Relembre, disco a disco, os caminhos trilhados pela cantora ao longo de 58 anos de trajetória artística iniciada em 1964 na Bahia. Mosaico com imagens das capas dos 44 álbuns lançados por Gal Costa entre 1967 e 2021
Reprodução / Montagem Mauro Ferreira / g1
♪ ANÁLISE – Em cena ao longo de 58 anos, em trajetória artística iniciada em 1964 na cidade natal de Salvador (BA), Gal Costa (26 de setembro de 1945 – 9 de novembro de 2022) foi certeira quando escolheu o adjetivo Plural para o título do 32º álbum da discografia da cantora baiana. Iniciada com single editado em 1965, a obra fonográfica de Gal é pautada pela diversidade.
A voz cristalina, de timbre tão belo quanto inigualável, talvez seja o único elo entre discos de estéticas e repertórios tão heterogêneos. No momento em que o Brasil chora a inesperada morte da artista, aos 77 anos, o Blog do Mauro Ferreira faz guia para novos e até mesmo antigos ouvintes apreciarem a discografia de Gal, álbum a álbum, repisando os caminhos trilhados pela cantora.
Em vida, Gal lançou 44 álbuns entre 1967 e 2021. É provável que, em 2023, essa discografia ganha pelo menos um álbum póstumo, já que há gravações com áudios de várias apresentações do show da turnê As várias pontas de uma estrela (2021 / 2022), embora a intenção fosse fazer o registro audiovisual do espetáculo na volta da turnê à cidade do Rio de Janeiro (RJ) – plano obviamente inviabilizado com a saída de cena da luminosa estrela da música brasileira.
♪ Eis a discografia de Gal Costa, álbum a álbum:
1. Domingo (1967) – com Caetano Veloso
Gal divide com o compositor conterrâneo que seria a bússola da cantora um disco evocativo da estética cool da bossa nova.
♪ Faixa imperdível: Avarandado (Caetano Veloso), solo de Gal com arranjo de Francis Hime.
2. Tropicália ou Panis et Circensis (1968) – Álbum coletivo
No disco-manifesto da Tropicália, Gal se impõe com a principal voz feminina do movimento organizado por Caetano e Gilberto Gil.
♪ Faixa imperdível: Baby (Caetano Veloso), canção feita para Maria Bethânia que se tornou de Gal.
3. Gal Costa (1969)
No primeiro álbum solo, lançado após a virada estética de Gal em festival de 1968, a cantora abre o leque do repertório e vai de Jackson do Pandeiro (1919 – 1982) a Roberto Carlos.
♪ Faixa imperdível: Que pena (Ela já não gosta mais de mim), tema de Jorge Ben Jor gravado com vocais de Caetano Veloso.
4. Gal (1969)
No segundo álbum de 1969, Gal embarca na onda psicodélica em disco produzido por Manoel Barenbeim com arranjos do maestro tropicalista Rogério Duprat (1932 – 2006), a guitarra de Lanny Gordin e Jards Macalé na direção musical.
♪ Faixa imperdível: Meu nome é Gal, autorretrato da cantora, composto por Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
5. LeGal (1970)
A cantora reforça a conexão com Jards Macalé e Lanny Gordin neste álbum que consolida Gal como a voz da contracultura brasileira no período de exílio de Caetano e Gil.
♪ Faixa imperdível: Hotel das estrelas (Jards Macalé e Duda Machado), flash de tempos sombrios.
6. Fa-tal – Gal a todo vapor (1971)
Álbum duplo com o registro ao vivo integral do cultuado show estreado por Gal em outubro de 1971.
♪ Faixa imperdível: Pérola negra, canção bluesy do então desconhecido Luiz Melodia (1951 – 2017).
7. Índia (1973)
Último álbum da fase de desbunde, Índia tem direção musical de Gilberto Gil. Gravado em estúdio, o disco se origina de show feito por Gal naquele ano de 1973.
♪ Faixa imperdível: Índia (José Asunción Flores e Manuel Ortiz Guerrero, 1928, em versão em português de José Fortuna, 1952), guarânia paraguaia elevada à máxima potência com os agudos de Gal.
