Mas o problema vem de muito antes, da própria fundação do país. A República, afinal, foi proclamada após um golpe militar em 1889. “Os militares,” como disse uma vez o eminente advogado brasileiro Heráclito Sobral Pinto“nunca aceitaram não ser os donos da República.” Nos 130 anos que se seguiram, eles pairaram sobre o Brasil — nas palavras do cientista político Adam Przeworski, referindo-se a democracias sufocadas por arrogantes militares — “como sombras ameaçadoras, prontas a cair sobre qualquer um que vá longe demais na ameaça a seus valores ou seus interesses.”
E esses interesses são consideráveis. Mesmo sem nenhuma guerra à vista, o Brasil tem o 15o maior exército permanente no mundo, com 351 mil militares ativos, 167 mil inativos e 233,4 mil pensionistas, de acordo com o Portal da Transparência. Em termos de folha de pagamento, o governo federal gasta mais com defesa do que com educação – e quase cinco vezes mais do que gasta com saúde. (A propósito, o país tem um gigantesco sistema de saúde pública.) A previsão de orçamento do Ministério da Defesa para este ano é de 23 bilhões de dólares, 77 por cento dos quais são destinados a despesas com pessoal.
Os militares desfrutam de inúmeros privilégios, tendo seus próprios sistemas de educação, moradia, saúde e até justiça criminal. De forma bastante reveladora, eles foram retirados da nossa recente reforma previdenciária. Sorte a deles: em 2019, a remuneração média de um militar na reserva era mais de seis vezes a de um aposentado do INSS.
E não são só os membros das Forças Armadas que se beneficiam de tamanha generosidade, mas também suas famílias. Por exemplo, as 137.900 filhas solteiras de militares que irão receber a pensão dos pais para o resto da vida — a lista inclui as duas filhas do falecido coronel Carlos Alberto Brilhante Ustraque foi acusado de torturar centenas de pessoas e se aposentou com os vencimentos de um marechal.
Depois que Bolsonaro se tornou presidente em 2019, os militares inundaram a administração civil. Em 2020, 6.157 militares — metade deles na ativa — trabalhavam para o governo federal, mais do que o dobro do número de 2018. A certa altura, 11 dos 26 ministros da gestão Bolsonaro eram militares da ativa ou da reserva, incluindo o ministro da Saúde durante boa parte da pandemia, o general Eduardo Pazuello, que ainda está para ser responsabilizado por seus crimes.
Pouco a pouco, o novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, está tentando retirar os funcionários militares do governo — sobretudo após a insurreição de 8 de janeiro, na qual os fardados tiveram um papel nebuloso. Se não participaram dos ataques, decerto não fizeram muito para evitá-los. Em janeiro, Lula demitiu o comandante do Exércitoque supostamente protegeu os vândalos pró-Bolsonaro em um acampamento em Brasília na noite dos ataques. De forma encorajadora, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os militares envolvidos nos ataques serão julgados por um tribunal civil.
É um começo, mas ainda há muito a fazer antes de ficarmos livres da sombra dos militares. Só então finalmente poderemos relegar seus planos para o reino da fantasia, que é o lugar a que pertencem.
Vanessa Barbara é a editora do sítio literário A Hortaliça, autora de dois romances e dois livros de não-ficção em português, e escritora de opinião do The New York Times.
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