O que o aplicativo de música Spotify pode nos ensinar sobre a economia | Economia

“Uma semana depois, deixamos a história começar

Estamos saindo no nosso primeiro encontro

Você e eu somos mãos-de-vaca

Então vamos num rodízio

Você enche a sua bolsa, eu encho o meu prato”.

Ed Sheeran e seus compositores provavelmente não estavam pensando na economia global quando escreveram a letra da música “Shape of You”.

No entanto, assim como a maioria das músicas que ouvimos no serviço de streaming Spotify, esse tipo de dado pode dar uma ideia valiosa sobre o humor – e, portanto, o comportamento – dos consumidores. Ao menos é isso o que pesquisadores acreditam que está acontecendo hoje.

Andy Haldane, economista-chefe do Banco da Inglaterra e encarregado de monitorar os dados econômicos do país, diz que, se os economistas querem saber o que está acontecendo, eles deveriam focar em novas áreas de “big data” além das fontes tradicionais de informação.

Em um discurso recente, ele disse que “é estimado que 90% de todos os dados criados foram produzidos nos últimos dois anos. Uma boa parte disso veio como consequência das redes sociais”.

“Capturar os sentimentos e preferências verdadeiros das pessoas é terrivelmente difícil”, ele continuou. “Pesquisas tradicionais com participantes do mercado ou o público em geral tendem a ser enviesadas pela amostra e enquadramento das respostas… Isso pode demandar uma maneira não-tradicional de revelar as preferências e os sentimentos das pessoas”.

O editor de economia da BBC, Kamal Ahmed, diz que, apesar de não achar que Haldane esteja defendendo o abandono da economia tradicional, ele está certo em questionar a eficiência de métodos como pesquisas para entender como opera a economia.

“Perguntamos às pessoas como elas se sentem em relação a X, Y e Z em uma escala de 1 a 10, e isso não bate com o comportamento das pessoas”, diz Ahmed. “A economia comportamental se aproximou muito da economia enquanto disciplina. Entender como as economias operam tem muito mais a ver com como nos sentimos do que o que achamos que estamos fazendo, e nós não somos seres racionais”.

É aí que entram escolhas musicais, como Haldane observa em uma pesquisa recente que usou dados coletados do top 100 da Billboard americana e da Official Charts Company do Reino Unido. Ambos os gráficos são compostos pelas 100 músicas mais tocadas na rádio pública e em serviços online de streaming, além da maior venda em dólares.

Pesquisadores da Universidade de Claremont usaram dados de 2000 a 2016 para categorizar músicas com classificações como energia, dançabilidade, altura e sentimento (positivo ou negativo) por meio do Desenvolvedor API do Spotify, que cria algoritmos para sugerir músicas e playlists personalizadas aos usuários.

Os resultados mostraram que a positividade e a energia das músicas mais populares têm diminuído desde 2000, enquanto o ritmo e a altura se mantiveram estáveis. Já a dançabilidade está em crescimento.

Os pesquisadores também analisaram as letras das músicas para categorizar as canções em oito sentimentos: alegria, tristeza, raiva, medo, nojo, surpresa, confiança e antecipação. Ao observar as músicas mais populares durante 2008, ano de uma difícil crise financeira global, eles descobriram que as músicas com letras associadas a antecipação, nojo, tristeza, medo e raiva aumentaram sua popularidade entre 2008 e 2009 e depois começaram a cair após essa data. De acordo com a pesquisa, “isso indica que as pessoas estão projetando seus estados de espírito na música que decidem ouvir”.

O economista-chefe do Banco da Inglaterra considerou os resultados significativos e percebeu uma outra descoberta da pesquisa. “O índice resultante de sentimentos também rastreia de maneira intrigante os gastos dos consumidores tão bem quanto a pesquisa de Michigan sobre a confiança do consumidor”, diz, em referência ao índice mensal da Universidade de Michigan (EUA), que oferece uma representação nacional dos sentimentos dos consumidores, o que implica nos valores das bolsas e seguros.

“E por que parar na música?”, questiona Haldane. “O gosto das pessoas em livros, TV e rádio também podem oferecer uma janela da alma. Assim como seu gosto em jogos”. Ele usa os jogos World of Warcraft e EVE Online como exemplos de mercados virtuais que dão aos economistas uma oportunidade para aprender mais sobre o comportamento envolvido em gastos.

Então, o que a música que ouvimos e nossas preferências culturais revelam sobre nossas ações como consumidores? As músicas mais ouvidas em 2017 foram “Shape of You”, de Ed Sheeran, “Despacito”, de Luis Fonsi com Daddy Yankee e Justin Bieber, e “Something Like This”, de Chainsmokers com Coldplay.

Todas elas são “uptempo” (ritmo acelerado) e pop. Isso significa que a economia está indo bem, considerando que a ciência apontou que o inverso também é verdade, que tendemos a ouvir músicas melancólicas quando estamos tristes em situação de crise?

Kamal Ahmed diz que não podemos tirar conclusões ainda, já que o mundo muda em um ritmo acelerado.

“O problema é que as informações do Banco da Inglaterra reafirmam teorias que vão décadas e séculos atrás para que você possa julgar essas coisas durante um longo período de tempo”.

Ele avisa que a velha máxima “correlação não implica causalidade” permanece. “Encontrar uma correlação em um ano pode não ser verdade em cinco anos, então é preciso ter cuidado”, diz.

“Você pode achar quase qualquer coisa se olhar com atenção o suficiente porque há bilhões de dados produzidos todos os dias, mas é importante entendermos sentimentos e economia de uma maneira mais século 21”.

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