Pelé, às vezes para frustração de ativistas, raramente falou sobre racismo durante sua carreira de jogador ou depois. Ele costumava repetir a visão consensual de que o Brasil era de fato uma “democracia racial”, uma posição que foi desafiada com o crescimento do movimento da consciência negra. Sua recusa em assumir posições políticas também se destacou em um período em que o Brasil era governado por uma série de ditaduras, durante as quais os militares brasileiros buscavam aproveitar a popularidade do futebol para manter seu domínio sobre o país.
“Achei que o comportamento dele era de um negro que só falava ‘sim senhor’, um negro que é submisso, aceita tudo”, disse Paulo Cézar Lima, ex-companheiro da seleção brasileira, em entrevista coletiva em 2021 documentário netflix feito com Pelé. “Uma única palavra teria significado tanto no Brasil.”
No entanto, para alguns de seus outros compatriotas, a própria presença de Pelé como um brasileiro negro reconhecido mundialmente era suficiente. Enfrentar uma ditadura, afinal, trazia riscos.
O legado de Pelé foi selado na Copa do Mundo de 1970, torneio que inicialmente não queria disputar. A seleção brasileira, bicampeã, havia sido eliminada na fase de grupos do campeonato de 1966 na Inglaterra, com Pelé literalmente expulso do torneio pela violência do adversário brasileiro. Ele estava chegando aos 30 quando o torneio de 1970 se aproximava e disse que já tinha o suficiente. No entanto, seu país e seus líderes militares queriam que ele fosse, e ele finalmente cedeu à pressão e viajou para o México com um time que poucos acreditavam que poderia conquistar o título.
O fato de ter feito isso, em grande estilo e com Pelé no coração, trouxe alegria a um país que vivia um dos anos mais sombrios de sua história moderna, época em que o governo de Emílio Garrastazu Médici matou e fez desaparecer dezenas de opositores e torturaram milhares mais.
“Estou convencido de que ajudei muito mais o Brasil com meu futebol, com meu jeito de ser, do que os políticos cujo trabalho era fazer exatamente isso”, disse Pelé, de aparência frágil, aos cineastas da Netflix para o documentário lançado no ano passado .
À medida que a estrela de Pelé crescia, também crescia a do futebol brasileiro. Seu time, o Santos, que havia dado a estreia a Pelé aos 15 anos, tornou-se uma força global. Com Pelé em suas fileiras, foi atraído para a Europa para turnês de meses, onde assumiu – e desmontou – alguns dos maiores clubes da Europa. Esses times europeus logo perceberam o que era o Brasil, diria Pelé. Mas ele sempre voltava para casa.
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