Enquanto Xi Jinping consolida o poder no 20º Congresso do Partido Comunista da China (PCC) nesta semana, as mulheres chinesas não estão esperando por muito para a igualdade de gênero.
A década de Xi como secretário-geral do partido viu o número de mulheres na política e nos cargos de elite do governo diminuir e as disparidades de gênero na força de trabalho aumentarem, dizem acadêmicos e ativistas. As vozes feministas também foram silenciadas e, nos últimos anos, o governo enfatizou cada vez mais o valor dos papéis tradicionais das mulheres como mães e cuidadoras, acrescentam.
Mao Zedong, o pai fundador da República Popular, disse que “as mulheres seguram metade do céu” e a igualdade de gênero está consagrada na constituição do país.
Mas, sob Xi, o poder tornou-se muito mais concentrado em comparação com como era 10 ou 15 anos atrás, quando coalizões concorrentes na política chinesa buscavam ser favorecidas pelas mulheres — o que resultou em mais representação feminina, segundo Cheng Li, especialista em política chinesa da Brookings Institution, nos Estados Unidos.
“[Agora,] a tendência é geralmente as mulheres servirem como deputadas ou [terem] cargos mais simbólicos”, explica a estudiosa.
O congresso, realizado a cada cinco anos, está pronto para ver o mais alto grupo de liderança do partido — o Comitê Permanente do Politburo, composto por sete membros — permanecer, como sempre, composto apenas por homens.
Para o comitê geral, de 25 membros, a única candidata óbvia a ingressar é Shen Yiqin, chefe provincial do partido. Atualmente, a única mulher que faz parte do grupo é Sun Chunlan, de 72 anos, que liderou a política de zero covid-19 da China — e espera-se que ela se aposente em breve.
Sun Chunlan participa de uma coletiva de imprensa após a sessão de encerramento da Assembleia Popular Nacional da China (APN), em 2018 — Foto: AP Photo/Mark Schiefelbein
O próximo grupo na hierarquia do PCC é o comitê central, que conta com 371 membros titulares e suplentes, sendo 30 do sexo feminino — aproximadamente 8%. Em 2007, elas ocupavam 10% das cadeiras.
E dos 31 governadores de nível provincial da China, apenas duas são mulheres.
A falta de mulheres em cargos mais altos na política parece estar em desacordo com um amplo esforço do PCC para aumentar a representação feminina: a proporção de mulheres membros do partido foi de 24% em 2012, para 29% em 2021.
Em outras áreas, como nos negócios, por exemplo, as mulheres também têm tido progressos significativos.
De acordo com um relatório do provedor global de índices MSCI, elas representavam 13,8% dos conselheiros de empresas da China em 2021, ante 8,5% em 2016. Além disso, cerca de 55% das startups de tecnologia chinesas são fundadas por mulheres, mostram dados do governo.
Mesmo assim, a falta de líderes femininas no governo faz diferença — e, segundo os especialistas, essa ausência causou reveses para as mulheres.
“Isso realmente se infiltra em coisas que vemos na sociedade”, afirma Valarie Tan, do Instituto Mercator para Estudos da China, na Alemanha. “Direitos das mulheres, taxas de natalidade, disparidade salarial entre homens e mulheres e coisas como abuso doméstico.”
A Federação das Mulheres, que é o órgão do governo chinês responsável pelos direitos femininos, não respondeu a um pedido de comentário da “Reuters”. Em declaração de 27 de setembro, a instituição afirma que a China fez “progresso constante nas causas das mulheres” na última década e as mulheres do país desfrutam de direitos iguais.
Em um momento em que muitos países fizeram progressos na redução das diferenças de gênero na força de trabalho, educação, saúde e política, a China agora ocupa o 102º lugar (de 146) no ranking de desigualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial. Em 2012, ano em que Xi chegou ao poder, o país estava na 69ª posição.
“O ambiente certamente piorou”, diz Grace Wang, de 28 anos. “Isso não significa que era bom antes, sempre foi ruim, só que agora a exploração se tornou mais conveniente.”
A chinesa acredita que foi desconsiderada para avançar em um emprego anterior por causa de seu gênero e que, ainda hoje, em outro trabalho, enfrenta problemas semelhantes. “Minha atitude atual em relação à minha carreira é apenas ganhar dinheiro suficiente para sobreviver”, relata.
Em um passo à frente, a China sinalizou em dezembro passado planos para revisar uma lei para dar às mulheres mais proteção contra discriminação e assédio sexual no local de trabalho — uma revisão que teve dezenas de milhares de pessoas sugerindo emendas.
Contudo, os especialistas e ativistas estão preocupados com a retórica do governo sobre o valor dos “papéis tradicionais” das mulheres, que aumentou com a a crise demográfica da China: a nação tem uma das menores taxas de natalidade do mundo, uma crescente relutância em ter filhos e uma população em rápido envelhecimento.
O presidente chinês, Xi Jinping, discursa durante a cerimônia de abertura do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China em Pequim, China, 16 de outubro de 2022 — Foto: Ju Peng/Xinhua via AP
Em um discurso de julho de 2021, por exemplo, Xi falou da importância da igualdade de gênero, mas também disse que as mulheres chinesas deveriam ser “boas esposas, boas mães” e que deveriam assumir a “missão de seu tempo, vincular intimamente seu futuro e destino com o futuro e o destino da pátria”.
Especialistas também apontam retrocessos mais concretos para os direitos das mulheres.
A China desencorajará abortos que não sejam medicamente necessários, disse a Autoridade Nacional de Saúde em agosto, provocando protestos nas mídias sociais. Da mesma forma, uma nova lei que impõe um período de reflexão de 30 dias após o pedido de divórcio provocou indignação generalizada, inclusive por parte de grupos preocupados com vítimas de abuso doméstico.
Além disso, o ativismo feminista, que parecia estar ganhando força na China em 2018 com o movimento #MeToo, é rapidamente anulado pelo governo com o cancelamento forçado de eventos, discussões online censuradas e ativistas presos.
“O movimento feminista agora é muito fraco e carece de liberdade para evoluir. Muitos movimentos sociais foram silenciados e as mulheres não têm livre arbítrio”, disse Lu Pin, ativista e fundadora do extinto canal de mídia online Feminist Voices.
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