Funeral de 24 horas de Pelé atraiu mais de 200 mil pessoas

SANTOS, Brasil — A cidade, ao que parecia, estava adormecida. As ruas estavam vazias, as lojas fechadas e um cachorro uivava ao longe. Então, a poucos quarteirões do estádio de futebol que colocava a cidade portuária de Santos no mapa, havia sinais de vida. Muitos disso.

Vendedores de pipoca. Homens grelhando carne. Um grupo vendendo camisetas. E um salão de cabeleireiro cobrando pelo banheiro.

Eram 3 da manhã e milhares de pessoas estavam em uma fila ordenada que se estendia por cerca de dois terços de milha, esperando para ver o corpo de um dos atletas mais magníficos da história em seus momentos finais antes do sepultamento. a estrela do futebol A vigília de 24 horas de Pelé estava em sua 17ª hora, e pelos olhares da multidão, um dia pode não ter sido suficiente. O clube santista estimou que 230 mil pessoas passaram pelo estádio.

“Isso não é nenhum sacrifício”, disse Walter Henrique, 35, um analista tributário que viajou três horas para o velório e teve que estar no trabalho em cinco horas, mas ainda tinha mais algumas horas antes de passar pela fila. “Ele nos deu tanta alegria que é um prazer estar aqui.”

A multidão da madrugada em Santos tinha motivos diferentes para chegar àquela hora. Os enlutados entupiram as estradas de São Paulo, prendendo muitas pessoas no trânsito. Alguns haviam saído tarde do trabalho ou queriam evitar o sol do meio-dia. E outros ainda acreditavam que, se viessem enquanto a cidade dormia, evitariam a fila.

“Não foi uma boa estratégia”, disse Vinícius Fortes, 58 anos, engenheiro de software que chegou com a família à 1h15 no horário local e encontrou uma fila muito maior do que o esperado. “Eu estava votando para não ficar. Eu disse: ‘Olha, vamos esperar duas horas para ficar perto de uma caixa por 10 segundos.’”

Ele foi derrotado na votação. Agora sua família havia esperado duas horas e parecia que eles tinham mais uma hora pela frente. “Mas todos os dias você vai para casa e dorme”, acrescentou Fortes. “Este é um momento em sua vida que você vai lembrar para sempre.”

O filho de Fortes, Guilherme, de 27 anos, foi o único que teve que trabalhar pela manhã, mas se mostrou imperturbável, mesmo quando leram no noticiário que a linha havia parado por 30 minutos porque os funcionários estavam trocando as flores. “Já tomei decisões piores na minha vida”, disse ele.

O clima não era exatamente sombrio, mas a multidão estava sóbria. Uma vendedora ambulante, Ednalva Cruz da Silva, tinha uma pilha de bebida no gelo, incluindo latas de cerveja Brahma e uma garrafa de uísque Johnnie Walker, mas ninguém estava bebendo. Em vez disso, ela vendia água e refrigerante. “Geralmente são cerca de 100 cervejas para cada água”, disse ela. “Essa não é a ideia esta noite.”

Ainda assim, a fila ficou um pouco mais alta conforme o estádio se aproximava. Um grupo em particular estava abrindo caminho com cânticos para o time de futebol santista – que incluíam referências à época em 1967, quando a presença de Pelé provocou um cessar-fogo em uma guerra civil na Nigéria.

O grupo havia se tornado uma espécie de atração em um evento onde todos procuravam uma distração. Os nove homens se encontraram na fila, unindo-se nas três horas anteriores: um policial, um balconista de supermercado, três alunos do ensino médio, dois chefs, um carpinteiro rastafari com uma bola de futebol e o dono de uma empresa de automação industrial em um tornozelo. manto comprido e lenço na cabeça. Ele tinha usado a roupa para a Copa do Mundo no Qatarmas havia costurado um patch do Santos horas antes, e agora estava posando para fotos por horas.

“Pelé era o rei”, disse João de Souza, 58 anos, empresário de lenço na cabeça, de óculos escuros às 3h30. “Ele mostrou o espírito brasileiro para o mundo inteiro, mostrou que o Brasil tem garra”.

Pedro Camargo de Souza, 17 anos, aluno do primeiro ano do ensino médio do grupo, disse que pegou três horas de transporte público para chegar. “Vim sozinho porque sou o único torcedor do Santos na minha família”, disse. “Eles pensaram que eu estava louco, mas o que eles iriam fazer?”

Ao se aproximarem da entrada, os funcionários do estádio ordenaram que o grupo formasse uma fila única e os conduziu. “Boa noite”, disse um porteiro. “Ou bom dia.”

Às 3h40, eles atravessaram o portão e entraram no campo. O silêncio caiu sobre a tripulação. Havia apenas o som fraco de Pelé cantando um samba, “meu legado,” uma faixa que ele lançou em 2006 e que tocou repetidamente no estádio enquanto ele estava no estado.

Muitos dos homens ergueram seus telefones, filmando as flores; o estandarte que dizia: “Viva o rei”; e o Jumbotron com a imagem de uma coroa.

Então, assim que se aproximaram do corpo de Pelé no meio-campo — deitado em um caixão escuro, coberto de flores e envolto em um véu — o silêncio explodiu em um rugido de mais de 100 homens. Era uma das torcidas santistas, entoando o cântico do time, agitando quatro enormes bandeiras e acendendo um sinalizador em homenagem antes da madrugada ao lado do caixão de Pelé.

Os nove homens olharam com admiração, mas a linha continuou em movimento. Em três minutos, o grupo estava de volta do lado de fora. “Eu chorei”, disse Camargo, o colegial. “Faria mais 10 vezes, mil. Faria quantas vezes o Pelé marcasse.”

Eles se reuniram novamente ao lado de uma van que vendia sanduíches grelhados. Eles trocaram contatos e relembraram o momento. Alguns estavam indo para casa. Outros ficavam na rua ou dormiam no carro antes do cortejo fúnebre pelas ruas mais tarde naquele dia, terminando no cemitério onde o caixão de Pelé seria inserido em uma tumba acima do solo.

“Agora ele descansa em paz”, disse João de Souza. “Mas seu legado, seu reinado, será eterno.”

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