Félicien Kabuga, homem que supostamente financiou o genocídio em Ruanda em 1994, teve um papel “substancial” no massacre étnico da minoria tutsi, afirmou nesta quinta-feira (29) a acusação na abertura de seu julgamento em Haia.
“Vinte e oito anos depois dos acontecimentos, este julgamento pretende fazer com que Félicien Kabuga preste contas por seu papel substancial e intencional neste genocídio”, afirmou o promotor Rashid S. Rashid no tribunal das Nações Unidas.
O ex-empresário, que tem 87 anos e acompanhou uma audiência em agosto em uma cadeira de rodas, não compareceu nesta quinta-feira ao tribunal.
Kabuga, um dos últimos principais suspeitos do massacre que devastou o país africano, era um dos homens mais ricos de Ruanda em 1994.
Félicien Kabuga durante audiência no tribunal de Haia em agosto de 2022 — Foto: Reprodução/ MICT / AFP
Ele é julgado por ter colocado sua fortuna e suas redes a serviço do genocídio que, segundo a ONU, provocou mais 800.000 mortes, principalmente entre a minoria tutsi.
Em 1994, Kabuga era presidente da infame ‘Radio Télévision Libre des Mille Collines’ (RTLM, Rádio Televisão Livre das Mil Colinas), que divulgou pedidos de assassinato dos tutsis.
Detido em 2020 nas proximidades de Paris, após 25 anos de fuga, ele é acusado de participar na criação das milícias hutu Interahamwe, braço armado do regime genocida hutu.
Foto mostra sandália e terço ao lado de crânios de vítimas do genocídio em Ruanda, que completa 20 anos em 2014 — Foto: Noor Khamis/Reuters
“Para apoiar o genocídio, Kabuga não precisou empunhar um fuzil ou um facão em um bloqueio de estrada. Ele forneceu armas em larga escala e facilitou treinamento que preparou os Interahamwe para utilizá-los”, destacou Rashid.
“Ele não precisou pegar um microfone para pedir o extermínio dos tutsis na rádio, mas fundou, financiou e serviu como presidente da… estação de rádio que transmitia propaganda genocida em Ruanda“, acrescentou.
O julgamento de Kabuga começou nesta quinta-feira no Mecanismo Residual Internacional dos Tribunais Penais, responsável por completara o trabalho do Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR).
As declarações introdutórias iniciaram a apresentação do caso e serão seguidas em 5 de outubro pela apresentação das provas.
Refugiada Tutsi olha para acampamento de fugitivos em Cyanguru, Ruanda, em 1994 — Foto: Jean-March Bouju/AP Arquivo
Félicien Kabuga é acusado de genocídio, incitação direta e pública a cometer genocídio e crimes contra a humanidade, incluindo perseguição e extermínio.
Kabuga se declarou inocente em sua primeira audiência em 2020. Os advogados tentaram evitar um julgamento devido a seu estado de saúde, mas os magistrados consideraram que ele estava apto.
Mais de 25 anos depois do genocídio que chocou o planeta, o julgamento de Félicien Kabuga é muito esperado em Ruanda, em particular em sua localidade natal de Nyange, ao noroeste de Kigali.
Imagem de arquivo mostra um cartaz de procurado de Félicien Kabuga, um dos acusados do genocídio de Ruanda — Foto: Benoit Tessier/Reuters/Arquivo
Filho de agricultores, ele começou a carreira como um pequeno comerciante antes de se tornar um rico empresário, dono de muitas plantações de chá em sua região natal.
“Esperamos com ansiedade este julgamento, que demorou para acontecer”, declarou à AFP Anastase Kamizinkunze, diretor da principal associação de sobreviventes do genocídio em Ruanda, Ibuka.
A Promotoria apresentará mais de 50 testemunhas no julgamento de Félicien Kabuga, um dos últimos grandes suspeitos do genocídio de Ruanda a ser levado à justiça, após 62 condenações já anunciadas pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda.
Refugiados de Ruanda enquanto pediam ajuda para soldados belgas em abril de 1994 — Foto: Karsten Thielker/AP/Arquivo
Outros, como Augustín Bizimana, um dos principais idealizadores do massacre, e Protais Mpiranya, que foi comandante do batalhão da Guarda Presidencial das Forças Armadas de Ruanda, morreram sem enfrentar a justiça internacional.
Apesar das acusações, Félicien Kabuga ainda é apoiado por algumas pessoas em sua cidade.
“Ele nos pagava bem”, lembra Alphonsive Musengimana, 35 anos, que trabalhou quando criança com outros membros de sua família nas plantações do ex-empresário.