Memorizar fórmulas com musiquinhas é realmente eficaz para o vestibular? Professores respondem e dão dicas de estudo


‘Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá / Seno A, cosseno B…’ você provavelmente sabe completar essa frase até hoje, mas decorar ajuda nos estudos? Veja as explicações. Músicas e macetes ajudam estudantes a decorarem fórmulas de matérias de exatas
Divulgação
🌴 Se fosse possível fazer uma playlist exclusiva da vida de vestibulando, alguns “hits” consagrados estariam no topo das paradas: “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá / Seno A, cosseno B / Seno B, cosseno A”; “Um, dois, três; três, dois um / Tudo sobre dois / Raiz quadrada onde não tem um”.
Os versos podem parecer estranhos e as frases “Que mole”, “Que macete”, “Deus vê tudo” soam aleatórias para quem não está prestes a encarar uma maratona de vestibulares. Mas até um “Sorvete” e um “Sorvetão” significam mais que um refresco no calor para os vestibulandos. 🍦
São músicas e macetes que os ajudam a decorar algumas das muitas fórmulas de matemática, física e química. O g1 pediu aos professores Rodrigo Serra, Roberto de Alessandri e Pietro Escobar, do Curso e Colégio Oficina do Estudante, alguns exemplos usados em aula, que estão listados mais abaixo.
Segundo neurocientistas, antes e durante a prova, quando a ansiedade vai a mil, eles podem ser um “gatilho” para lembrar da matéria estudada. 🧑‍🔬
Mas, afinal, porque é mais fácil decorar fórmulas com músicas e macetes? 🤔
🎵 Música para ‘ancorar’
Segundo o médico, neurocientista e professor titular da Unicamp Doutor Li, isso acontece porque a memória costuma estar relacionada com coisas do nosso entorno e também sofre impactos da questão afetiva.
“Se eu perguntar o que você comeu no seu último aniversário, é muito provável que você vá lembrar que comeu um bolo que estava gostoso, algo assim. Mas se eu perguntar o que você comeu na segunda-feira de três semanas atrás, data que pode até estar mais próxima, você vai ter dificuldade para lembrar”, exemplifica Doutor Li. 🎂
Quando se fala de música, especificamente, elas representam um outro elemento de apoio para a memória. “As músicas e as frases servem como uma âncora para você acessar uma informação”. ⚓
Reprodução de cérebro, em imagem de arquivo
Unsplash
O biólogo e neurocientista Alexandra Resende explica que isso ocorre porque a música relaciona os processos cerebrais com prazer e coisas agradáveis.
🌉 Além disso, ela constrói uma ponte com a realidade para trabalhar a Memória de Trabalho, que se localiza no lóbulo frontal, uma região cerebral logo atrás da testa.
É nesta área, segundo o neurocientista, que as experiências de vida ficam armazenadas: tudo que vemos, ouvimos, sentimos cheiros, gostos e sensações está ali, integrado e pronto para ser utilizado para compreender coisas novas. 🧠
“Quando você usa uma música, você pega algo que a pessoa conhece e acrescenta aquilo que é profundo. Isso gera prazer e ajuda as memórias de trabalho a funcionarem com mais eficácia”, diz Rezende.
Alguns exemplos
💿 Matemática
Aqui estão as musiquinhas clássicas. O professor Rodrigo Serra, do Curso e Colégio Oficina do Estudante, elencou seus principais ‘hits’, começando pelo número um das paradas: a mistura de ‘Canção do Exílio’, de Gonçalves Dias, misturada com trigonometria para ajudar os alunos a fazer adição e subtração de arcos.
E tem duas versões. A primeira, para calcular o seno da soma de dois ângulos [sen (a+b)] = sen(a) · cos(b) + sen(b) · cos(a)].
“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
Seno A, Cosseno B
Seno B, Cosseno A”
Para calcular o cosseno, cuja fórmula é cos(a + b) = cos(a) . cos(b) – sen(a) . sen(b), muda um pouquinho:
“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
Coça A, Coça B
Troca o sinal sem saber”
Ainda no ‘álbum’ trigonometria, outro ‘single’ se destaca para ajudar os estudantes a decorarem as razões trigonométricas dos ângulos notáveis (30º, 45º e 60º).