8. Temporada de verão – Ao vivo na Bahia (1974) – Com Caetano Veloso e Gilberto Gil
Gravado ao vivo entre janeiro e fevereiro em show em Salvador (BA), no Teatro Vila Velha, palco da estreia oficial de Gal como cantora em agosto de 1964.
♪ Faixa imperdível: Acontece (Cartola, 1972), samba-canção cantado por Gal à moda de João Gilberto (1931 – 2019).
9. Cantar (1974)
Uma volta ao canto suave em disco produzido por Caetano Veloso com arranjos de João Donato e evocação sem nostalgia da estética da bossa nova, influência matricial do canto de Gal.
♪ Faixa imperdível: Barato total, presente de Gil.
10. Gal canta Caymmi (1976)
No rastro do estouro de Modinha para Gabriela (1975) na trilha da novela Gabriela, a cantora grava o repertório do compositor baiano Dorival Caymmi (1914 – 2008) em um dos primeiros songbooks da era da MPB.
♪ Faixa imperdível: Só louco (1955), samba-canção propagado na abertura da novela O casarão (1976).
11. Doces Bárbaros (1976) – Com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia
Álbum duplo gravado ao vivo com o registro do show que reuniu os quatro cantores baianos.
♪ Faixa imperdível: Eu te amo, canção de Caetano solada por Gal.
12. Caras & bocas (1977)
Disco mais roqueiro, introspectivo e eventualmente até jazzy em que Gal apresentou Marina Lima e gravou versão em português de tema de Bob Dylan, Negro amor, um dos pontos altos do repertório.
♪ Faixa imperdível: Tigresa, de Caetano Veloso
13. Água viva (1978)
Gal populariza o canto e expande o público, ganhando o primeiro Disco de ouro da carreira.
♪ Faixa imperdível: Folhetim, bolero de Chico Buarque.
14. Gal tropical (1979)
Registro de estúdio do repertório aclamado show em que Gal consolidou a guinada popular iniciada no disco anterior.
♪ Faixa imperdível: Força estranha (Caetano Veloso, 1978), canção feita para Roberto Carlos que se tornou para sempre de Gal.
15. Aquarela do Brasil (1980)
Songbook com a obra ufanista do compositor mineiro Ary Barroso (1903 – 1964)
♪ Faixa imperdível: No tabuleiro da baiana (1939), quitute servido por Gal com Caetano Veloso.
16. Fantasia (1981)
O show veio antes e foi atacado pela crítica, mas o disco explodiu com repertório que destacou as então inéditas Açaí (Djavan), Meu bem meu mal (Caetano Veloso) e Festa do interior (Moraes Moreira e Abel Silva).
♪ Faixa imperdível: Festa do interior, aliciante marcha-frevo que foi atrás do trio elétrico e dos arraiais.
17. Minha voz (1982)
O disco ia se chamar Azul, canção inédita de Djavan, mas Caetano mandou Minha voz, minha vida…
♪ Faixa imperdível: Minha voz, minha vida, retrato do canto tanto bússola como por vezes desorientação.
18. Baby Gal (1983)
Disco de repertório mais irregular que encerrou o ciclo de Gal na gravadora Philips.
♪ Faixa imperdível: Mil perdões, mais uma obra-prima de Chico Buarque na voz de Gal.
19. Profana (1984)
Álbum entre a contracultura e o padrão romântico das FMs. A balada Chuva de prata (Ed Wilson e Ronaldo Bastos, 1984) caiu forte nas rádios de todo o Brasil. Disco que marcou a entrada de Gal na gravadora RCA, denominada BMG a partir de 1987.
♪ Faixa imperdível: Profana, de Caetano Veloso.
20. Bem bom (1985)
Disco mais popular de Gal por conta do êxito de outra balada romântica, Um dia de domingo (Michael Sullivan e Paulo Massadas), gravada por Gal com Tim Maia (1942 – 1998)
♪ Faixa imperdível: Sorte (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos), canção gravada por Gal com Caetano Veloso.
21. Lua de mel como o diabo gosta (1987)
Disco controvertido pelo tom tecnopop, mas também injustiçado. Traz O vento, uma das mais belas e desconhecidas canções de Djavan. O canto onomatopaico de Arara (Lulu Santos) flagra a voz aguda de Gal no auge da elasticidade.
