Secretaria de Educação decidiu não aderir ao material didático e pedagógico do Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), do Ministério da Educação, a partir de 2024. Educadores ouvidos pelo g1 criticaram medida. Sala de aula de escola em São Paulo.
Reprodução/TV Globo
A partir de 2024, os estudantes dos ensinos fundamental e médio da rede estadual de São Paulo não irão mais receber material didático impresso do Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), do Ministério da Educação, como ocorre todo ano.
Segundo a Secretaria de Educação do Estado, será usado material próprio e 100% digital para essas etapas.
A decisão se deu, conforme a pasta, porque a rede estadual “possui material didático próprio alinhado ao currículo do Estado e usado nas 5,3 mil escolas, mantendo a coerência pedagógica”.
Dentro da rede, a gente tinha um conjunto de livros didáticos e o que a gente está fazendo é uniformizando todos esses livros em um material digital. O que estamos buscando é uma uniformização e coerência pedagógica em todas as escolas do estado.
E como vai funcionar?
Governo de SP não terá livros didáticos físicos nas escolas a partir de 2024
📚 Como é hoje: No programa do MEC, as redes municipais e estaduais escolhem os livros que estão no catálogo e recebem os materiais gratuitamente do governo federal.
Para participar do PNLD, os dirigentes das redes de ensino municipal, estadual, distrital e das escolas federais devem encaminhar Termo de Adesão manifestando seu interesse em receber os materiais do programa e comprometendo-se a executar as ações do programa conforme a legislação.
👉 O que aconteceu: No dia 20 de julho, oito dias antes de finalizar o prazo, o secretário de Educação de SP, Renato Feder, fez adesão apenas às obras literárias e obras para o Educação de Jovens e Adultos (EJA). Já a adesão ao material didático para o ensino fundamental e médio não foi feita.
🖥️ Como ficará: A partir de 2024, a rede estadual de educação usará:
Nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano): material digital com suporte físico;
Nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano): material 100% digital;
No ensino médio: material 100% digital.
Como será colocado em prática
Segundo o secretário-executivo da Educação, Vinicius Neiva, foi montada uma estratégia a fim de uniformizar e garantir o uso do material didático que inclui os seguintes pontos:
Compra de mais computadores: Até o fim de agosto, a rede deve receber 60 mil computadores;
Doação de computadores para alunos carentes;
Implantação de internet de alta velocidade nas escolas que ainda não dispõem de acesso rápido; e
Autorização para as escolas imprimirem o material para os alunos que precisarem dele em papel. Haverá repasse de verba para a compra de papel.
“Primeiro item [da estratégia] é que estamos adotando mais computadores, mais equipamentos nas escolas, para que eles possam usar dentro da escola. O segundo item é que estamos doando aparelhos para os mais necessitados. E o terceiro ponto é que as escolas estarão autorizadas a imprimir esse material nosso e entregar para os alunos que precisam”, disse.
Ele acrescentou ainda que a secretaria tem feito “esforço para que toda a rede, pelo menos 80%, tenha internet de alta velocidade nas escolas até final de outubro”.
O que dizem os educadores?
Educadores ouvidos pelo g1 criticaram a medida do governo de São Paulo de não aderir ao material didático e pedagógico do MEC, como a falta de estrutura para os alunos conseguirem acessar material digital, como aconteceu na pandemia.
– Limita a autonomia do professor
Para Tereza Perez, presidente da Comunidade Educativa CEDAC, a decisão do governo paulista preocupa porque “uma plataforma única limita a potencialidade do uso de recursos, da pluralidade”.
O governo estadual está abrindo mão de um recurso enorme, que permite aos professores escolherem os livros que realçam e valorizam a autonomia deles. Não dá para compreender essa decisão.
A deputada estadual e segunda presidenta da Apeoesp, Professora Bebel, também é da mesma opinião.
“A alegação de ‘coerência pedagógica’ é, a nosso ver, a imposição do pensamento único a professores e estudantes da rede estadual de ensino, contrariando, mais uma vez, a liberdade de cátedra e o princípio da liberdade de ensinar e aprender garantido pela Constituição Federal”, afirma.
– Faltam computadores e acesso à internet
Tereza Perez ressalta ainda a questão da falta de acesso à internet rápida. “A gente sabe da dificuldade de acesso em muitos lugares”, ressalta.
O professor da USP Eduardo Donizeti Girotto lembra que a pandemia demonstrou aos educadores que muitos alunos não tiveram acesso a conteúdo digitais, o que prejudicou o aprendizado deles.
“Seja por dificuldade de ter smartphones ou – se tem smartphones – não ter os planos de dados para baixar esses aplicativos também. E apostar apenas em conteúdo digital pode ser um equívoco, ainda mais por muitas escolas não estarem dotadas com toda a infraestrutura necessária para isso”, afirma.
Ele recorda que, no primeiro semestre deste ano, na aplicação da Prova Paulista, foram muitos os relatos das dificuldades que os estudantes tiveram para acessar a prova pelo meio digital. “Os professores tiveram que utilizar os próprios celulares para isso”, conta.
– Foi uma mudança ‘radical’ e sem consulta aos dirigentes:
Na avaliação de Ângelo Xavier, presidente da Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais, a medida preocupa, porque o estado vai deixar de receber cerca de 10 milhões de exemplares de livros didáticos a partir do próximo ano, o que equivale a R$ 120 milhões em livros que deixarão de ser comprados.
“As escolas ficaram preocupadas porque é uma mudança radical sem recurso didático impresso. Causou estranheza porque foi uma medida extrema. Não foi uma decisão que consultou os dirigentes, mas foi decisão de gabinete”, diz.
Ele destaca que o material do programa do MEC é “sempre completo, com livro impresso, livro interativo digital. Não é um material qualquer”. Segundo ele, cerca de 1,4 milhão de alunos da rede estadual paulista deixarão de receber livros físicos a partir do ano que vem.
Como funciona o PNLD?
Arte/G1
– Outros países desistiram do material 100% digital
Katia Smole, diretora do Instituto Reúna, diz que os poucos países que fizeram uma mudança como a proposta em São Paulo voltaram atrás.
Analisando a decisão da Secretaria de Educação do estado de São Paulo à luz de pesquisas que fizemos no Instituto Reúna sobre o processo desenvolvido em 11 países no mundo para a digitalização do material didático, concluímos que a maioria absoluta fez um processo que integra o físico com o digital. Que houve um cuidado no planejamento, na transição, na formação tecnológica dos educadores.
De acordo com ela, “a análise internacional mostra que a disponibilização de recursos educacionais digitais (REDs) não indicou a promoção de uma melhor aprendizagem”.
Há pesquisas, inclusive, mostrando que a proficiência leitora dos estudantes caiu com o uso de telas quando comparada à capacidade leitora em livros impressos.
“Penso que será necessário entender melhor como a proposta será avaliada, para além de resultados na prova feita pela própria rede. Por exemplo, creio que caberá ao estado sair-se bem em avaliações mais complexas, como o Pisa For Schools, que avalia competências e não apenas informações ou conhecimentos fatuais”, ressalta.
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