar como a dor, o medo e a morte afetarão as famílias”.
A decisão do júri que poupou Nikolas Cruz da pena de morte foi descrita como “surreal” e “errada” por parentes das vítimas em uma entrevista coletiva realizada após o anúncio.
“Eu não poderia estar mais decepcionado com o que aconteceu hoje”, disse Fred Guttenberg, cuja filha de 14 anos, estava entre os estudantes mortos.
“Estou atordoado. Estou devastado”, disse ele. “Há 17 vítimas que não receberam justiça hoje. Este júri falhou com nossas famílias hoje.”
No momento do anúncio da sentença, Tony Montalto — que perdeu sua filha, Gina, no ataque — balançava a cabeça repetidamente.
Outros familiares podiam ser vistos chorando. Corey Hixon — cujo pai Christopher Hixon morreu no ataque — levantou-se e saiu da sala assim que ouviu a recomendação do júri para uma sentença de prisão perpétua em vez de pena de morte.
Os pais das vítimas de Parkland tornaram-se um grupo de apoio mútuo — Foto: POOL
Falando a repórteres após a audiência, Ilan Alhadeff, cuja filha Alyssa foi morta, disse que o atirador “não era um ser humano — ele é um animal”.
“Rezo para que o animal sofra todos os dias de sua vida na prisão”, disse ele. “E que ele tenha uma vida curta.”
Gordon Weekes, o defensor público do condado de Broward responsável pela equipe de defesa, pediu ao público que “respeite o processo” que levou ao veredito.
Ele acrescentou que acredita que a decisão marca uma “oportunidade solene para refletir sobre o processo de cura que é necessário para esta comunidade”.
Tanto o governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, quanto seu oponente eleitoral, o democrata Charlie Crist, disseram acreditar que o atirador deveria ter recebido a pena de morte.
“Eu simplesmente não acho que qualquer outra coisa seja apropriada, exceto uma sentença de morte neste caso”, disse DeSantis.