Lula e futuros ministros podem assinar atos antes da posse no domingo? Veja o que dizem juristas

Futuro ministro da Justiça, Flávio Dino citou possibilidade na segunda; equipe indicou recuo nesta quarta. Mandato de Bolsonaro termina no sábado, mas Lula só toma posse na tarde do domingo. Anunciado como futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA) afirmou na última segunda-feira (26) que o novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva cogitava editar atos nas primeiras horas do dia 1º de janeiro – antes mesmo da cerimônia de posse.
A declaração gerou dúvidas: afinal, o novo governo pode fazer isso? Lula já será presidente na madrugada do domingo (1º), ou apenas quando fizer o juramento no Congresso? E neste caso, quem seria o presidente da República nas horas anteriores?
Nesta quarta (28), a própria equipe de Dino indicou ter recuado da ideia. Questionada pelo g1, disse que “não há previsão de publicação de qualquer ato administrativo no dia 1º de janeiro”.
O g1 ouviu juristas para entender o que acontece nas 14 horas que separam o fim do mandato de Jair Bolsonaro, às 23h59 de 31 de dezembro, e o juramento de posse de Lula no Congresso Nacional, previsto para a tarde do dia 1º.
Os especialistas divergem, por exemplo, sobre a autoridade do novo governo para editar atos (decretos, portarias e até medidas provisórias) antes da cerimônia de posse.
No entanto, os três juristas ouvidos pelo g1 concordam ao dizer que a posse deve transcorrer normalmente, ainda que o governo não consiga emitir novas orientações nas primeiras horas da manhã.
Dino anuncia que governo Lula vai antecipar medidas para evitar vazio de poder
Por que antecipar atos?
Na declaração dada à GloboNews na segunda, Flávio Dino disse que a ideia era antecipar alguns atos do novo governo para evitar “vazio de poder”.
Dino comentava o reforço da segurança da cerimônia de posse – motivado por episódios como a prisão de um empresário bolsonarista, indiciado por terrorismo após colocar explosivos em um caminhão-tanque que seguia para o Aeroporto de Brasília.
“Nós vamos obviamente antecipar certos atos porque não pode haver vazio de poder. Então isto não ocorrerá, no sentido de que já nas primeiras horas do dia 1º nós vamos tomar as providências para que não ocorra essa situação de instabilidade”, disse.
Nos dias seguintes à declaração, no entanto, o próprio governo Jair Bolsonaro, o governo do Distrito Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF) definiram medidas que, na prática, já reforçam a segurança da área central de Brasília no dia da posse:
o Ministério da Justiça autorizou o emprego da Força Nacional em apoio à Polícia Rodoviária Federal até o próximo dia 2;
a Polícia Federal informou que mais de mil policiais da corporação vão atuar na segurança do evento;
o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu o porte de armas em todo o Distrito Federal até o próximo dia 2.
‘Passagem de bastão’ sem crise
Professor de direito constitucional e doutor em direito público, Eduardo Mendonça avalia que Lula não poderia produzir atos como presidente antes de tomar posse perante o Congresso Nacional.
“Eles podem ter os atos prontos, para que ele [Lula] assine assim que tomar posse. Inclusive, na posse eles costumam anunciar aquela medida provisória que reorganiza ministérios e órgãos. […] Antes do juramento do presidente, eu não acho que ele tenha poderes”, diz Mendonça.
O jurista afirma que as poucas horas entre o fim de um mandato e a posse do sucessor nunca foram regulamentadas porque as transições no sistema costumam ser “amigáveis e convencionadas” – ou seja, não há um histórico de disputa ou instabilidade ligado à data.
“Não há nenhuma regra específica na Constituição e, salvo engano, em qualquer legislação. Na prática, sempre se tratou esse período como a passagem de bastão, e o presidente anterior como presidente até que houvesse a posse do sucessor. Nunca houve esse problema”, afirma.
Eduardo Mendonça também afirma que, como as medidas de reforço da segurança já foram tomadas, não haveria necessidade de o governo eleito assinar medidas que possam vir a ser contestadas em um segundo momento.
“Os atos mais ‘polêmicos’, o governo atual topou fazer. A minha impressão é que o governo atual quer sair ser um ato expressivo de reconhecimento [como transmitir a faixa], mas também sem criar problemas”.
Máquina pública não para
Ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o advogado Henrique Neves também avalia que os poderes de Lula e do novo governo só começam, efetivamente, após a posse do presidente no Congresso.
“O ato de investidura é a posse, isso está na lei do funcionalismo público. Qualquer funcionário público só toma posse. A competência para editar atos decorre do cargo, ou seja, não existe antes da posse”, defende.
Neves, no entanto, afirmou ao g1 que não vê riscos à segurança ou à continuidade dos serviços públicos no próximo domingo – mesmo considerando que o país ficará sem presidente por algumas horas.
“Todos os cargos do país seguem ocupados, com a exceção do presidente. Os delegados estarão no exercício de suas funções, os policiais, o Corpo de Bombeiros, todos trabalhando normalmente. A maior parte da segurança nem sequer cabe ao presidente, mas ao governo do DF e aos outros órgãos”, ressalvou.
Precedentes estaduais dão poder a Lula
Professor titular de direito administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o jurista Gustavo Binembojn diz que, embora inédita em âmbito federal, a edição de normas antes da posse não é novidade – e pode servir de precedente.
“Não é incomum, por incrível que pareça, mesmo em uma transição negociada e civilizada. A partir da 0h do dia 1º de janeiro, já se inicia o novo mandato. A Constituição define a data”, diz.
Binembojn defende que a diplomação do presidente é um “ato complexo” – que começa na cerimônia no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em dezembro, e se encerra na posse no Congresso Nacional.
Isso possibilita, segundo o jurista, que eventuais atos publicados no “Diário Oficial da União” na manhã do dia 1º tenham eficácia plena, ainda que provisória.
“É estranho? Sim, porque é um ato condicional. A medida seria publicada nas primeiras horas do dia 1º, mas só se confirmaria a partir da posse do presidente e do ministro que assinam o termo. Mas a eficácia existe, ninguém pode se negar a cumprir”, advoga o jurista.
“Aí, se não houver a posse, é preciso discutir se há efeito retroativo, se os atos são desfeitos ou mantidos. Mas quando a posse se confirma [na cerimônia], os atos se completam e se aperfeiçoam. Já vi essa situação em muitos estados”, cita.
A avaliação do governo atual
O g1 também questionou o atual governo sobre a possibilidade de Lula editar um “Diário Oficial” antes de tomar posse.
A Secretaria de Assuntos Jurídicos, vinculada à Secretaria-Geral da Presidência da República, disse não ver espaço para a publicação dessas medidas. “O entendimento vale para atos também, além de nomeações”, resumiu.

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