“Um, dois, três
Três, dois um
Tudo sobre dois
Raiz quadrada onde não tem um”
Razões trigonométricas de ângulos notáveis
Sem perder o ritmo, ainda sobra espaço para macetes. Afinal, e a tangente da soma de dois ângulos? Para lembrar que tg(a+b) = (tga+tgb)/(1-tga.tgb), é simples:
“Tem gente no banheiro A,
Tem gente no banheiro B,
Hum, tem gente no banheiro A e no banheiro B”
A geometria também tem suas manhas. Por exemplo, segundo a Lei de Euler, a somatória das vértices com as faces de um polígono retângulo é igual a soma das arestas da forma mais dois ( V + F = A + 2).
Difícil? Não mais do que lembrar que é possível ter uma Vida Feliz À 2. E tem até macete com diva internacional.
Para calcular a distância entre o ponto e a reta (Dpr), você pode memorizar que achou a Beyoncé em cima da raiz de uma abóbora quadrada, por exemplo [Dpr = (axo + byo + c) / √(a² + b²]. Já a equação da reta é YoYô, Mixoxô [Yo = m (x – xo)].
✍️ Física
A física não é muito musical, mas tem vários macetes com palavras e frases — tem até duas religiosas, para quem quiser recorrer ao divino na hora da prova. As dicas são do professor de física Roberto de Alessandri, do Curso e Colégio Oficina do Estudante. 💡
Quando se trata de um Movimento Uniforme (MU), para calcular a posição de um móvel, a fórmula é S = so. + v.t. E para lembrar dessa fórmula, é só lembrar de um belo “sorvete”.
Na hora de calcular a distância percorrida por esse móvel, lembre-se que “Deus vê tudo” ( d = v.t ). 🙏
👀 Ao analisar o Movimento Uniformemente Variado (MUV), a velocidade é calculada com V = vo + a.t. Para facilitar, “vi você à toa”.
Um “sorvetão” 🍨 ajuda a lembrar a fórmula para calcular a posição de um móvel no MUV. A fórmula é S = so + vo.t + at²/2.
“Que macete”, não? Pois é, e isso pode te ajudar a lembrar da fórmula para calcular o calor sensível em Calorimetria 🔥, porque a fórmula é Q = m.c.Δt. E sim, é moleza! O cálculo do calor latente é Q = m.L (“que mole”).
Uma fórmula que serve tanto para a física quanto para a química é a Equação de Clapeyron, que mostra o estado termodinâmico dos gases. 🎈 O cálculo é P.V = n. r. t (Por você, nunca rezei tanto).
🧲 Por fim, na matéria de eletromagnetismo tem uma brincadeira que pode até dar fome. O raio da trajetória de uma carga lançada perpendicularmente num campo magnético é R = (m.v) / (q.b). Ou seja, “Rabib, me vê um quibe”.
🔊 Química
A disciplina é o ápice da musicalidade, com direito até ao “Rap da Pilha”, 🔋– muitos consideram, na verdade, um funk — que foi parar no Programa do Jô Soares em 2013. 🌃
O hit criado pelo professor carioca Silvio Predis está disponível até nas plataformas de música digitais, tamanho o sucesso. Confira a letra e leia no ritmo do ‘batidão’:
“Vem, vem, vem, vem, vem, vem
Na oxidação o anodo é negativo
Onde ocorre a corrosão
Eletrodo corroído concentrando a solução
Os elétrons vão partindo pro catodo boladão
E o nox vai subindo
Um beijão no coração”
Silvio Predis participa do Programa do Jô desta quinta-feira
Foto: TV Globo/Programa do Jô
Sucesso nas paradas musicais dos entusiastas de química, Pietro Escobar, professor da matéria no Curso e Colégio Oficina do Estudante, sempre recomenda as canções adaptadas para os alunos.
“Ele [o Silvio] me fez um funk de um minuto e meio que resume uma das matérias mais difíceis que tem. (…) A música é impecável, ela não tem uma falha. Eu procurei algum defeito e não achei”.
