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‘Fricção’ libertária de Fausto Fawcett move o filme que investiga a cabeça do trovador urbanoide de Copacabana | Blog do Mauro Ferreira

Resenha de documentário musical da 24ª edição do Festival do Rio

Título: Fausto Fawcett na cabeça

Direção e roteiro: Victor Lopes

Produção: TV Zero / Coprodução: Canal Brasil

Cotação: ★ ★ ★ ★

♪ “Cela 1107”, ironiza Fausto Fawcett, ao fundo de corredor de prédio de Copacabana, apontando para a câmera a porta do apartamento onde mora no bairro carioca, babel da intensidade urbana que move a escrita do artista.

A breve cena do documentário Fausto Fawcett na cabeça é significativa porque o filme dirigido e roteirizado por Victor Lopes indica que foi através da fricção dos textos e letras de música que Fausto Borel Cardoso encontrou a liberdade existencial mesmo dentro da cela.

Foi pelo poder do verbo de linguagem cinematográfica – evocativa dos filmes de “fricção científica”, como joga com as palavras um dos entrevistados do documentário – que Fausto Borel, o bicho-homem enjaulado na selva da cidade do Rio de Janeiro (RJ), escapa da prisão e ganha a liberdade e o mundo, sem perder Copacabana do horizonte literário.

Atração da 24ª edição do Festival do Rio, o documentário Fausto Fawcett na cabeça investiga a mente delirante deste trovador de fala imagética, projetado nacionalmente há 35 anos quando Kátia Flávia, Godiva do Irajá (Carlos Laufer e Fausto Fawcett, 1987) se tornou o primeiro rap nacional a ganhar as paradas do Brasil, impulsionando o primeiro dos três álbuns do compositor-cantor, Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros (1987).

Desde 1997, Kátia Flávia vem sendo amplificada pela voz de Fernanda Abreu, parceira conterrânea de Fawcett em Rio 40 graus (Fernanda Abreu, Carlos Laufer e Fausto Fawcett, 1992), mix de samba, funk e rap apresentado pela cantora há 30 anos – em gravação feita com participação de Fawcett – e desde então elevado ao posto de hino informal do Rio de Janeiro (RJ) por ter traduzido a fervura social da cidade partida nos versos do trovador urbanoide.

O diretor Victor Lopes documenta o reencontro de Fausto Fawcett com Fernanda Abreu, Carlos Laufer e outras entidades urbanas que caminham junto com o escritor.

O roteiro do filme Fausto Fawcett na cabeça também costura os tradicionais depoimentos – dados por Fernanda Abreu, Katia Bronstein e Regininha Poltergeist, entre outros nomes – com valiosas imagens de arquivo de shows e apresentações do artista na TV, nos anos 1980 e 1990.

Contudo, o documentário cresce aos olhos e ouvidos quando transita por trilhas mais sensoriais, entre ruídos e imagens distorcidas, perseguindo o delírio cinematográfico alardeado por Victor Lopes ao conceituar o filme para a plateia que assistiu ao documentário na sessão de estreia, na noite de ontem, 7 de outubro. Mesmo sem chegar ao transe pretendido pelo diretor, Fausto Fawcett na cabeça enreda o espectador pela riqueza da personagem.

Como na vida, o Fausto Borel é ofuscado pelo Fawcett no filme. Ainda assim, pelas frestas e pelos olhares do Fausto Borel diante do mar de Copacabana, o roteiro deixa entrever um trovador isolado em ilha existencial.

Sob esse prisma, algumas falas avulsas – “Confesso que não sou muito bom com sentimento, não…”, “O amor é predador” e “Não rolou família…” – ajudam a amarrar fios que ficam soltos pelo filme porque o foco é mesmo o Fawcett, mesmo que seja da mente hiperativa do Borel que saem as crônicas hiperbólicas que geram letras de músicas e livros como Santa Clara Poltergeist (1990) e Favelost (2012), ambos com trechos lidos pelo autor em cena.

Sob o império dos sentidos, Fausto Fawcett prefere ser uma “metamorfose fixa”, como se perfila ao fim do filme, ciente de que o universo particular do escritor cabe dentro de Copacabana, sendo o bairro por isso mesmo a personagem mais importante do documentário depois do próprio Fawcett, boêmio que teve que parar com a bebida em 2008 para continuar vivo pelas noites (“O médico disse: ou vai ou fica”).

Pensador eloquente, Fausto Fawcett pega o espectador pela palavra. Quando discorre sobre o poder corrosivo das redes sociais (“O planeta virou uma quitinete claustrofóbica”), o trovador carioca da cela 1107 merece, pela fricção libertária da escrita, a ovação a que o documentário Fausto Fawcett na cabeça também faz jus.

Fonte

MicroGmx

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