♪ Faixa imperdível: Todos os instrumentos, de Joyce Moreno.
22. Rio revisited (1987) – com Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994)
Disco gravado ao vivo em Los Angeles (EUA), lançado nos Estados Unidos em 1987 e, cinco anos depois, editado no Brasil via Polygram em 1992. Com o toque da Banda Nova, Jobim revisita o repertório soberano com Gal como convidada em músicas como a versão em inglês de Wave (1967).
♪ Faixa imperdível: Dindi (Antonio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira, 1959), um dos três solos de Gal no disco.
23. Plural (1990)
Guiada por Waly Salomão (1943 – 2003), Gal recupera o prestígio entre os críticos com este álbum em que incursiona pelo repertório dos blocos afro-baianos entre músicas inéditas de Caetano Veloso e Carlinhos Brown.
♪ Faixa imperdível: Cabelo, parceria de Jorge Ben Jor com Arnaldo Antunes.
24. Gal (1992)
Álbum de estúdio com repertório pontuado por músicas presentes no roteiro do show Plural (1990), mas ausentes do disco homônimo.
♪ Faixa imperdível: Raiz (Roberto Mendes e Jota Velloso), com o suingue do samba do Recôncavo Baiano na voz mais bonita que tem Graça nas mãos e no nome.
25. O sorriso do gato de Alice (1993)
Álbum vanguardista, produzido pelo norte-americano Arto Lindsay e com repertório somente com músicas inéditas de Caetano Veloso, Djavan, Gilberto Gil e Jorge Ben Jor.
♪ Faixa imperdível: Mãe da manhã, de Gil.
26. Mina d’água do meu canto (1995)
Um disco de Adeus para Tom Jobim, morto no ano anterior. Traz somente músicas de Caetano Veloso e Chico Buarque com a produção musical de Jaques Morelenbaum.
♪ Faixa imperdível: Língua (1984), o samba-rap de Caetano em versão explosiva.
27. Acústico MTV (1997)
Gravação ao vivo nos moldes da emissora musical que dava as cartas no mercado fonográfico da época. Produção musical de Marco Mazzola.
♪ Faixa imperdível: Sua estupidez (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969). Com majestoso arranjo de cordas, Gal volta à canção que cantara magistralmente em show de 1971.
28. Aquele frevo axé (1998)
Álbum produzido por Celso Fonseca que não obteve a repercussão esperada pela cantora e pela gravadora.
♪ Faixa imperdível: Aquele frevo axé, sambossa de Cezar Mendes e Caetano Veloso.
29. Gal Costa canta Tom Jobim ao vivo (1999)
Passeio confortável pela obra soberana do compositor carioca em registro ao vivo de show feito sob direção musical do pianista Cristovao Bastos.
♪ Faixa imperdível: Ligia (1974), música então inédita na voz de Gal.
30. Gal de tantos amores (2001)
Tentativa equivocada de repetir o êxito comercial do Acústico MTV com regravações do repertório de Gal. Wagner Tiso assina a produção musical do álbum com Daniel Filho. Último disco de Gal na gravadora BMG.
♪ Faixa imperdível: A última estrofe (Cândido das Neves, 1932), grande interpretação da canção seresteira do repertório de Orlando Silva (1935 – 1978).
31. Gal bossa tropical (2002)
Interpretações equivocadas como (parte da) seleção de repertório. Um dos discos mais irregulares de Gal.
♪ Faixa imperdível: Quando fecho os olhos (Chico César, 1999), balada moldada para as rádios, mas jamais trabalhada pela gravadora MZA Music.
32. Todas as coisas e eu (2003)
Gal mergulha no samba-canção da fase pré-bossa nova em disco correto, mas sem a chama da cantora e com moldura orquestral por vezes excessiva. Único álbum da cantora na Indie Records.
♪ Faixa imperdível: Nossos momentos (Luiz Reis e Haroldo Barbosa, 1960), sucesso de Elizeth Cardoso (1920 – 1990)
33. Hoje (2005)
Gal fecha a cortina do passado e tenta se renovar ao estrear na gravadora Trama com disco de músicas inéditas. Mas houve descompasso entre a produção musical de Cesar Camargo Mariano e o repertório.