O professor de Campinas (SP) é conhecido por suas histórias em meio à aula e uma “regravação” de uma composição já bem conhecida na área, com direito a mistura de ritmos. É a música da solubilidade.
“Os nitritos, nitratos e acetatos são solúveis…
Sais de amônio e alcalinos também são…
Os cloretos, brometos e iodetos também são
Hg, Pb, Ag
(mercúrio, chumbo, prata)
Os sulfatos são os mais chatos …
Não se dissolvem nem com agitação…
Nem de Ca, Sr e Ba, nem de Pb dissolverão
(cálcio, estrôncio, bário, chumbo)”
⚠️ Atenção para um detalhe importante: o ritmo é o mesmo de “O cravo brigou com a rosa”, cantada em falsete até o verso (mercúrio, chumbo, prata), quando é preciso fazer uma voz grave à la heavy metal porque esses são metais pesados.
Infelizmente, o professor não autorizou o g1 a reproduzir o áudio nesta matéria alegando motivos de timidez, mas já dá para imaginar…
Pessoa estudando
Tirachard Kumtanom
‼Decorar não é aprender‼
Todos os exemplos são estratégias válidas de memorização, mas memorizar algo é apenas o primeiro passo do processo de aprendizagem. Em outras palavras, não adianta saber a fórmula e não saber usá-la. “Para aprender, é preciso consolidar a memória”, diz Doutor Li.
Não, as fórmulas, por si só, não são memórias consolidadas. ❌ Elas são apenas informações superficiais. “O conhecimento está na profundidade”, diz o biólogo e neurocientista Rezende.
Na era da informação, pode ser comum pensar que quanto mais, melhor. Mas não é bem assim que o cérebro funciona.
“Você corre o risco de ter muitas informações e não saber conversar com elas, ou seja, raciocinar em cima delas”, diz Rezende.
O raciocínio que gera a resposta de uma questão, por exemplo, vem do conhecimento adquirido. E conhecer algo, segundo o neurocientista, significa acessar diversas áreas cerebrais para integrar uma conclusão. ✅
📚 Por isso, o professor de matemática do curso Oficina do Estudante faz o mesmo alerta aos alunos.
“Ninguém transmite conhecimento, o conhecimento se constrói”, afirma Rodrigo Serra.
Sala de aula educação estudante aluno escola caderno ensino Ribeirão Preto Franca
Carlos Trinca/EPTV
🤓 Então, como aprender?
Prestar atenção na aula é óbvio, mas isso não é o suficiente do ponto de vista da neurociência, e nem da educação. Não é novidade: para que a memória se consolide e esteja ali, disponível no longo prazo, é preciso de repetição. É a receita infalível de revisar a matéria e resolver exercícios.
Ou seja, é preciso estudar além da sala de aula, mas também é essencial ir além dos estudos. A boa notícia é que isso não significa nada mirabolante.
“Para que a informação possa ser sedimentada, a pessoa precisa dormir. Porque é durante o sono que ela se consolida no cérebro”, explica o médico e neurocientista Doutor Li.
😴 Por isso, o recado aos vestibulandos insones é claro: passar noites em claro estudando é desperdício. Literalmente, é preciso dormir para entrar na faculdade.
“Tem que ser sonos regulares, não dá pra deixar pra dormir depois. O sono que você perdeu, está perdido. Não dá pra recuperar”, afirma Doutor Li.
Se de um lado descansar ajuda (e muito), se movimentar também é essencial até mesmo para prevenir o famoso “branco” na hora da prova. O neurocientista explica que o estresse do vestibular, por exemplo, exige bastante do corpo, que precisa estar forte para ‘aguentar o tranco’. 💪
“Para você ter o corpo forte, você precisa fazer atividade física. Ela mantém o bom funcionamento do cérebro”, diz.
Doutor Li explica que o cérebro é uma máquina que precisa ser bem cuidada. E esses cuidados incluem, justamente, um bom sono, a prática de exercício e boas emoções e pensamentos.
Aliás, para garantir a última parte, também tem uma estratégia que não envolve ficar horas a fio concentrado nos estudos. 👯 “Somos seres sociais. Os alunos não devem se privar do convívio social. Faz bem pra nossa saúde mental”, afirma.
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