Em tempos de avanços tecnológicos exponenciais, a proliferação de deepfakes se tornou uma preocupação crescente. Essas manipulações audiovisuais, antes restritas a ficções científicas, agora são uma realidade palpável, com potencial para disseminar desinformação, prejudicar reputações e até mesmo influenciar eleições. Diante desse cenário, a busca por soluções legais eficazes se intensifica.

Contudo, uma abordagem que tem ganhado espaço, mas que merece um olhar crítico, é a utilização das leis de direitos autorais como ferramenta para combater os danos causados por deepfakes. Embora a intenção por trás dessa estratégia possa ser compreensível, é fundamental questionar se o direito autoral, concebido em uma era analógica de escassez, é o instrumento mais adequado para lidar com os desafios da era digital da abundância.

A Inadequação do Direito Autoral na Era Digital

O livro “Walled Culture” (disponível gratuitamente em formato digital)[^1], explora essa inadequação do direito autoral no contexto digital. A obra argumenta que as leis de direitos autorais, criadas para proteger obras em um mundo onde a cópia era difícil e custosa, mostram-se ineficientes e até mesmo contraproducentes em um ambiente onde a reprodução e a distribuição de conteúdo são instantâneas e praticamente gratuitas.

Essa problemática se agrava quando tentamos aplicar o direito autoral para regular deepfakes. Afinal, a criação de uma deepfake muitas vezes envolve a utilização de imagens e vídeos pré-existentes, que podem estar protegidos por direitos autorais. No entanto, a questão central não é a violação desses direitos, mas sim o potencial danoso da deepfake em si.

Os Riscos de uma Abordagem Baseada no Direito Autoral

Ao utilizar o direito autoral como principal ferramenta para combater deepfakes, corremos o risco de desviar o foco da questão central: a desinformação e o dano causado pela manipulação da realidade. Além disso, essa abordagem pode gerar consequências indesejadas, como a restrição da liberdade de expressão e a criação de um ambiente de censura.

Imagine, por exemplo, que uma sátira política utilize uma deepfake para criticar um determinado político. Sob uma interpretação excessivamente rigorosa das leis de direitos autorais, essa sátira poderia ser censurada, mesmo que seu objetivo não seja infringir direitos autorais, mas sim promover o debate público e o escrutínio político. É crucial proteger a liberdade de expressão e a capacidade de comentar e criticar, mesmo que isso envolva o uso de ferramentas tecnológicas complexas.

Em vez de recorrer ao direito autoral, seria mais eficaz buscar soluções que abordem diretamente os danos causados pelas deepfakes. Isso pode envolver a criação de leis específicas para punir a disseminação de deepfakes com o intuito de difamar, fraudar ou manipular o público. Além disso, é fundamental investir em educação midiática para capacitar as pessoas a identificar e questionar deepfakes.

Um Apelo à Reflexão e à Busca por Soluções Adequadas

O combate aos deepfakes é um desafio complexo que exige uma abordagem multifacetada. O direito autoral pode ter um papel limitado nesse contexto, mas não deve ser a principal ferramenta. É preciso repensar as leis e as políticas para a era digital, levando em consideração os valores da liberdade de expressão, da justiça social e do acesso à informação.

Acreditamos que o debate público e a busca por soluções inovadoras são essenciais para enfrentar os desafios das deepfakes de forma eficaz e responsável. Afinal, a luta contra a desinformação e a manipulação da realidade é uma luta por um futuro mais justo e democrático.

É hora de abandonar as soluções fáceis e buscar alternativas que realmente protejam a sociedade dos danos causados pelas deepfakes, sem comprometer os valores fundamentais da liberdade e da democracia. O futuro da informação e da comunicação depende disso.

[^1]: Para mais informações sobre o livro “Walled Culture”, consulte o site oficial: [https://walledculture.org/](https://walledculture.org/)