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Nas universidades americanas, 'poder' passa do professor para os alunos


Maitland Jones, que ensinava química orgânica na New York University (NYU), foi demitido após 82 alunos assinarem abaixo-assinado para reclamar da nota, que consideraram muito dura. New York University (NYU)
Divulgação
A recente demissão de um professor, cujos alunos disseram que sua avaliação era muita severa, acendeu o debate nos Estados Unidos sobre as universidades que cedem demais aos desejos de seus alunos.
Maitland Jones, que ensinava química orgânica na New York University (NYU), foi demitido em agosto sem uma entrevista prévia, ou uma explicação clara, deixando-o “perplexo”, disse à AFP.
No caso dele, 82 alunos assinaram um abaixo-assinado para reclamar da nota, que consideraram muito dura.
“Os estudantes que escreveram a petição o abaixo-assinado (…) não conseguiam aceitar o fato de que não estavam indo bem (…) Procuraram alguém para culpar”, alegou Jones, estimando que apenas 25% de seus 350 alunos foram reprovados.
A demissão de Jones aos 84 anos poderia ter passado despercebida se não fosse por um artigo publicado no jornal The New York Times no início de outubro que provocou um debate acalorado.
Antes de trabalhar como professor adjunto na NYU, uma universidade privada, Jones ocupou cargos importantes de ensino nas prestigiadas universidades de Princeton e Yale.
Muitos outros professores manifestaram seu apoio a Jones, denunciando o que consideram o peso desproporcional da opinião dos alunos, alguns com “sensibilidade mais aflorada” pelas tensões sociais e pelos confinamentos relacionados com a pandemia da covid-19.
O poder mudou de mãos
Marty Ross, professor emérito da Northeastern University, na cidade de Boston, acredita que algumas universidades particulares tratam os estudantes com condescendência, em um país onde os alunos são rotineiramente solicitados a dar suas opiniões sobre professores e cursos.
Esses “clientes” – afirmou Ross – tendem a ser hostis em relação a matérias difíceis, ou fora de sua área de especialização, como química orgânica, e “desenvolvem uma atitude do tipo ‘por que precisamos deste curso?'”.
“Se tiverem dificuldades, dão notas baixas ao curso e podem apresentar queixas formais”, disse à AFP.
Em contraste, esse cientista ambiental aposentado observou que conhece professores incompetentes que conseguem concluir seus cursos apenas porque têm a reputação de serem “classificadores fáceis”.
No final, disse Ross, “o poder passou dos professores para os alunos, o que não é a melhor maneira de se administrar uma universidade. É como se os pacientes de repente estivessem dizendo aos cirurgiões como operar”.
A relação de deferência entre alunos e professores que se vê em outros lugares realmente não existe nos Estados Unidos, disse Karin Fischer, jornalista e pesquisadora associada do Centro de Estudos do Ensino Superior da Universidade da Califórnia-Berkeley.
“Nos Estados Unidos, existe a noção de que você deve desafiar a autoridade na sala de aula. Supõe-se que você deve fazer perguntas aos seus professores. Supõe que você não deve presumir que tudo que eles dizem é verdade absoluta”, afirmou.
“Debater e ter discussões e questionamentos é parte da mentalidade de pensamento crítico da universidade americana”, acrescentou.
Souradeep Banerjee, um jovem professor da Temple University, na Filadélfia, que passou a maior parte de seus estudos na Índia, disse que percebeu pela primeira vez o poder dos estudantes americanos quando foi encarregado de corrigir trabalhos.
Um professor responsável por um curso com 300 alunos reuniu Banerjee e outros três assistentes e disse que eles deveriam ser mais flexíveis na avaliação, “porque as finanças da Temple e o funcionamento da universidade dependem, basicamente, da matrícula dos alunos, certo?”.
Mensalidade nas alturas
Essa relação comercial é primordial para alguns alunos e seus pais, que exigem uma educação de qualidade compatível com os sacrifícios que fazem para colocar os jovens na faculdade.
Nos Estados Unidos, é comum que um estudante universitário pague até US$ 60.000 por ano em mensalidades, fora os custos de moradia, transporte e alimentação. Muitos estudantes fazem grandes empréstimos para poder financiar sua educação superior.
“O fato de terem tido de pedir muito dinheiro emprestado coloca muita pressão sobre eles para obter boas notas”, explicou Fischer.
Os alunos querem alcançar resultados positivos “para não terem que passar semestres extras na universidade”, completou.
A caloura da Temple University Daniela James admitiu que, antes de se inscrever em um curso, ela verifica como os professores avaliam e também lê os comentários sobre os professores no RateMyProfessors.com.
“Não posso me dar ao luxo de perder tempo. Estou pagando muito”, afirmou Daniela, que faz malabarismos com dois empregos fora da sala de aula – um no campus, e outro, em uma das principais lojas de departamento nos Estados Unidos.

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