♪ Faixa imperdível: Um passo à frente (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2005)
34. Gal Costa ao vivo (2006)
Álbum ao vivo com o registro do show gerado pelo disco Hoje. A gravação foi a primeira de Gal feita para ser editada em DVD, formato em voga no mercado fonográfico da época.
♪ Faixa imperdível: Antonico (Ismael Silva, 1950), volta ao samba-canção que Gal cantara no show Fa-Tal (1971)
35. Live at the Blue Note (2007)
Registro ao vivo de show gravado em novembro de 2006 na prestigiada casa de jazz de Nova York (EUA). Saiu nos Estados Unidos e no Brasil em 2007.
♪ Faixa imperdível: I fall in love too easily (Jule Styne e Sammy Cahn, 1944), standard do jazz em clima de bossa nova.
36. Recanto (2011)
A volta de Gal ao disco, após quatro anos, com toda a potência e modernidade do canto. Álbum idealizado e composto por Caetano para a cantora, sendo produzido por ele com Moreno Veloso. Tem textura eletrônica arrojada, com programações de Kassin.
♪ Faixa imperdível: Recanto escuro, de Caetano Veloso.
37. Recanto ao vivo (2013)
Álbum duplo com o registro integral do show que rejuvenesceu o público e a alma de Gal.
♪ Faixa imperdível: Mãe (Caetano Veloso, 1978), a velha canção passada pelo filtro da novidade.
38. Live in London ’71 (2014) – com Gilberto Gil
Registro de alto valor documental editado pelo selo Discobertas em álbum duplo com a gravação ao vivo de show feito por Gal com Gilberto Gil em Londres, em novembro 1971 no exílio do artista baiano na capital da Inglaterra. O disco 1 traz solos de Gal com o violão de Gil.
♪ Faixa imperdível: Sai do sereno (Onildo Almeida, 1965), tema forrozeiro no set de Gal com vocal de Gil.
39. Estratosférica (2015)
Marcus Preto entra em cena como diretor artístico de Gal neste disco editado via Sony Music e produzido com repertório composto por expoentes da nova geração como Arthur Nogueira, Céu, Criolo (em parceria com Milton Nascimento) e Mallu Magalhães, entre outros nomes.
♪ Faixa imperdível: Sem medo nem esperança (Arthur Nogueira e Antonio Cicero), música que abre o disco com pegada roqueira.
40. Estratosférica ao vivo (2017)
Gal entra na gravadora Biscoito Fino com álbum duplo que registra na íntegra o show do disco de 2015.
♪ Faixa imperdível: Cartão postal (1975), blues-rock de Rita Lee e Paulo Coelho.
41. A pele do futuro (2018)
Último grande álbum de músicas inéditas de Gal com repertório primoroso, amealhado por Marcus Preto. Sem tirar o pé da cena indie, a cantora evoca a disco music e acena para a MPB em disco que irmana composições inspiradas de Adriana Calcanhotto, Dani Black, Erasmo Carlos (com Emicida), Gilberto Gil, Guilherme Arantes e Silva (com Omar Salomão).
♪ Faixa imperdível: Mãe de todas as vozes (Nando Reis), síntese da influência matricial de Gal no canto feminino do Brasil.
42. Trinca de ases – Multishow ao vivo – Com Gilberto Gil e Nando Reis
Álbum duplo com o registro integral do show que juntou a cantora com Gil e Nando.
♪ Faixa imperdível: Espatódea (2006), dueto de Gal com Nando Reis em uma das canções mais lindas do compositor.
43. A pele do futuro ao vivo (2020)
Mais um álbum duplo ao vivo com registro integral de show da cantora, também perpetuado em DVD.
♪ Faixa imperdível: O que é que há (Fábio Jr. e Sérgio Sá, 1982).Gal adensa a canção lançada por Fábio Jr.
44. Nenhuma dor (2021)
No último álbum de estúdio, Gal revisita dez canções do próprio repertório em duetos com elenco masculino em que predominam nomes das novas gerações. As gravações com Jorge Drexler, Tim Bernardes ,Zé Ibarra e Zeca Veloso se destacam no disco.
♪ Faixa imperdível: Meu bem meu mal (Caetano Veloso, 1981). Graves e agudos se embaralham no dueto de Gal com Zé Ibarra.