Ao premiar três destacados defensores dos direitos humanos de Belarus, Rússia e Ucrânia, o Comitê Nobel acende os holofotes sobre os dois ditadores – Vladimir Putin e Alexander Lukashenko –, que vêm dominando o palco de atrocidades no continente europeu. O ativista bielorruso Ales Bialiatski está preso, a ONG russa Memorial foi fechada e o Centro para as Liberdades Civis, da Ucrânia, atua investigando crimes de guerra cometidos durante a invasão ao país.
Pelo segundo ano consecutivo, o Nobel da Paz vai para desafetos do presidente russo, sumariamente execrados da vida política. Agraciado em 2021 como símbolo da resistência, o editor Dmitry Muratov, do Novaya Gazeta, sofreu as consequências por ter ganhado mais visibilidade: perseguido durante a guerra de Putin na Ucrânia, seu jornal teve a licença revogada pelo órgão regulador de mídia, qualificado com a insígnia de agente estrangeiro.
Muratov ainda foi atacado com tinta em uma estação de trem. Um dos raros meios de comunicação independente, o Novaya Gazeta não circula mais na Rússia, mas sobrevive a duras penas somente na internet.
Criada há três décadas pelo físico Andrei Sakharov para manter viva a memória das vítimas do passado totalitário da era soviética, a ONG Memorial teve, em abril passado, o mesmo destino: foi obrigada a encerrar suas atividades, também rotulada pelo Kremlin de receber financiamento estrangeiro.
Como resumiu Tanya Lokshina, diretora associada da Human Rights Watch para Europa e Ásia Central, o Nobel desde anos equivale a um grande gesto de solidariedade com grupos de direitos sitiados por autocratas. Putin, que completa 70 anos nesta sexta-feira, comanda a Rússia há duas décadas e modificou a Constituição para se manter no poder até 2036.
No controle do país há 28 anos, Lukashenko ostenta o título de último ditador da Europa, abalizado pela comunidade internacional como marionete de Putin. Em março, aprovou emendas na
Constituição para garantir imunidade vitalícia a si próprio, numa ação indicativa do clamor que as atrocidades praticadas por seu regime provocam.
Na lógica de ambos, perseguir os crimes do passado significa também entrar em choque com os cometidos no presente. A sina dos que se aventuram a documentar abusos dos direitos humanos e denunciar abuso de poder acaba sendo o silêncio impositivo, a prisão e o ostracismo político.
Por estas razões, rapidamente dissipou-se o argumento de Berit Reiss-Andersen, a presidente do Comitê Nobel da Noruega, de que o prêmio não foi anti-Putin. “Nós sempre damos o prêmio por algo e não contra alguém”, justificou ela. O agente provocador, contudo, monopoliza a cena, e o Nobel da Paz deste ano é novamente sobre o presidente russo.
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