Na última sexta-feira, Anderson da Silva Pantaleão estava no bar que dirige quando uma água cor de barro começou a encher as ruas da cidade de Porto Alegre, no sul do Brasil. Logo ele entrou em suas instalações, localizadas no térreo. Às 21h, a água atingiu sua cintura.
“Aí começa o medo”, explica ele. “Você está apenas tentando não se afogar.”
Ele correu até a casa de um vizinho no segundo andar e se abrigou pelas três noites seguintes, racionando água, queijo e salsichas com outras duas pessoas. Os integrantes do grupo dormiam em turnos, temendo que a água os surpreendesse no meio da noite.
Na segunda-feira o segundo andar começou a inundar e eles pensaram no pior. Depois chegou um navio militar e resgatou Pantaleão, de 43 anos. Um dia depois, apesar da forte chuva, ele tentava retornar em um barco de resgate para procurar amigos que ainda estavam desaparecidos ou encalhados.
“Não posso deixá-los lá”, disse ele. “Acabou a água, acabou a comida.”
O Brasil enfrenta uma das piores enchentes de sua história recente. Desde o final de Abril, chuvas torrenciais atingiram o estado do Rio Grande do Sul, onde vivem 11 milhões de pessoas, causando graves inundações que submergiram cidades inteiras, bloquearam estradas, romperam uma grande barragem e fecharam o aeroporto Internacional até Junho.
Pelo menos 100 pessoas morreram e outras 128 estão desaparecidas. As enchentes, que se espalharam pela maior parte dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, fizeram com que cerca de 164 mil pessoas deixassem suas casas.
Na capital do estado, Porto Alegre, cidade de 1,3 milhão de habitantes localizada às margens do rio Guaíba, as ruas ficaram submersas em águas turvas e o aeroporto foi fechado pelo dilúvio, então os voos tiveram que ser cancelados até o final do mês.
O rio subiu quase cinco metros esta semana, ultrapassando os níveis máximos registados durante a grande cheia de 1941 que paralisou a cidade durante semanas.
A inundação bloqueou as estradas de acesso à cidade e dificultou o abastecimento de produtos básicos. Na terça-feira, os supermercados ficaram sem água engarrafada e alguns moradores disseram que tiveram de caminhar quase cinco quilómetros em busca de água potável.
Muitos dos que ficaram presos esperaram nos telhados por ajuda. Alguns tomaram medidas desesperadas para fugir: quando o abrigo onde a sua família estava inundada, Ana Paula de Abreu, 40 anos, nadou até um barco de resgate enquanto segurava o seu filho de 11 anos debaixo do braço. Dois moradores de um bairro de Porto Alegre usaram um colchão inflável para retirar pelo menos 15 pessoas de suas casas inundadas.
Equipes de busca, compostas por autoridades e voluntários, percorreram as áreas inundadas e resgataram moradores por mar e ar. Sem ter onde pousar, alguns helicópteros usaram guinchos para levantar pessoas presas pela enchente.
Na segunda-feira, Bárbara Fernandes, 42 anos, advogada de Porto Alegre, passou horas no telhado escaldante de seu prédio, agitando um pano vermelho e suas muletas em direção ao céu. Um helicóptero de resgate a localizou no final da tarde.
“Você não sabe quando eles virão atrás de você”, disse Fernandes, que está se recuperando de uma cirurgia no tornozelo e não pôde deixar o prédio antes da enchente subir.
Cerca de 67 mil pessoas viviam em abrigos em todo o estado, enquanto outras se abrigaram em casas de familiares ou amigos. Algumas pessoas que não tiveram acesso a nenhuma das opções dormiram nos seus veículos ou nas ruas em áreas ainda secas.
“Parece que estamos vivendo o fim do mundo”, disse Beatriz Belmontt Abel, 46 anos, técnica de enfermagem, que trabalhava como voluntária em um abrigo na cidade de Canoas, às margens do rio de Porto Alegre. “Nunca imaginei que veria isso.”
Em outro abrigo montado em uma academia de Porto Alegre, os voluntários distribuíram refeições e roupas. Fileiras de colchões estavam no chão e caixas de papelão serviam de prateleiras. Os que foram resgatados estavam ocupados varrendo o chão e arrumando suas camas temporárias.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que visitou a região na semana passada, prometeu recursos federais para ajudar nos esforços de resgate. As autoridades estatais também anunciaram ajuda para pagar equipas de busca, serviços de saúde e alojamento para pessoas cujas casas foram destruídas ou danificadas pelas águas.
À medida que os resgates continuam, as autoridades temem que a crise se agrave, uma vez que se espera outra onda de mau tempo nos próximos dias. Com uma frente fria impactando a região, os meteorologistas previram fortes chuvas, granizo, trovoadas e ventos de cerca de 100 quilômetros por hora.
O governador do estado, Eduardo Leite, disse que as autoridades estavam evacuando a população que vive em regiões vulneráveis a esses fenômenos. Alguns residentes recusaram-se a sair das suas casas por medo de saques. Outros tentaram regressar aos seus bairros, na esperança de que o nível da água diminuísse.
“Não é hora de voltar para casa”, disse Leite aos repórteres na terça-feira.
As enchentes são a quarta crise meteorológica sofrida pela região Sul do Brasil em menos de um ano. Em setembro, 37 pessoas morreram no Rio Grande do Sul devido às chuvas torrenciais e aos fortes ventos provocados por um ciclone.
Especialistas em clima afirmam que a região sofre os efeitos do El Niño, um fenômeno cíclico que pode provocar chuvas torrenciais nas regiões sul do Brasil e secas na floresta amazônica.
Mas os efeitos deste fenómeno foram exacerbados por uma combinação de alterações climáticas, desflorestação e urbanização desordenada, segundo Mercedes Bustamante, ecologista e professora da Universidade de Brasília.
“Na realidade, estamos perante uma receita para o desastre”, disse Bustamante, que escreveu vários relatórios para o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, um órgão especializado convocado pelas Nações Unidas.
Por mais de uma década, os cientistas avisou legisladores que o aquecimento global traria aumento das chuvas nesta região.
De acordo com Bustamante, à medida que o desmatamento avança na Amazônia e em outras partes do Brasil, os ciclos de chuva estão mudando, causando padrões de chuva mais erráticos. Como resultado, a precipitação é por vezes distribuída de forma desigual, encharcando áreas mais pequenas ou caindo em chuvas torrenciais durante períodos mais curtos.
Além disso, nas últimas décadas, as intempéries tornaram-se mais mortíferas, devido ao crescimento da população urbana e ao avanço de cidades como Porto Alegre em direção a áreas florestais que anteriormente serviam como amortecedores contra inundações e deslizamentos de terra.
As últimas inundações apanharam o Brasil “desprevenido”, disse Bustamante, sublinhando a necessidade de as cidades serem mais resilientes às alterações climáticas e desenvolverem estratégias de resposta que protejam melhor os residentes de eventos climáticos extremos, que certamente se tornarão mais frequentes.
“É uma tragédia que, infelizmente, já se previa há muito tempo”, disse ele. “Esperamos que isso sirva como um apelo à ação.”
Manuela Andreoni Ele colaborou com reportagens de Nova York.
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