Por dentro dos últimos álbuns de Gal Costa: produtores comentam ousadia e gravações em 'takes únicos'


Produtores contam em podcast como Gal analisava as letras e gravava sempre de forma diferente. Kassin diz que colocar AutoTune na voz dela foi como ‘jogar sopa em obra de Van Gogh’. A cantora Gal Costa, durante participação especial para o disco de Gilberto Gil ‘Expresso 2222′, gravado no estúdio da Rádio Eldorado em São Paulo em junho de 1972
Solano José de Freitas/Estadão Conteúdo/Arquivo
Todo mundo conseguia ouvir a potência da voz de Gal Costa nos palcos e nas gravações. Mas, antes de lançar os álbuns e as turnês, como era a cantora no estúdio?
O podcast de música g1 ouviu conversou com Pupillo e Kassin, produtores dos últimos álbuns de Gal, que morreu aos 77 anos nesta quarta-feira (9). Ouça conversa abaixo.
Caetano Veloso chamou Kassin fazer as programações de “Recanto”, álbum eletrônico e experimental de 2011. O músico baiano tinha uma ideia pronta de disco e queria que Gal apenas colocasse a voz na Bahia. Depois, Kassin produziu “Estratosférica” (2015), junto com Moreno Veloso.
Já Pupillo esteve na produção de “A Pele do Futuro”, último disco de inéditas de Gal, de 2021, lançado em 2018. Ele detalha os bastidores da gravação com Marília Mendonça em “Cuidando de Longe” e como era o clima de estreia dos shows.
Veja abaixo cinco histórias que eles contam sobre Gal no estúdio:
1 – Takes únicos
É comum que os artistas gravem várias vezes as músicas durante o processo de produção de um álbum e os produtores vão escolhendo os melhores trechos, que não necessariamente foram gravados em sequência.
Segundo Kassin, essas amplas possibilidades de “recorte” não funcionavam com a Gal.
“Os takes eram completamente diferentes um do outro assim. No primeiro era uma Gal, no segundo era outra e no terceiro outra”, conta.
“Tinha que ter um take bom porque a coisa só fazia sentido quando ela contava a história toda. O tom da voz, o jeito de colocar a letra, o jeito de tudo era outro”.
Leia mais: Gal Costa deixa discografia pautada pela pluralidade de 44 álbuns lançados entre 1967 e 2021
Veja discografia completa de Gal Costa abaixo:
2 – Letra era fundamental
“Baby”, “Meu Bem, Meu Mal”, “Nuvem Negra”, “Chuva de Prata”, “Pérola Negra” e “Barato total’ foram grandes sucessos na voz de Gal. Todas têm em um ponto em comum: uma bela poesia.
Entender e gostar da letra era um fator determinante para gravar uma música.
“A relação dela, na verdade, com as músicas era basicamente com a letra. Se a letra em algum lugar não pegava ela, ela não gravava”.
“Tinha que ler a letra antes de ouvir a música, se não gostasse enquanto letra, ela nem ouvia a música. O texto era absolutamente essencial”.
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3 – O ‘pecado’ de colocar autotune na voz de Gal
Em “Recanto”, Caetano Veloso queria Gal Costa próxima da eletrônica e Kassin, convidado pelo baiano para fazer as programações, usou Autotune, um efeito de correção de voz.
Claro que, no caso de Gal, o objetivo não era corrigir, mas usar o efeito como ferramenta estética e experimental. A ideia de Caetano estava no nome da música? “Autotune autoerótico”
Mesmo assim, o uso pode ser considerado um pecado – até porque, o que melhorar ou corrigir na voz de Gal? Kassin também pensou nisso.
“Lembro que quando eu estava ligando o negócio, eu pensava: ‘não acredito que estou fazendo isso’. Era uma sensação de estar, sei lá, jogando uma sopa em uma obra do Van Gogh”, ele disse aos risos.
4 – Tropicalista com Marília Mendonça
Marília Mendonça e Gal Costa
Divulgação / Carol Siqueira
A vontade de ter uma música gravada por Gal Costa era tamanha que Marília Mendonça mandou dez opções de composições para a cantora escolher.
“Cuidando de Longe” foi a escolhida e, com o arranjo de disco music pronto, Gal fez questão de chamar a cantora sertaneja para gravar junto.
A canção original era um sertanejo com voz e violão, mas foi a escolhida pois tinha potencial para se encaixar na ideia de Gal Costa de transformá-la com um arranjo de disco music.
Quando o plano de construir sertanejo-disco deu certo, Gal fez questão de convidar Marília para, além da assinatura da composição, ser vocalista parceira da faixa. Leia mais do relato de Pupillo.
5 – Nervosa na estreia
Quando os discos estavam prontos, Gal nunca perdeu o espírito de jovem artista. Mesmo consagrada, ela ainda ficava ansiosa antes de mostrar os novos álbuns ao público.
“Eu dirigi a turnê “Estratosférica”, e ela pediu para eu pegar na mão dela e ver como ela estava nervosa”, conta Pupillo.
“Ela falou: ‘até hoje fico nervosa numa estreia de espetáculo”, lembra o produtor. “Uma artista com a importância que ela teve na cultura brasileira ainda demonstrar esse tipo de sentimento… Só mostra o quanto a gente precisa dar valor.”
Gal costa durante apresentação no Festival Coala, em SP
Divulgação/Festival Coala

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