França adota pílula do dia seguinte gratuita e ajuda maior para mães que educam filhos sozinhas | Mundo

O governo francês adotou nas últimas 48 horas os projetos de lei do orçamento geral do Estado e da Seguridade Social para 2023. A França vai continuar a viver no vermelho, como faz há 40 anos. Mas algumas medidas previstas são favoráveis às mulheres.

Para 2023, o governo francês projeta um déficit público de 5% do PIB. Mesmo assim, a maior parte dos ministérios terá um aumento de verbas: € 3,7 bilhões adicionais para a Educação, a mesma quantia para a pasta do Trabalho e mais € 3 bilhões para a Defesa, por exemplo. 

Em relação ao orçamento específico da Seguridade Social, que abrange as despesas com o sistema público de saúde, a Previdência, os programas sociais e acidentes do trabalho, área profundamente impactada pela pandemia de Covid-19, as contas continuarão em desequilíbrio, com um déficit de € 7,2 bilhões em 2023, contra € 17,8 bilhões previstos em 2022. 

Apesar de o país gastar mais do que a riqueza que produz em um ano, e por isso acumular dívidas, o governo continuará a investir no sistema público hospitalar e em programas de vacinação e prevenção de doenças. A França continuará bancado, de forma praticamente gratuita, médicos, exames de laboratório, de imagem, remédios, tratamento dentário, próteses, aparelhos de surdez, óculos e hospitais, de acordo com o patamar salarial.

Essa missão é financiada com a receita dos impostos pagos pelos contribuintes. Estão previstos alguns ajustes, como a retirada de remédios considerados de menor eficácia da lista de reembolso do Ministério da Saúde, mas os hospitais não sofrerão cortes de despesas, como ocorreu em anos anteriores.

As mulheres receberam uma atenção especial na elaboração de algumas medidas. A pílula do dia seguinte, que é um contraceptivo de emergência que pode ser usado depois de uma relação sexual desprotegida ou quando o método contraceptivo habitual falha, seja porque o preservativo rompeu ou a pílula anticoncepcional foi esquecida, se tornará gratuita e terá venda livre nas farmácias, a partir de 1° de janeiro. 

Segundo a primeira-ministra Élisabeth Borne, um terço das mulheres ainda engravidam sem ter planejado a gestação e o Estado deve estar ao lado delas para evitar essa gravidez. O assunto é tratado como garantia de proteção à saúde da mulher e não pelo viés religioso ou moralidade conservadora, do tipo “a mulher não se cuidou, agora que assuma as consequências”. 

A partir do ano que vem, os exames de diagnóstico de DST (doenças sexualmente transmissíveis) também se tornarão gratuitos até os 26 anos de idade, para homens e mulheres. As DST têm aumentado no país e a incidência é maior entre jovens. Em um intervalo de dois anos (2017-2019), as infecções por clamídia tiveram um aumento de 41% entre mulheres da faixa etária de 15 a 24 anos, e uma alta de 45% nos homens de 15 a 29 anos. A gonorréia aumentou 21%. É preciso ampliar o diagnóstico para interromper essa curva de crescimento e investir em campanhas para o uso de preservativos.

O orçamento público de 2023 ainda prevê uma verba maior para a compra de perucas, para mulheres que fazem tratamento contra o câncer e perdem os cabelos. Para as mulheres que criam filhos sozinhas, a ajuda financeira do Estado, que era concedida até agora até a entrada no 1° ano da escola, foi ampliada até o 5° ano e teve o valor aumentado.

Medida de força no Parlamento

A aprovação desses projetos de lei aconteceu em uma semana tumultuada para o governo, com a greve da última terça-feira (18) e a prolongada paralisação nas refinarias de petróleo. 

O abastecimento nos postos ainda não voltou ao normal. Há filas imensas, já que neste sábado (19) começam as férias de outono em todo o país. Apenas duas de cinco refinarias da TotalEnergies continuam em greve, enquanto nas demais houve acordo. No entanto, serão necessários vários dias o abastecimento voltar ao normal nos postos. 

Apesar dessas dificuldades, na quarta e na quinta-feira o governo tentou aprovar os dois projetos orçamentários na Assembleia Nacional. Mas, devido à maioria relativa que possui nessa legislatura e diante de 3 mil emendas apresentadas pela oposição, com o intuito de aumentar as despesas sociais, a primeira-ministra Élizabeth Borne recorreu ao artigo constitucional 49.3, que permite a adoção de projetos do Executivo sem aprovação dos deputados. 

Esse recurso, previsto para casos extremos, é politicamente mal visto, por passar por cima do Parlamento. Em resposta à medida de força imposta pelo governo, a coligação de extrema esquerda Nupes e os deputados nacionalistas de extrema direita apresentaram moções de censura contra o governo.

Elas serão analisadas na próxima segunda-feira, mas praticamente não têm chance de derrubar a primeira-ministra. A extrema esquerda já avisou não irá votar a moção da extrema direita e vice-versa. Os dois grupos de oposição reagiram apenas para denunciar o que consideram um método antidemocrático do governo.

A chefe de governo francesa não deve ter, assim, o mesmo destino que a conservadora Liz Truss, no Reino Unido. Mas a popularidade do governo francês sai arranhada dessa sequência de incidentes.

Em um mês, a popularidade do presidente Emmanuel Macron despencou 7 pontos. Ele tem agora 36% de aprovação, segundo uma pesquisa do instituto BVA publicada nesta sexta-feira (21). A premiê Élisabeth Borne recua 10 pontos, mas ainda é mais popular que Macron, com 41% de aprovação. 

A demissão de Liz Truss não surpreendeu os franceses. Todos sabiam que os cortes de impostos que ela propôs para tirar a economia britânica de um ciclo de inflação e baixo crescimento eram tecnicamente inviáveis, perante a situação das contas públicas no Reino Unido. Ninguém esperava, no entanto, que a correção dos mercados viria tão rápido.

Na França, a lição que se tira desta sequência é o que já se sabe há muito tempo: o Brexit foi uma catástrofe para os britânicos. Esse populismo enganoso que tomou conta de vários países na última década ainda não acabou de fazer estragos. Vide o constrangimento da nova primeira-ministra de extrema direita na Itália, Giorgia Meloni, nomeada primeira-ministra na tarde desta sexta, dois dias depois de vazar na imprensa italiana um áudio do aliado Silvio Berlusconi, 86 anos, dizendo que reatou recentemente os laços com o presidente russo, Vladimir Putin, e recebeu de presente de aniversário 20 garrafas de vodka e “uma cartinha gentil” do líder que ameaça a Europa e o mundo com uma guerra nuclear.

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