A ascensão de figuras políticas com tendências autoritárias levanta um questionamento crucial: por que indivíduos inteligentes e, em outros contextos, críticos, mostram-se dispostos a ignorar ou minimizar o desmantelamento das estruturas democráticas em nome de uma suposta liderança forte? Essa questão, longe de ser meramente teórica, manifesta-se de forma alarmante no apoio, consciente ou não, a líderes que personificam o desrespeito às instituições e aos princípios fundamentais do Estado de Direito.

Não se trata aqui de indivíduos desinformados ou expostos apenas a bolhas de propaganda ideológica. O fenômeno atinge, de forma preocupante, pessoas com capacidade de análise e discernimento, que, em outras circunstâncias, demonstrariam preocupação com a erosão das liberdades civis e a concentração de poder. A questão central reside, portanto, na aparente dissonância cognitiva entre a capacidade intelectual e a disposição de ignorar os riscos representados por líderes autoritários.

A Sedução da Figura Paterna

Uma possível explicação para essa aparente contradição reside na projeção de uma figura paterna arquetípica sobre o líder político. Em momentos de incerteza e instabilidade social, o anseio por um líder forte, que ofereça segurança e direção, pode levar à idealização de figuras que personificam a autoridade e a capacidade de resolver problemas complexos de forma rápida e decisiva. Essa idealização, no entanto, pode obscurecer a análise crítica das ações e propostas do líder, levando à tolerância de comportamentos antidemocráticos e à relativização de princípios éticos e legais.

Essa dinâmica é particularmente perigosa, pois permite a líderes com tendências autoritárias instrumentalizar o medo e a insegurança para consolidar seu poder e erodir as instituições democráticas. Ao se apresentarem como salvadores da pátria, capazes de restaurar a ordem e a prosperidade, esses líderes podem manipular a opinião pública e obter apoio para medidas que, em outras circunstâncias, seriam amplamente rejeitadas.

O Perigo da Normalização do Absurdo

Outro fator que contribui para a aceitação de líderes autoritários é a normalização gradual de comportamentos e discursos que, em um contexto democrático saudável, seriam considerados inaceitáveis. A repetição constante de mentiras, ataques à imprensa e desrespeito às minorias pode levar à habituação e à diminuição da capacidade de indignação, tornando a população mais tolerante à erosão das normas democráticas.Democracy Now! é um ótimo exemplo de jornalismo investigativo que expõe essas táticas.

Essa normalização do absurdo é particularmente perigosa, pois cria um ambiente propício para a ascensão de líderes que se beneficiam da confusão e da desinformação para promover seus próprios interesses. Ao questionarem a validade das instituições democráticas e semearem a desconfiança em relação aos fatos, esses líderes minam a capacidade da sociedade de resistir à opressão e defender seus direitos.

A Urgência da Vigilância Democrática

Diante desse cenário, é fundamental que os defensores da democracia redobrem seus esforços para combater a desinformação, promover o pensamento crítico e fortalecer as instituições democráticas. É preciso expor as táticas de manipulação utilizadas por líderes autoritários, denunciar a erosão das liberdades civis e defender o Estado de Direito como garantia fundamental da liberdade e da justiça social. A ACLU (American Civil Liberties Union) é um bom exemplo de organização que luta pelos direitos civis e liberdades nos EUA.

A escolha entre a segurança ilusória de uma liderança autoritária e a complexidade e a incerteza da democracia é um dilema que exige reflexão e ação. Não podemos nos deixar seduzir por soluções fáceis e promessas vazias, mas sim reafirmar nosso compromisso com os valores da liberdade, da igualdade e da justiça social, que são os pilares de uma sociedade democrática e próspera.