Anderson da Silva Pantaleão estava na lanchonete de sua propriedade na última sexta-feira, quando água cor de barro começou a encher as ruas da cidade de Porto Alegre, no sul do Brasil. Logo, ele estava invadindo sua loja no térreo. Por volta das 21h, a água estava na altura da cintura.
“Então o medo começa a bater”, disse ele. “Você está apenas tentando não se afogar.”
Ele correu até a casa de um vizinho no segundo andar, refugiando-se pelas três noites seguintes, racionando água, queijo e linguiça com outras duas pessoas. Os membros do grupo dormiam em turnos, temendo que outra torrente de água pudesse pegá-los de surpresa na calada da noite.
Na segunda-feira, a água começou a inundar o segundo andar e eles pensaram no pior. Então, um barco militar chegou e resgatou o Sr. Pantaleão. Um dia depois, apesar das fortes chuvas, o Sr. Pantaleão tentava voltar num barco de resgate para procurar amigos que ainda estavam desaparecidos ou encalhados.
“Não posso deixá-los lá”, disse ele. “A água está acabando, a comida está acabando.”
O Brasil está enfrentando uma das piores enchentes da história recente. Chuvas torrenciais inundaram o estado do Rio Grande do Sul, no sul do país, onde vivem 11 milhões de pessoas, desde o final de abril e provocaram graves inundações que submergiram cidades inteiras, bloquearam estradas, romperam uma grande barragem e fecharam o aeroporto internacional até junho.
Pelo menos 100 pessoas foram mortas e outras 128 foram dadas como desaparecidas. As enchentes, que atingiram a maior parte dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, forçaram quase 164 mil pessoas a deixarem suas casas.
Na capital do estado, Porto Alegre, uma cidade de 1,3 milhão de habitantes situada às margens do rio Guaíba, as ruas ficaram submersas em águas turvas e o aeroporto foi fechado pelo dilúvio, com voos cancelados até o final do mês.
O rio subiu para mais de 5 metros esta semana, ultrapassando os níveis elevados anteriores observados durante uma grande enchente em 1941 que paralisou a cidade durante semanas.
As inundações bloquearam estradas para a cidade e dificultaram o fornecimento de bens básicos. Os supermercados estavam ficando sem água engarrafada na terça-feira, e alguns moradores relataram caminhar até cinco quilômetros em busca de água potável.
Muitos dos que ficaram retidos aguardavam ajuda nos telhados. Alguns tomaram medidas desesperadas para fugir: quando o abrigo onde sua família estava inundada, Ana Paula de Abreu, 40 anos, nadou até um barco de resgate enquanto segurava seu filho de 11 anos debaixo do braço. Dois moradores de um bairro de Porto Alegre usaram um colchão inflável para retirar pelo menos 15 pessoas de suas casas inundadas.
As equipas de busca, que incluem autoridades e voluntários, vasculharam as áreas inundadas e resgataram residentes por barco e por via aérea. Sem ter onde pousar, alguns helicópteros usaram guinchos para puxar pessoas presas pelas enchentes.
Bárbara Fernandes, 42 anos, advogada de Porto Alegre, passou horas no telhado escaldante de seu prédio na segunda-feira, agitando um pano vermelho e suas muletas em direção ao céu. Um helicóptero de resgate finalmente a avistou no final da tarde.
“Você simplesmente não sabe quando eles virão atrás de você”, disse Fernandes, que está se recuperando de uma cirurgia no tornozelo e não pôde fugir de seu prédio antes que as águas subissem.
Quase 67 mil pessoas viviam em abrigos em todo o estado, enquanto outras se refugiaram em casas de familiares ou amigos. Algumas pessoas que não tinham acesso a nenhuma das opções dormiam nos seus carros ou nas ruas em áreas que ainda estavam secas.
“Parece que estamos vivendo o fim do mundo”, disse Beatriz Belmontt Abel, 46 anos, técnica de enfermagem que fazia voluntariado em um abrigo na cidade de Canoas, do outro lado do rio de Porto Alegre. “Nunca imaginei que veria isso acontecer.”
Em outro abrigo montado em uma academia de Porto Alegre, os voluntários distribuíram refeições e roupas. Fileiras de colchões estavam no chão e caixas de papelão serviam de prateleiras. Os resgatados ocuparam-se em varrer o chão e arrumar as camas provisórias.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que visitou a região na semana passada, prometeu recursos federais para ajudar nos esforços de resgate. As autoridades estatais também anunciaram ajuda para pagar equipas de busca, serviços de saúde e alojamento para aqueles cujas casas foram destruídas ou danificadas pelas cheias.
Mesmo com a continuação dos resgates, as autoridades temiam que a crise pudesse piorar porque se esperava outra onda de condições meteorológicas severas nos próximos dias. Com uma frente fria atingindo a região, os meteorologistas previram fortes chuvas, granizo, trovoadas e ventos de mais de 60 quilômetros por hora.
O governador dos estados, Eduardo Leite, disse que as autoridades estavam evacuando pessoas de regiões vulneráveis a climas mais turbulentos. Alguns residentes recusaram-se a abandonar as suas casas, temendo saques. Outros tentaram regressar aos seus bairros, esperando que o nível da água diminuísse.
“Não é hora de voltar para casa”, disse Leite aos repórteres na terça-feira.
As enchentes são a quarta crise climática que atinge a região Sul do Brasil em menos de um ano. Em setembro, 37 pessoas morreram no Rio Grande do Sul devido às chuvas torrenciais e aos ventos fortes provocados por um ciclone.
Especialistas em clima dizem que a região está sofrendo com os efeitos do El Niño, o fenômeno climático cíclico que pode trazer fortes chuvas às regiões do sul do Brasil e, ao mesmo tempo, causar secas na floresta amazônica.
Mas os efeitos do El Niño foram exacerbados por uma combinação de alterações climáticas, desflorestação e urbanização aleatória, segundo Mercedes Bustamante, ecologista e professora da Universidade de Brasília.
“Estamos realmente diante de uma receita para o desastre”, disse o Dr. Bustamante, que escreveu vários relatórios para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, um corpo de especialistas convocado pelas Nações Unidas.
Por mais de uma década, os cientistas têm aviso políticos que o aquecimento global traria mais chuvas para esta região.
À medida que o desmatamento avança na Amazônia e em outras partes do Brasil, os padrões de precipitação estão mudando e levando a padrões de chuva mais erráticos, de acordo com o Dr. Bustamante. Como resultado, a precipitação por vezes é distribuída de forma desigual, encharcando áreas mais pequenas ou originando chuvas torrenciais durante períodos mais curtos.
O mau tempo também se tornou mais mortal nas últimas décadas, à medida que as populações urbanas cresceram e cidades como Porto Alegre avançaram para áreas florestais que outrora funcionavam como amortecedores contra inundações e deslizamentos de terra, acrescentou.
As últimas inundações pegaram o Brasil “despreparado”, observou o Dr. Bustamante, destacando a necessidade de tornar as cidades mais resilientes às mudanças climáticas e desenvolver estratégias de resposta que protejam melhor os residentes de eventos climáticos extremos, que certamente se tornarão mais frequentes.
“É uma tragédia que, infelizmente, já vem acontecendo há algum tempo”, disse ela. “Esperamos que isso sirva como um apelo à ação.”
Manuela Andreoni contribuiu com reportagens de Nova York.