♪ OBITUÁRIO – “…Nada mais bonito / Que um brasileiro pé duro / Representante da raça / Descendo num samba a ladeira da praça”.
Os versos do samba Ladeira da praça (1974) – composto por Moraes Moreira (1947 – 2020) com letra de Luiz Galvão e gravado pelos Novos Baianos no quarto álbum do grupo – exemplificam a ginga da poesia de Luiz Dias Galvão (22 de julho de 1935 – 22 de outubro de 2022).
A ginga se eterniza com a morte do compositor letrista aos 87 anos na noite de ontem, em São Paulo (SP), cidade onde Galvão estava internado desde meados de setembro para tratar de vários problemas de saúde (a família confirmou a morte na redes sociais sem divulgar a causa).
Fundador e principal letrista dos Novos Baianos, Galvão foi fundamental na história do grupo – aglutinado por ele em Salvador (BA), em 1968, com Moraes e Paulinho Boca de Cantor – e, portanto, na história da música brasileira.
Baiano de Juazeiro (BA), Galvão foi conterrâneo e amigo de João Gilberto (1931 – 2019), o bruxo que, ao bater na porta do sítio comunitário onde os compositores e músicos se reuniam em atmosfera hippie de paz e amor, apontou os caminhos para a alquimia que gerou o álbum Acabou chorare (1972), obra-prima da discografia do grupo que, além de Moraes e Paulinho Boca de Cantor, àquela altura já havia incorporado Baby do Brasil – então Baby Consuelo – e Pepeu Gomes.
Galvão foi essencial para a conexão dos Novos Baianos com João Gilberto, o responsável pela direcionamento do grupo rumo a uma brasilidade que ficara abafada na atmosfera de rock psicodélico em que foi ambientado o primeiro álbum do grupo, É ferro na boneca! (1970).
Feita a conexão definidora com João, Galvão foi o poeta também essencial que criou letras afinadas com o mix de samba e rock com toques de baião, bossa nova e choro que deu o tom do álbum Acabou chorare, título incontornável em qualquer antologia discográfica brasileira.
O poeta soube dançar conforme a música, criando letras pautadas pela leveza e pela ginga, em fina sintonia com o principal parceiro, Moraes Moreira, autor das melodias.
Sucessos na voz de Baby do Brasil, A menina dança (1972) e Tinindo trincando (1972), por exemplo, têm letras escritas com a vivacidade elétrica do canto da artista. Escrita sem formalismos, a poesia de Galvão tem musicalidade embebida do espírito de liberdade.
Não raro, as letras do compositor sugerem movimento. “Vou mostrando como sou / E vou sendo como posso / Jogando meu corpo no mundo / Andando por todos os cantos”, dizem os versos iniciais de Mistério do planeta (1972).
Dono de versos livres, leves e soltos, Galvão foi poeta letrista com jeito de corpo que, ao entrar em campo pelo Novos Baianos F.C, soube dar um drible na tristeza. O discurso musical do Novos Baianos é regido pela alegria.
“Minha carne é de Carnaval / O meu coração é igual / […] / Por isso onde quer que eu ande / Eu faço um Campo Grande”, cantou Paulinho Boca de Cantor, na letra de Swing de Campo Grande (1972), escrita por Boca com Galvão (a música é de Moraes Moreira).
Nada mais bonito, sobretudo no momento em que o poeta parte para outra dimensão, do que a ginga dos versos de Luiz Galvão, nobre representante da raça dos poetas da música brasileira.