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Opinião | Os defensores da Amazônia nunca quiseram ser mártires

Durante anos, Dezinho ignorou as ameaças de morte que recebeu por encorajar colonos pobres a enfrentar fazendeiros e madeireiros. Custou-lhe tudo: em novembro de 2000, ele foi baleado à queima-roupa por um pistoleiro. A polícia que investiga o caso descobriu uma rede criminosa local na qual fazendeiros, oficiais corruptos e pistoleiros trabalhavam juntos para silenciar os oponentes. Uma testemunha-chave disse à polícia que “eles decidiram quem vivia e quem foi assassinado na cidade”.

O que se seguiu foi uma busca por justiça que continua até hoje, tanto no Brasil quanto na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O assassino de Dezinho foi preso e condenado, mas logo escapou e nunca mais foi encontrado. O mentor, um rico pecuarista que agora exporta carne bovina até Hong Kong, também foi preso, processado e condenado por assassinato em julgamentos do júri realizados em 2014 e 2019. Ele nunca cumpriu pena de prisão e, mais de duas décadas após o assassinato, seu caso ainda está sob apelação porque um juiz permitiu que ele apelasse em liberdade.

Ele ainda mora em Rondon do Pará. A viúva de Dezinho, Maria Joel Dias da Costa, também mora na cidade com os quatro filhos. A Sra. Dias agora lidera o sindicato dos trabalhadores rurais e denuncia os abusos dos direitos humanos naquela área da Amazônia. Desde 2004, ela vive sob proteção do Estado, vigiada 24 horas por dia. As mesmas advertências antes dirigidas ao marido agora são dirigidas a ela. Ela disse que quando conheceu o Sr. Lula em 19 de maio de 2005, então em seu primeiro mandato, ela disse a ele: “Eu não quero morrer, Sr. Presidente”.

Somente no século 21, mais de 2.000 pessoas foram mortas em todo o mundo por defender suas terras ou o meio ambiente. O Brasil é responsável por cerca de um terço desses homicídios, sendo que a maioria deles ocorre na Amazônia. O Pará está no topo da lista dos estados mais letais, e o assassinato é apenas a tática mais extrema usada para silenciar os ativistas. Os ativistas também sofrem ameaças de morte e ataques físicos não letais; mulheres ativistas enfrentam agressão sexual.

A Amazônia, especialmente no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, recebeu ampla atenção em questões como taxas de desmatamento e ameaças a ativistas ambientais. Mas sabemos pouco – muito pouco – sobre as lutas diárias dos defensores, sejam comunidades indígenas que lutam para preservar suas terras tradicionais ou ativistas de base como Dezinho e Dias, que têm sido cruciais para expor a ilegalidade que se expande pela fronteira.

“Nossa meta é atingir o desmatamento zero na Amazônia”, disse Lula em seu discurso de posse em 1º de janeiro, apenas uma semana antes manifestantes saqueados prédios do governo em Brasília. “O Brasil não precisa desmatar para manter e expandir sua fronteira agrícola estratégica”, acrescentou.

A prestação de contas será fundamental para a promessa do Sr. Lula. Por muito tempo, o destino da floresta tropical recaiu sobre os ombros de ativistas ambientais, líderes indígenas, ativistas pela terra e juízes, promotores e investigadores estaduais e federais corajosos e determinados. Mas os avanços sociais e ecológicos da sociedade não podem contar com mártires.

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